Lower Voe nas Ilhas Shetland, 'small and beautiful"

Sítio minúsculo mas com carácter.

Há tempos publiquei aqui um artigo sobre Whalsay e o seu pequeno posto da Liga Hanseática nas Ilhas Shetland. Na ilha maior, frente a Whalsay para oeste, fica um sítio fulcral do arquipélago - Voe, no Olnafirth (fiorde de Olna), que quase não se distingue dos portinhos da Noruega no Mar do Norte. Tem sido uma tendência a procura de sítios remotos e pacíficos por gente que foge das cidades; Lower Voe é um deles, um retiro para se viver devagar, e não fica tão longe nem é tão frio como a Noruega ou a Gronelândia.

Nem sequer uma aldeia é, só um sítio, com restaurante, marina e molhe. Liga-se por estradas a norte (Brae), noroeste (Mossbank), leste (Vidlin) e sul, à capital Lerwick; o ferry mais próximo, em Laxo, fica a 5 minutos de estrada. A povoação resume-se a umas poucas casas junto à marina no fiorde Olnafirth, num conjunto inegavelmente pitoresco.

O casario junto ao molhe.

Lower Voe não é muito recente; junto ao Olnafirth, as ruínas de uma igreja do século XVIII (1714) provam uma ocupação de três séculos, no mínimo, que deve ter começado com o negócio das baleias: à entrada do fiorde houve uma estação baleeira.

Barco de pesca de Voe

O 'centro' de Lower Voe fica à volta do molhe, que se projecta na margem sul do fiorde. Depois do arenque e da baleia, a pequena comunidade dedica-se agora à cultura do mexilhão. Várias plataformas em corda ao longo das águas frias do fiorde garantem a qualidade da colheita.

O perfil da povoação retém uma forte aparência Escandinava. Um dos terminais do molhe é ocupado por instalações da aquacultura, outro pelo böd, alojamento rudimentar para pescadores agora convertido ao uso por campistas de passagem, pintado de vermelho como os rorbu noruegueses.

Fishing böd

Olnafirth Sea Farm (granja dos mexilhões) e Skeo - sede da empresa de seca e cura de pescado -, no molhe.

Camping böd, alojamento

Do outro lado da estrada fica o Pierhead Restaurant e o Bar anexo.

Lugar obrigatório para viajantes e passeantes de fim de semana.

Outra instituição local é a Da Voe Bakery, a padaria. Com mais de 100 anos, é uma relíquia preciosa da 1ª Grande Guerra, pois abriu para servir a Marinha estacionada no fiorde.

Pão, bolos, biscoitos, empadas, scones...

Na estrada à saída para norte, há uma casita recuperada, vermelha de cerca branca - 'The Picking Shed'; é o melhor alojamento de Lower Voe.

Mais acima, entre um arvoredo, fica a mais aristocrática Voe House, da década de 1700, a casa mais apalaçada do fiorde.

As ruínas de Olnafirth Church, ou St. Olaf´s church, têm aquela melancólica beleza de um testemunho marcante - mas de que pouco se sabe - a surgir na vastidão de um prado e a olhar para o vazio das águas. História incógnIta, na solidão do presente.

Foi dedicada a St.º Olavo, em 1714.

Um pequeno St. Olav alado, em pedra sobre um pedestal,é uma adição moderna.

 Vista aérea das ruínas.

Que seria viver num sítio assim o resto da vida? A olhar para prados verdes, um golfo de águas calmas recortado de penínsulas e baías, ruínas em pedra, pão quente ... que programa. Ah, e dar passeios de barco sobre o espelho azul.

 

Lower Voe é insignificante, é. Quando, como agora, a vida está demasiado repleta de significados, de tragédias e receios, de mudanças e surpresas, talvez a insignificância seja repousante. Pelo menos.

Mais:

Old Olnafirth Kirk, Voe - Shetland

(vídeo sobre as ruínas da Igreja)

Macquarie Island, ilha sub-antártica no Pacífico sudoeste

Um salto vertiginoso das ilhas Faroé para a área do Pacífico entre a Nova Zelândia e a Antártida, onde quase nos antípodas se encontra um pequeno pedaço de terra designado por Ilha de Macquarie. A terra mais próxima é uma ilha deserta da Nova Zelândia, a 1000 km;  Dumont d'Urville na Antártida fica a 1670 km, a Tasmânia a 1500 km. 

Só lá se vai com autorização, e não é fácil obtê-la. Aproveitem portanto esta publicação rara ;).

Descoberta por mero acaso em 1810 pela tripulação de um navio pesqueiro, começou por ser um território britânico; é actualmente parte da Reserva Natural da Tasmânia (Austrália) desde 1978, e tornou-se Património Mundial em 1997.

A ilha de Macquarie é uma porção do fundo do mar que foi levantada pela compressão de três placas tectónicas, a placa australiana, a placa do Pacífico e a placa da Antártida.

Tem cerca de 34 km de extensão Norte-Sul, por uma largura máxima de 5 km. A maioria do terreno interior é na forma de planalto, numa área de 128 km2 (pouco maior que a ilha de Jersey); no extremo Norte, sobre um estreito istmo quase rasante ao nível do mar, está instalada a estação Macca. 

A maioria do terreno é do tipo tundra, com moitas de ervas e outra vegetação endógena nos rochedos costeiros e flora dunar nas areias. O Monte Fletcher, a sul, é o ponto mais alto com 428 m. A Norte, o Wireless Hill (onde se instalaram as antenas de rádio) termina num promontório que atinge os 100 metros.

Macquarie Island

Coordenadas: 54° 30′ S, 158° 57′ E ( a mesma de Ushuaia)
População: as ilhas eram desabitadas; só lá vive o pessoal da estação permanente.

Portão da 'Macca'

A Macquarie Island Station( 'Macca') da ANARE (*) aloja entre 16 e 40 pessoas, conforme a estação do ano.

A estação e o Monte Wireless.

Situa-se no estreito istmo na parte norte, e consiste nalgumas dezenas de edifícios separados: dormitórios, cantina, cirurgia, centro de comunicações, garagem, lojas, casas dos geradores de energia, casas de instrumentos de medida.

A estação abriu em 1911 para estabelecer contacto via rádio entre Hobart, na Tasmânia, e a Antártida; em 1948 foi ampliada para investigação climática e geológica sob soberania australiana.

Os edifícios científicos estudam a geofísica, magnetismo, biologia, atmosfera, oceano e metereologia. 

O 'centro' da  estação: as casas Cumpston and Hasselborough em primeiro plano, rodeando a "Market Square".

Os edifícios de alojamento estão na parte sul do istmo.

A moradia Cumpston é uma casa de madeira com dois andares dos anos 1995-96. Tem quatro quartos, um deles o do governador da estação, o seu escritório, e outro é o gabinete do médico. 

A outra casa de alojamento é a Hasselborough , tem 11 quartos, lavandaria e chuveiros. Uma arquitectura feia mas reforçada e isolada.

A praça central ficou chamada "Praça do Mercado" por analogia com uma vila em qualquer país anglófono. Ali decorrem encontros, jogos, eventos culturais como filmes. Serve também como heliporto da estação.

Para Norte da estação, no istmo, encontram-se várias cabanas de aparelhos de medição.

Neve no istmo entre as cabinas de estudos geomagnéticos.

Vista para Norte da Macca. Ao longe, o Monte Wireless.

O clima é aceitável, com fortes ventos e muito chuvoso mas sem grandes frios; as temperature oscilam pouco entre 0º (Inverno: Maio e Junho) e + 5º C (Verão: Dezembro e Janeiro). Por contraste, o mar é quase sempre tempestuoso e com violentas marés.

Green Gorge - a Cabana da Garganta Verde.

Na costa oriental, 15 km a sul da estação, Green Gorge era uma larga entrada de mar que, com a continuada elevação da ilha ao longo de séculos, se tornou numa laguna costeira, entretanto repleta de vegetação e rodeada de falésias.

A 'Garganta Verde' é um acidente geológico notável na Ilha Macquarie. Escarpas ingremes, fendas na rocha e quedas de água rodeiam uma bacia pantanosa coberta de ervas.

A cabana, baptizada "Chalet Green Gorge", é uma casota de madeira canadiana, de 1977, equipada  e térmicamente isolada com mínimo conforto - uma cozinha bem equipada e uma varanda com vista. Está encostada a uma falésia que a abriga dos ventos de sul.

É a alojamento de campo preferido por visitantes e cientistas para um intervalo de descanso na natureza da ilha quando estão de jornada de uma extremo ao outro.

Macquarie Island fica no centro de uma região de ondas bravias e ventos fortes, um frágil pedacinho de terra no percurso de tempestadas violentas e mares dos mais selvagens do planeta.

As marés mais violentas do Pacífico Sul.

Ventos com rajadas a 100-110 km/h são frequentes.

O território da Ilha Macquarie proporciona imagens de como o planeta seria há milhões de anos, em múltiplas paisagens fantásticas - por vezes desoladoras ou mesmo medonhas - de baías, falésias, prados, pântanos, gargantas, lagoas e quedas de água. Os pinguins e as focas são aos milhares nas praias e baías, uma fauna excessiva.

'Aurora Point', na costa oeste, oposta à Green Gorge. Montanhas e tundra pantanosa.

'Caroline Cove', na ponta sudoeste.

Pinguins ao longo de um caminho de água - em sentidos contrários !

Alguns - raros - indivíduos conseguem subir às alturas da ilha.

São muitos os lagos de água doce no planalto como este Lake Tiobunga.

'Whisky Creek', uma ribeira que rasgou a escarpa oriental e termina no Lago Waterfall.

Um parque ajardinado, ou quase, no planalto superior.

Tufos de touceira em Hurd Point, no extremo sul.

Neve soprada do vento no topo do Monte Elder (~ 385 m).

A Nature Reserve das Ilha Macqaurie é agora World Heritage Site, Patrimõnio Mundial.

Azorella macquariensis ('Macquarie Cushion') é uma planta endémica, cada vez mais rara:

Nada convidativa, a Ilha de Macquarie é um exemplar da Terra inóspita testemunha de outras eras, e a beleza que oferece é tão insólita que pode chocar - talvez por o seu terreno serem fundos oceânicos que datam do Miocénio, há mais de 6 milhões de anos.

Nota-se ainda melhor este ambiente de caldeirão planetário quando se observam Auroras Austrais na ilha.

Em 1822 , Macquarie Island foi decrita por um navegador como "o lugar mais miserável de exílio forçado e servil que se pode conceber". Felizmente, já não é esse o caso das equipas que se voluntarizam para uma temporada na estação Macca, onde dois séculos depois não falta quase nada - tem aquecimento, cinema, biblioteca, ginásio, cozinha bem fornecida, sala de convívio com bar e até um pequeno 'jacuzzi' para banhos quentes. Como os tempos mudam.

Lounge da Macca

Faz-se o que se pode para se estar bem, como em quase toda a parte.

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(*) Australian National Antarctic Research Expedition