quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Os Yamnaya e a Cultura da 'Cerâmica Cordada': cavalos, rodas e uma línguagem fundadora


Será a população (e a civilização) europeia actual o resultado de um tremendo genocídio no Neolítico? Existem fundamentos arqueológicos para acreditar que sim: há cerca de 5000 anos, os povos que viviam na Europa sedentarizados numa economia agrícola de aldeias fortificadas, foram dizimados por invasores vindos de leste - os Yamnaya, caçadores-recolectores das estepes, que habitavam a Norte do Mar Negro entre o Dniepre e a planíce do Don-Volga, até mesmo ao Altai. Essas hordas invasoras (a 3ª grande invasão da Europa) são identificadas pela cerâmica decorada com 'cordas' que introduziram na Europa, pelo que são denominadas "Cultura da Cerâmica Cordada" (Corded Ware).


Mas muito mais do que cerâmica, trouxeram para a Europa a roda e o cavalo, e sobretudo impuseram uma linguagem - a origem indo-europeia das muitas línguas que hoje se falam, numa variante denominada proto-germânico.

Cerâmica cordada (Jutlândia, 2500-2000 AC), Museu da Dinamarca

Cerâmica cordada, c. 2000 A.C., Museu de História Antiga, Berlim

Cerâmica cordada (2400-2000 A.C.), Museu de S. Petersburgo

Cerâmica cordada - Skåne (Suécia), Museu de Estocolmo

Cerâmica cordada do Calcolítico, Museu da Cidade de Praga

A  Cultura da cerâmica cordada (c. 2900 – 2 350 A.C.) começou em finais do Neolítico e prolongou-se pelo Calcolítico até à Idade do Bronze. Entrou pelo vale do Danúbio e ocupou uma vasta área de planícies em torno do Báltico, desde a Dinamarca até Kiev, de início mais concentrada à volta do território da actual Polónia, mas expandiu-se desde a bacia do Reno até à Escandinávia e aos Urais.

Toda esta ocupação e expansão se deu de forma violenta, com extermínio das populações locais; há estudos que parecem evidenciar o maior genocídio de sempre ! Os Yamnaya, cujo ADN era diferente do da população europeia do Neolítico, eram altos e fortes, habituados a comer carne e peixe, enquanto os povos da Europa eram de baixa estatura pois subsistiam numa economia agrícola. Curiosamente, outra coisa que trouxeram foi a tolerância à lactose - nenhum europeu podia beber leite antes dos Yamnaya !

A sociedade Yamnaya era patriarcal, violenta e guerreira, cultivava o heroísmo e a bravura, os homens eram grandes cavaleiros como ainda não havia na Europa. Não há certezas quanto ao início da domesticação de cavalos, o que está estabelecido actualmente é que terá havido duas fases - no Kazaquistão por volta de 3800 AC, e pelos antepassados dos Yamnaya cerca de 3600 AC. Quando surgiu um milénio mais tarde a cultura Yamnaya, já havia grande domínio da montada a cavalo, e carroças de duas ou quatro rodas que lhes permitiam uma vida nómada pelas estepes. Não se sabe onde surgiu o carro de rodas; uns dizem na Mesopotâmia, outros dizem nas estepes da Ásia central. O que se sabe é que os Yamnaya as usavam como casas na sua constante migração. Se trocarmos "carroças" por "drakkars", há semelhanças com os Vikings, o seus assaltos costeiros e as suas permanentes viagens.

Nas eras que se seguiram, a Cultura da cerâmica cordada evoluiu para outros horizontes, e atingiu os extremos da Europa ocidental. Dela derivou no Calcolítico a chamada "Cultura do vaso campaniforme" (sino invertido) de que não faltam exemplos na Península ou no Reino Unido.

Vaso cordado campaniforme do Rapadouro, Paiva (2000-2500 AC)

Vaso cordado campaniforme - Dorchester, Uk

Falta referir que outras hordas Yamnaya se dirigiram para o médio oriente, para onde também levaram a língua, a cerâmica e a carroça de rodas, que na Suméria ao tempo do Império Acádio já estavam em uso. Foi a Cultura Sintashta (2800-2600 AC).

Ur, Suméria, 2600 AC - carroça puxada por equinos (burros) ('Standard de Ur', British Museum). Note-se que eram de madeira sólida, não de aros.

Entre as populações europeias, as que mantêm actualmente maior percentagem de ADN Yamnaya são as nórdicas (cerca de 50%) mas sobretudo as da região entre Kazan e Perm - a Udmúrtia, com 70% !

Na Udmúrtia há um número surpreendente de ruivos/as


---------------------------------------

Depois da 1ª onda de invasores em que, felizmente, o Homo Sapiens do nordeste Africano causou a extinção do Homem de Neanderthal europeu, há 45 000 anos; depois de um 2º grande fluxo invasor de população agrícola da Anatólia, há 8000 anos, que trouxe outra revolução no genoma; esta violenta agressão vinda das estepes há cerca de 5000 anos é portanto a terceira invasão, algo misteriosa mas catastrófica, que trouxe ADN e hábitos novos para a Europa - mas à custa de uma longa e vasta mortandade. Suponho que será assim por toda a parte: a história dos homens de hoje fez-se à custa de genocídios sucessivos, tendo os invasores 'criminosos' deixado as suas novas e 'superiores' marcas culturais. Para quê tanto barulho com colonizadores europeus de há quatro ou cinco séculos? Quase ninguém neste planeta tem antepassados limpos (*), somos todos carrascos de qualquer uma mortandade. E em território europeu não faltam extermínios à mão de invasores mais poderosos; assim se fez, também, a nossa História.

-----------------------------------------
Além de muitas páginas de Arqueologa e História Antiga como esta ou esta, uma das fontes onde fui recolher dados é o livro de David W. Anthony:
The Horse, the Wheel, and Language:
How Bronze Age Riders from the Steppes Shaped the Modern World 
(2007)

[chamo a atenção para a dificuldade da alguma linguagem técnica de arqueologia, por vezes demasiado hermética]


(*) Talvez os aborígenes da Oceânia? Os Inuit? Tribos da Amazónia? 

Sem comentários: