Muitos dos percursos que eu fazia quando era estudante estão perdidos ou em muito mau estado. Carlos Alberto, Leões, Clérigos, Cedofeita, estão infrenquentáveis, já nem se pode almoçar no 'Moínho de Vento', estragado por Joana Vasconcelos e a binge mob. O 'Piolho' é romagem de mochileiros e tatuados a fazer selfies.
Dos meus tempos no Liceu, alguma coisa está tal com estava: a Igreja Românica de Cedofeita.
Os cafés
Anos mais tarde, já na Universidade, os cafés eram tudo, eram em si um percurso - mas que resta deles? Chave d'Ouro, Estrela d'Ouro, Âncora d'Ouro, Latino, Luso, Progresso, Diu, ... fechados ou estragados. O que está melhor é o Ceuta, com bilhares e tudo.
Também o meu velho Café Aviz continua muito bem. O 'prego' à Aviz era fatal.
Um dia, logo após o 25 de Abril, trouxe um suíço de barba ruiva cheio de fome a comer no Aviz. Viera ver a nossa "liberdade" vermelha. Tive de ser eu a escolher, mandei vir caldo verde, pobre homem, detestou . "Estas couves estão cruas!". Vá lá, o preguinho já lhe agradou mais, enquanto conversávamos de revolução.
Há um segredo escondido que sobrevive: o Papagaio. Em poucos sítios se come tão bem. Era raro, nesses tempos de Universidade, ter o suficiente no bolso, mas quando lá podia ir era um banquete.
Numa esquina dos Leões, a Unicepe era uma livraria instalada no 1º andar, muito ligada ao MDP/CDU e afins, que frequentei de modo pirata - sem dinheiro, surripiava quando podia, e afogava os remorsos no consolo de estar a rapinar 'revisionistas'.
A Unicepe, no 1º andar - livros com fartura e com uma tendência.
A esquina em frente é famosa, tantas vezes lá passava a caminho da cantina de Letras. Lembro-me de uma vez a discutir com paixão que 'Legend of a Mind' dos Moody Blues era uma obra genial, incomparável, que provava o que de bom havia no capitalismo - seria impossível compô-la num regime socialista... Era o meu argumento forte contra a Rússia e a China: lá não havia uma juventude rebelde a fazer música nova. Ah ah ah, nem na Albânia.
Os azulejos da Igreja do Carmo:
Agora atracção turística, o elétrico ronceiro e ruidoso era outra das irritações que eu amaldiçoava. Preferia os tróleicarros, os Lancia de um e dois pisos, que chegaram nos anos 70.
São do início do século XX, mesmo assim a única coisa que disfarça o terrível e pesado rococó.
Ah! modernidade.
Bem, hoje confessei alguns desvarios de juventude. Não vou dizer que tenho saudades desse tempo - credo ! - mas a memória do meu Porto também se fez disso.
(continua)
3 comentários:
Estive fora e só agora leio com a devida atenção. Sempre muito interessante. E acho que aquele prego no Aviz vai ser uma das minhas próximas almoçaradas no Porto, quando o tempo o permitir. E se antecedido de um caldo verde, bem melhor!
Seja muito bem-vindo, gostaria de lho oferecer se estiver nos meus dias de saúde 'razoável'. Mesmo que a baixa do Porto não se recomende, os voos baratos sobre minha casa passam a cada três minutos...
Caro Mário,
Contas à moda do Porto, como se diz por cá, mas terei o maior gosto em partilhar consigo o prazer de uma boa conversa à volta de um caldo verde seguido de um bom prego!
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