sábado, 8 de março de 2025

Nous irons comme en barque à travers le brouillard


O meu mundo é pequenino, aqui uns quintais à minha volta, e anda estralhaçado por tendências conflituosas e decadentistas que me deixam um bocado "dans la m***e", como talvez desabafasse o general Cambronne aqui e hoje. É verdade que há muito outro mundo para lá das minhas fronteiras - para lá dos Oceanos e noutros hemisférios - onde talvez reine uma despreocupação ou um optimismo que aqui sumiu desde pelo menos 2014. Talvez antes, mas não se sentia a ameaça de um veneno que alastra como agora.

Eu até gosto e tenho (às vezes) orgulho no meu mundo, é cada vez mais raro mas às vezes sim. Durante a maior parte da minha vida senti-me privilegiado, num quase paraíso terreste. Só que um lento mas rápido apodrecer espalhou-se como cinza vulcânica sobre a Europa, a Greco-romana, a do Renascimento e das Luzes, a da União, e sobre o outro lado que os Vikings descobriram. E está tão rápido esse apodrecimento nestes dias, tão intenso, numa vertigem de apocalipse, que é muito difícil acreditar ou confiar nos resistentes (em que me revejo). Le monde continue d'être sans cesse plus brutal (*) , a frase do ano.

Fui buscar a 1897, em plena Belle Époque - 40 anos de 'joie de vivre' entre guerras - um antídoto para me consolar um pouco. Bem sei que sonhar é o que resta aos desgraçados, e quando a desgraça é muita, o pobre agradece o sonho, mesmo que seja modesto: passar além da neblina:

                       Le brouillard

Simone, mets ton manteau et tes gros sabots noirs,
Nous irons comme en barque à travers le brouillard.

Nous irons vers les îles de beauté où les femmes
Sont belles comme des arbres et nues comme des âmes ;
Nous irons vers les îles où les hommes sont doux
Comme des lions, avec des cheveux longs et roux.
Viens, le monde incréé attend de notre rêve
Ses lois, ses joies, les dieux qui font fleurir la sève
Et le vent qui fait luire et bruire les feuilles.
Viens, le monde innocent va sortir d'un cercueil.

Simone, mets ton manteau et tes gros sabots noirs,
Nous irons comme en barque à travers le brouillard.

Nous irons vers les îles où il y a des montagnes
D'où l'on voit l'étendue paisible des campagnes,
Avec des animaux heureux de brouter l'herbe,
Des bergers qui ressemblent à des saules, et des gerbes
Qu'on monte avec des fourches sur le dos des charrettes.
Il fait encore soleil et les moutons s'arrêtent
Près de l'étable, devant la porte du jardin,
Qui sent la pimprenelle, l'estragon et le thym.

Simone, mets ton manteau et tes gros sabots noirs,
Nous irons comme en barque à travers le brouillard.

Nous irons vers les îles où les pins gris et bleus
Chantent quand le vent d'ouest passe entre leurs cheveux.
Nous écouterons, couchés sous leur ombre odorante,
La plainte des esprits que le désir tourmente
Et qui attendent l'heure où leur chair doit revivre.
Viens, l'infini se trouble et rit, le monde est ivre :
Nous entendrons peut-être, en rêvant sous les pins,
Des mots d'amour, des mots divins, des mots lointains.

Simone, mets ton manteau et tes gros sabots noirs,
Nous irons comme en barque à travers le brouillard.

Remy de Gourmont, Simone, 1897.


   Simone, veste o casaco e calça as socas negras
   Vamos como em barco através da neblina.

   Iremos às ilhas onde pinhais azul e cinza
   Cantam se o vento poente lhes penteia os cabelos.
   Vamos, o infinito atrapalha-se e ri; o mundo está ébrio:
   Ouviremos talvez, ao sonhar sob os pinhos
   Palavras de amor, palavras divinas, palavras distantes.


   Simone, veste o casaco e calça as socas negras
   Vamos como em barco através da neblina.



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* E. Macron

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