O ´lied' alemão não é uma das formas musicais que mais aprecio, apesar dos sublimes Vier Letzte de Strauss e dos Wesendonck de Wagner. Schubert ou Mendelssohn aborrecem-me bastante no lied. Ora Brahms compôs alguns que são de facto belas canções, leves, melodiosas, mais próximas da canção irlandesa e escocesa que também inspirou Haydn e Beethoven.
A surpreendente soprano egípcia Fatma Said publicou agora um excelentíssimo CD com boa variedade de 'lieder', e como é habitual nela existe alguma heterodoxia interpretativa. A voz de Fatma Said está no auge, espantosa de precisão, poder e controle, conseguindo suavidade sem perda de expressão. Ainda exulto quando surge alguém vindo de outras paragens menos cultas e civilizadas que sublima a cultura europeia a este nível. Não resisto a publicar dois vídeos desse CD. Escolho Brahms, claro.
Lerchengesang (A canção da cotovia) é uma saudação à Primavera. A melhor interpretação até agora era de Dieter Fischer-Dieskau (barítono), mas Fatma Said é inexcedível.
O poema é de Karl August Candidus (tradução minha):
Ätherische ferne Stimmen,
Der Lerchen himmlische Grüße,
Wie regt ihr mir so süße
Die Brust, ihr lieblichen Stimmen!
Ich schließe leis mein Auge,
Da ziehn Erinnerungen
In sanften Dämmerungen,
Durchweht vom Frühlingshauche.
Etéreas vozes distantes,
Celestes saudações das cotovias,
Como docemente se comove
o meu peito, vozes amáveis!
Em silêncio fecho os olhos,
vão passando recordações
de suaves entardeceres,
Soprados pelo respirar da primavera.
Já agora, Fischer-Dieskau:
Da Untem im Tale (Ao fundo, no vale) é outra bela canção, esta de um amor sem esperança, poema de autor desconhecido.
Da unten im Tale läuft's Wasser so trüb,
Und i kann dir's nit sagen, i hab di so lieb.Sprichts allweil von Lieb', sprichst allweil von Treu',
Und a bissele Falschheit is au wohl dabei!
Und wenn i dir's zehnmal sag', daß i di lieb,
Und du willst nit verstehen, muß weiter i gehn.
Für die Zeit, wo du g'liebt mi hast, dank i dir schön,
Und i wünsch', daß dir's anderswo besser mag gehn.
Lá em baixo no vale corre a água tão turva,
E nem te posso dizer, tanto amor sinto por ti.
Falas sempre de amor, falas de lealdade,
Mas há aí também alguma falsidade !
E se te digo dez vezes que te amo,
E se não queres compreender, devo seguir em frente.
Pelo tempo em que me amaste, estou muito grata,
E desejo que te corra melhor a vida noutro lugar.
Como bónus, para quem me aturou até aqui, deixo um outro lied famoso, mas de Schumann: Widmung (Dedicatória), poema apaixonado de Robert para Clara Schumann. Foi escrito para barítono, gosto mais ainda cantado por uma mezzo, mas Fatma Said é irresistível nesta última gravação:
Outras versões admiráveis: Peter Schreier, e a minha favorita, mezzo-soprano Siân Griffiths Fica para a próxima
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