sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Histórias: A inscrição rúnica de Upernavik


Em 1434, dobrámos o temível cabo Bojador, aqui bem perto, e em breve iríamos ligar o Atlântico ao Pacífico; pois os nórdicos Vikings, pelo menos três deles, dobraram, a 60º N , o cabo Farvel (Uummannarsuaq), circum-navegando a Gronelândia pelo extremo sul, e chegaram mesmo à pequena ilha Kingittorsuaq, frente à actual povoação de Upernavik. Estávamos nós ainda ... na Idade Média (séc. XIII).

Isso sim, é um feito !


Ou seja, velejaram e remaram até 72° 57′ N. Setenta e três graus norte. É obra.
( O círculo polar ártico é a 63º N ).
Note-se que não tinham por trás um aparelho de estado com planos de expansão nem uma economia interessada em fazer lucros. Nada, só aventura.


Foi a maior distância que atingiram para norte, em barquitos frágeis, embora rápidos, num oceano tão ou mais difícil que o Atlântico sul, mar congelado semeado de placas e icebergs. E seguiram , até à mítica Helluland narrada nas Sagas, que corresponde à grande Baffin Island, já na América do Norte.

Os navegadores Vikings chegaram mais a norte que se julgava navegando pelo estreito de Davis, na costa oeste da Gronelândia.

A Pedra Rúnica de Kingittorsuaq data da Idade Média, com maior probablidade de meados dos séc. XIII. Foi encontrada em 1824 no ponto mais elevado da ilha, num grupo de três pilhas de pedras* (cairns) em triângulo equilátero.


A ilha de Kingittorsuaq é pouco mais que um rochedo desabitado no noroeste da Gronelândia, nas margens do fiorde de Upernavik, perto do estuário que se abre sobre Baffin Bay.

A datação da pedra rúnica tem oscilado entre 1135 e 1314. É uma pedra quase lisa com três linhas de caracteres rúnicos (símbolos da antiga escrita nórdica). Os Vikings usavam estas inscriçõea para várias finalidades: memorial aos mortos, marcação de território, descrever grandes acontecimentos (como viagens).

Museu Nacional de Copenhaga


Só na Gronelândia foram encontradas mais de 100 pedras rúnicas. Ao contrário do que alguns dizem, nenhum destes testemunhos da presença nórdica foi comprovadamente encontrado em território americano.

Portanto: a certa altura, pelo século XIII, três marinheiros Vikings estavam em Kingittorsuaq no início da Primavera, tendo quase certamente lá passado o Inverno. E antes de partir deixaram uma mensagem, um testemunho silencioso em pedra, trabalhado com mãos queimadas e calosas do intenso frio.


E a inscrição diz:
« Erlingur Sigvatsson, Bjarni Thordarson e Enridi Oddsson aqui ergueram três 'empilhamentos de pedras' num sábado antes da Rogativa » [25 de Abril, dia de S. Marcos, no calendário cristão].



Sobre Upernavik, já escrevi aqui.

*Em português há a palavra moledro, origem de moledo.

2 comentários:

Gi disse...

"Num sábado antes de 25 de Abril" soa-me estranho, confesso. É a tradução literal?

Mário R. Gonçalves disse...

Talvez eu devesse ter escrito "no dia da Rogativa de S. Marcos", que é a tradução literal, mas achei que seria incompreensível para quem não está muito dentro do calendáro litúrgico.

Opção menos feliz, concordo.