domingo, 16 de outubro de 2022

O Porto, a minha cidade - I : o Infante e a Sé


Tenho uma má relação com a cidade onde nasci e vivo. Sempre a achei feia, suja, escura, pesada, caótica, desleixada; agora ganhou cor e excesso de animação, má animação, com um turismo desenfreado que inevitavelmente estragou muito do que havia de menos mau, ou melhorzinho, e promoveu uma vida plástica e frenética de comida e bebida em prejuízo da variedade do comércio.

Vou começar uma série de publicações sobre locais onde vivi muitas horas no passado ou tenho vivido agora recentemente, e que se tornaram a minha referência geográfica urbana para o bem e para o mal. O Porto é uma cidade mais rica do que eu julgava quando era novo, durante a vida escolar e universitária; nessa altura era deprimente e descuidada, mas tinha potencialidades para ser uma cidade europeia digna, com melhor arquitectura, cultura e espaços de lazer. 

Não conseguiu ultrapassar essa fatalidade de enriquecer mal, enriquecer estragando, arruinando. O que mais falta é requinte, o requinte de uma cidade europeia limpa, tranquila, ordenada e culta. No Porto manda o barato e feio, a desordem, lixo nas ruas, fachadas decadentes grafitadas, o barulho e o atropelo, o trânsito caótico, as obras constantes por toda a parte.

O melhor do Porto é a Foz e o mar, os museus e os jardins, algumas pastelarias. Coisas boas como os cafés e as lojas únicas, quase desapareceram. As margens do Douro eram sítio degradado e sítio degradado são, incluindo a Ribeira e a Cantareira. A Universidade é um pandemónio, não tem um núcleo, nem um campus de jeito, são caixotes esparsos pela cidade. A arquitectura é de uma pobreza confrangedora comparada a qualquer  cidade europeia da mesma dimensão - o casario tosco e pobre, torto e desordenado, as igrejas barrocas de um cinzento pesado, rococó e feio, apenas se alegrando com alguns painéis de azulejo; fontes quase não há, e nenhuma bonita de se ver, até a dos Leões foi estragada. Salva-se alguma obra moderna como o palácio de Serralves, o café/hotel A Brasileira, o Rivoli ou a Casa da Música, exemplos isolados que chegam a destoar por estarem muito acima do que os rodeia.

Chega de paleio. Começo pela rua mais bonita do Porto, a Rua do Infante D. Henrique, entre a igreja de S. Francisco e a Feitoria Inglesa, passando pelo jardim do Infante. Sujeita à maldição turística, a rua viu um dos melhores prédios arrebatado por uma hamburgueria, outro por um hotel que altera a fisionomia da fachada; mesmo assim, ainda mantém alguma harmonia e homogenia de arquitectura.


A Rua do Infante foi mandada abrir no século XIV, sob D. João I, demorando quase um século a concluir, já no reinado manuelino. Para a altura era uma via de largueza invulgar, concebida como eixo orientador do burgo, e todas as casas tinham de obedecer à mesma ordem de arquitectura. Uma visão que não anda longe da baixa pombalina de Lisboa.


Nos outros três lados, a Praça do Infante é rodeada por edifícios ora feios, ora meio arruinados e abandonados.

Na parte nascente da rua encontra-se a Feitoria Inglesa, uma das melhores casas do Porto, de arquitectura neo-paladiana de 1790.


Integrado na implementação do Tratado de Aliança Luso-Britânico de 1373, reforçado em 1387, testemunha como os Ingleses foram ganhando influência no Porto, não só pelo negócio do vinho mas também pela vida social nos seus 'clubes'.


Biblioteca

Ático balaustrado sob a clarabóia.

Museu da Cidade / Casa do Infante

Enquanto a Rua do Infante ia sendo aberta, a saga dos decobrimentos ia decorrendo sob o comando de D. Henrique, nascido aqui mesmo, na Alfândega.


É numa travessa em rampa que vai dar ao rio Douro que estava instalada a Alfândega.

Rua da Alfândega

Nesta casa medieval em pedra terá nascido o Infante.



Agora, é aqui guardado o Arquivo Municipal da cidade.

Foral do Porto (manuelino, 1517)


A exposição permanente é dedicada ao Infante D, Henrique e às Descobertas.


Nesta área foi descoberta durante escavações uma preciosidade arqueológica: dois pavimentos romanos em mosaico.

Da primeira e única casa romana encontrada no Porto, um belo painel de mosaico (séc IV-V).

Voltando acima, à Rua do Infante, há uma Capela a S. Nicolau, coisa tosca não fosse o azul do azulejo que lhe dá um ar de brinquedo.


De S. Francisco nada direi, além de ser bem conhecida e destino de excursões não é do meu agrado. 

Subindo da beira-rio para a alta, a Sé do Porto está a dois passos (muito íngremes) por calçadas e vielas em estado vergonhoso. Posso lá terminar esta primeira romagem no centro histórico.


Não é feia, a Sé romano-gótica. Com a luz certa, até é a mais bonita igreja da cidade.




O claustro já é gótico, embora sóbrio.






O Relógio de Sol

(a continuar)

2 comentários:

Fanático_Um disse...

Sou de Lisboa e vivo em Lisboa e devo dizer que, no que à sujidade, edifícios degradados e grafitados, desorganização e confusão por excesso de pessoas, a minha cidade ultrapassa largamente o Porto. E, dentro da sujidade, há algo em que Lisboa é imbatível - na quantidade de fezes caninas no chão! É uma vergonha!!
Por razões profissionais, vou frequentemente ao Porto (ainda ontem lá estive) e confesso que é uma cidade que gosto muito. Talvez por viver em Lisboa, não a acho tão suja e aprecio alguns aspectos da construção que poderão ser apontados como menos positivos. E aguardarei com muito interesse os próximos textos porque neles poderão vir a ser introduzidos aspectos em que o Porto bate Lisboa e muitas outras cidades nacionais aos pontos...
E termino com o principal, muito obrigado por este texto (e os que virão), que me farão conhecer muito melhor o Porto, cidade de que gosto mas que poderei não ter estado tão atento a tópicos que seguramente aqui serão salientados e explicitados.

Mario R. Gonçalves disse...

Obrigado, meu caro, vou tentar estar à altura. Com a idade, tornei-me cada vez mais intolerante ao que vejo pela cidade, quem vem de fora não vem com esse parti-pris... Vou-me centrar naquilo que são memórias de vida na cidade, e naquilo que (ainda) não me irrita muito. Aproveite o que puder, abraço.