domingo, 17 de fevereiro de 2019
Excertos do 'Atlas' de Jorge Luis Borges: descobertas, um cilindro, e a cidade de cristal e crepúsculo
Recentemente editado cá pela Quetzal (trad. com A.O.), Atlas de Jorge Luís Borges (1984) não é certamente uma das suas obras primas, é uma colectânea ligeira de crónicas de viagem - Maiorca, Irlanda, Istambul, Veneza, Genebra, Atenas -, miniaturas que parecem escritas em cima do joelho. Não deixa mesmo assim de ter, aqui e ali, observações magníficas em harmonia com a sua visão única e mágica do mundo.
Logo na Introdução,
Não há um só homem que não seja um descobridor. Começa por descobrir o amargo, o salgado, o côncavo, o liso, o áspero, as sete cores do arco e as vinte e tal letras do alfabeto; passa pelos rostos, os mapas, os animais e os astros; conclui pela dúvida ou pela fé e pela certeza quase total da sua própria ignorância.
Mais adiante, no Hotel Esja de Reykjavik,
No decurso da vida há factos modestos que podem ser uma dádiva. Eu tinha acabado de chegar ao hotel. Sempre no meio dessa neblina clara que vêem os olhos dos cegos, explorei o quarto indefinido que me tinham destinado. Tacteando as paredes, que eram ligeiramente rugosas, e dando a volta aos móveis, descobrí uma grande coluna redonda. Era tão larga que quase não podiam abarcá-la os meus braços esticados e custou-me juntar as duas mãos. Soube depois que era branca. Maciça e firme, elevava-se até ao céu raso.
Durante uns segundos conhecí essa curiosa felicidade que oferecem ao homem as coisas que são quase um arquétipo. Naquele momento, sei bem, recuperei o gozo elementar que senti quando me foram reveladas as formas puras da geometría euclidiana: o cilindro, o cubo, a esfera, a pirâmide.
"Alguna vez escribí en un prólogo Venecia de cristal y crepúsculo. Crepúsculo y Venecia para mí son dos palabras casi sinónimas, pero nuestro crepúsculo ha perdido la luz y teme la noche y el de Venecia es un crepúsculo delicado y eterno, sin antes ni después."
Borges perdeu a vista, mas mantinha visão, e que visão.
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1 comentário:
"Durante uns segundos conhecí essa curiosa felicidade que oferecem ao homem as coisas que são quase um arquétipo."
Só esta frase já me chegava - é todo um programa!
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