domingo, 17 de agosto de 2025

Cinco poemas de W. B. Yeats, por mim traduzidos



Tive o atrevimento de me meter a traduzir Yeats. O resultado não me desagrada, enfim, avalie quem ler. Os originiais são de génio, claro.
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The Cloak the Boat and the Shoe

‘What do you make so fair and bright?’
‘I make the cloak of Sorrow:
O lovely to see in all men’s sight
Shall be the cloak of Sorrow,
In all men’s sight.’

‘What do you build with sails for flight?’
‘I build a boat for Sorrow:
O swift on the seas all day and night
Saileth the rover Sorrow,
All day and night.’

‘What do you weave with wool so white?’
‘I weave the shoes of Sorrow:
Soundless shall be the footfall light
In all men’s ears of Sorrow,
Sudden and light.’

O manto, o barco e o calçado

          'Que estás a fazer, tão bonito e brilhante?'
          'Estou a fazer o manto da Tristeza:
          Oh, lindo de ver, à vista dos homens
          Vai ser o manto da Tristeza,
          À vista de todos os homens.'

          'O que constróis com velas para voar?'
          'Construo um barco à Tristeza:
          Oh, ligeira nos mares, dia e noite,
          Navega a vadia Tristeza,
          Sempre, de dia e de noite.'

          'Que teces tu com lã tão branca?'
          'Estou a tecer o calçado da Tristeza:
          Sem ruído, seus passos são leves
          Aos ouvidos da Tristeza dos homens,
          Súbitos e leves.'


He Wishes for the Cloths of Heaven

Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,

I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.

                                              
Quem me dera as sedas do céu

           Tivesse eu as sedas bordadas do céu,
           Lavradas em luz de ouro e de prata,
           As sedas azuis e pálidas e sombrias
           Da noite e da luz e da meia-luz,

           Todas estenderia a teus pés:
           Mas sou pobre, só tenho os meus sonhos;
           Estendi os meus sonhos a teus pés;
           Pisa de leve, estás a pisar os meus sonhos.


An Appointment

Being out of heart with government
I took a broken root to fling
Where the proud, wayward squirrel went,
Taking delight that he could spring;
And he, with that low whinnying sound
That is like laughter, sprang again
And so to the other tree at a bound.
Nor the tame will, nor timid brain,
Nor heavy knitting of the brow
Bred that fierce tooth and cleanly limb
And threw him up to laugh on the bough;
No government appointed him.


Uma Nomeação

            Estando eu a discordar do governo,
            Colhi um troço de raiz e lancei-o
            Na direcção de um bravio e rebelde esquilo,
            Deliciado a vê-lo saltar;
            E ele, com aquele grasnar reiterado
            Que parece uma risada, saltou de novo
            E lá foi outra árvore alcançar.
            Não foi vontade submissa, nem cérebro medroso,
            Nem um pesado franzir do sobrolho
            Que gerou o dente feroz, a precisão dos membros,
            E o lançou para cima, a rir, sobre um ramo;
            Nenhum governo o terá nomeado.


The Great Day

            Hurrah for revolution and more cannon-shot!
            A beggar upon horseback lashes a beggar on foot.
            Hurrah for revolution and cannon come again !
            The beggars have changed places, but the lash goes on.

O Dia Glorioso

            Hurra pela revolução e tiros de canhão !
            Um mendigo a cavalo chicoteia um mendigo apeado.
            Hurra pela revolução e venha lá outro canhão !
            Os mendigos trocaram de lugar, mas o chicote continua.


The Wheel

Through winter-time we call on spring,
And through the spring on summer call,
And when abounding hedges ring
Declare that winter's best of all;
And after that there's nothing good
Because the spring-time has not come —
Nor know that what disturbs our blood
Is but its longing for the tomb.


A Roda

            Durante o inverno, invocamos a primavera,
            Durante a primavera, o verão,
            E quando as sebes abundam de flores,
            Declaramos que melhor é o inverno;
            E depois disso nada há de bom,
            Porque não chegou a primavera  
            Nem sabemos que o que nos perturba o sangue
            É apenas anseio pelo túmulo.

domingo, 10 de agosto de 2025

Duas cidades à espera dos bárbaros : Narva, última fronteira da Europa, e Kirkenes, no ártico face a Murmansk


O castelo de Narva frente à fortaleza de Ivangorod: um afrontamento evidente nas pedras da História.

Os tambores de guerra ouvem-se cada vez mais do lado de lá, das quatro tenebrosas ditaduras de hoje: Rússia, China, Irão e Coreia do Norte. Mas é a nossa (da Europa) fronteira leste que mais me preocupa, com a crescente concentração de tropas, quartéis, bases aéreas e navais do lado russo e a correspondente resposta do nosso lado. As maiores ameaças - já nem falo da Ucrânia - sentem-se na Estónia e na Finlândia / Noruega, sobretudo lá a norte junto ao Mar Ártico. As populações locais estão em alerta e em aflição permanente, as provocações são constantes -  na costa ártica da Noruega, na ilha norueguesa Svalbard, e ao longo do rio Narva, na Estónia.


Narva
é a terceira cidade da Estónia, perigosa mas desafiadora na sua projecção frente à Rússia. É uma cidade feia, com blocos de apartamentos russos construídos depois da antiga cidade ter sido arrasada em 1944 pelas bombas da aviação da URSS. Da cidade barroca contruída pelo reino da Suécia pouco resta.

A Câmara rodeada de blocos, todos tristemente iguais.

A Câmara é o edifício mais notável, com a os relevos na fachada e janelas decoradas.

Nas proximidades encontra-se outro edifício do século XVIII agora recuperado, uma armazém depois usado como caserna mas agora convertido em Galeria de Arte de Narva. 

A nova Galeria de Arte, de 1777.

A cidade ocupa a margem ocidental do Rio Narva, que desagua no Báltico. Duas fortalezas em desafio, face a face uma cada margem, com a fronteira lá em baixo ao longo do rio. 

A Fortaleza de Narva, do século XIII, foi de início obra dos dinamarqueses que tomaram posse do território em 1256. No século seguinte Narva obteria o estatuto de cidade fazendo parte da Liga Hanseática, e a estrutura defensiva foi reforçada.


A fortaleza foi várias vezes cercada e atacada, sendo mais lembrada a Batalha de Narva em 1700, em que o exército da Suécia conseguiu repelir as tropas russas do Czar Pedro o Grande. Vem de longe a cobiça russa por estas terras que já forma pertença do Reino da Dinamarca, da Ordem Teutónica, do Reino da Suécia e da Rússia.


É também conhecida como Castelo Hermann, nome dado pelos germânicos à Torre, provavelmente com origem em "heri - man", guerreiro. A Torre seria completada já no século XV.

Além das vistas largas sobre o rio e a cidade, o Castelo oferece um Museu com estruturas de apoio a visitantes.

Pode ser aqui que começa a 3ª GG.

Sinal das elevadas tensões, a ponte que atravessa o Narva e servia de passagem de fronteira está agora bloqueada com dentes-de-leão. Ao longo do rio, havia uma linha de demarcação assente em bóias que i-pedia a passagem a nado; entretanto os russos retiraram as bóias e torna-se difícil controlar quem atravessa furtivamente o rio.


São cada vez mais frequentes ineterferências nas comunicações por satélite,  propaganda estridente por altifalantes, drones de vigilância e outros drones zumbindo sobre a cidade marcados com o 'Z' das milícias russas. 

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Kirkenes, no Ártico norueguês, a 69º 43´N, é outra cidade condenada a estar de frente para a ameaça russa no outro lado da fronteira; aqui a situação é ainda pior: nem imagino como é viver sabendo que a poucos quilómetros "para lá" está a maior concentração de arsenais nucleares do mundo, na península de Kola, na base naval de Murmansk. 


E mais: todas as semanas o porto pesqueiro de Kirkenes é 'visitado' por navios russos, pretensamente navios de pesca, mas demasiado grandes, com equipamentos estranhos e tripulações que fazem ginástica no convés. São navios de espionagem, e os espiões russos pavoneiam-se na cidade e arredores como se fosse tudo deles, ao abrigo de um antigo acordo que a Noruega quer cancelar.

Kirkenes num dia de Verão.

Kirkenes, tal como Narva, é muito feia; talvez mais rica, mas muito feia. Até a igreja é feia.


É uma aldeia de pescadores, que por um acordo de.... é um porto aberto à frota russa do Ártico, pois os pesqueiros russos não dispoem de um porto de abrigo nesta área.

Um barco de pesca russo em Kirkenes


Um jornal da região norueguesa do Mar de Barents traz notícias e reportagens frequentes das relações cada vez mais inamistosas entre os dois lados, incluindo provocações como letras 'Z' e símbolos do regime.

Pessoal do consulado russo remove um cartaz de apoio à Ucrânia que consideram 'provocação', embora não estivesse na terra deles.

É frequente algum tripulante sair e ser visto a tirar fotografias. Andam tão à vontade que se fala da "cidade russa na Noruega". Entretanto o Consulado (onde os russos registados vão votar em Putin) está quase sempre fechado, e quando o cônsul é avistado anda com as insígnias da "Operação Especial" em curso.

The Barents Observer:
https://www.thebarentsobserver.com/news/in-front-of-kirkenes-war-memorial-sergeinbsp-recorded-video-greetings-to-russian-soldiers-in-ukraine/429542


sábado, 2 de agosto de 2025

Os nossos chás memoráveis, de Madrid a Ystad , de Glasgow a Salzburgo

Nas nossas viajens, não havia grande orçamento para restaurantes; na sua maioria as refeições eram fraquinhas, a poupar. Mas no lanche não se poupava, chá com bolo, pastel, biscoitos ou scone era inevitável. Tornou-se um ritual.

A primeira vez foi numa casinha em Windsor. Não consegui documentar. Começo então pela ida à Escócia.

Glasgow, 1993 - Willow Tea Rooms


Na Buchanan Street, a rua comercial do centro de Glasgow, Charles Reiner Mackintosh desenhou uma Casa de Chá - Willow Tea Room



Um chá com Arte. Demos mais atenção aos pormenores da sala que ao resto.



O serviço foi lento e mau, mas de resto soube bem, e a louça azul agradou.


Bruxelas 1994 - Wittamer

Place du Grand Sablon, 12

Foi uma das nossas primeiras escapadas na Bélgica. Viagem e Hotel eram em conta, mas quando lá chegámos depressa demos conta de que tudo custava o dobro ou o triplo.


Desde os primeiros dias a Place du Sablon foi a nossa referência no centro, mais cómoda e agradável que a flamboyante Grand Place. Não havia scones, claro, mas fatias de bolo húmido em camadas e biscoitos 'pain d'Amande', uma estreia que cultivámos durante anos.


Em inglês, 'almond thins'. Acompanham chá ou café na perfeição.

Salzburgo 1997- Tomaselli


Nestes anos 90 o orçamento de férias era muito restritivo. Ficámos alojados numa espelunca longe do centro, os Hotéis bem localizados eram proibitivos. Os bilhetes para o Festival também. Este foi um dos poucos luxos que nos permitimos.


Uma senhora afável levava até à mesa um mostrador com os bolos disponíveis, a escolha era apontada a dedo.


Supremo requinte.


Ely 2005 - Peacock's Tearoom

Ely é uma pequena cidade do Cambridgeshire com uma grande Catedral, uma das mais belas que vi em toda a vida, deslumbrante. Ao lado, a poucos metros, está anunciado:

Estivemos por baixo desta janela.

Talvez eu eleja esta a melhor casa de chá de sempre. Um primor.

 

Tudo à mais gulosa maneira inglesa.

Mas nada que se compare à Catedral.



Uppsala 2007 - Linné Hornan 

Aqui estivemos num Julho que mais parecia Março, frio e ventoso. A chuva também veio estragar ainda mais, gelada.

Famintos, molhados e enregelados, entrámos no Linné Hornan para reconfortar. Felizmente acompanhámos o chá quentinho com uma deliciosa especialidade sueca.



Zurique 2018 - Péclard

Péclard (agora Café Schober ) era uma confeitaria requintada na cidade velha de Zurique, com fabrico próprio, e com uma esplanada muito concorrida.

Numa pracita da Altstadt, o exterior da Péclard não deixa adivinhar o luxo lá dentro.



Longa demora, serviço pouco simpático, mas finalmente soube muito bem. 

Madrid 2013 - La Pecera 

Circulo de Bellas Artes, Calle Alcalá


Queríamos sobretudo subir ao terraço pelas vistas, mas 'já agora', La Pecera serviu um belo chá.

Fica ao lado do palácio Metropolis.

E lá de cima do terraço, Madrid.

E no mesmo ano,

Rottingdean, Kent 2013 - The Trellis

A aldeia costeira de Rottingdean concorre sempre ao "Britain in Bloom", a competição pelo galardão de cidade mais florida do Reino. Subíamos a High Road quando, inesperada, surge a Trellis Tearoom


Um bocado parola (à maneira inglesa), num excesso de florido e cor de rosa.


Acabou por ser um dos melhores chás de sempre, os scones muito bons e bem servidos.


Chipping Campden, Cotswolds 2016 - Bantam Tea Room

Numa das aldeias mais bonitas dos Cotswolds, em frente ao Market Hall de 1627, demos com esta sala de chá very british.

Inesquecível.


Oxford 2017 - Vaults and Garden


Anexo à Igreja da Universidade, num edifício de 1320, está no coração da cidade, de frente para a Radcliffe Camera (a Biblioteca de Ciências).

Um dos locais mais animados de Oxford, onde todos os oxfordianos já alguma vez foram.

Um chá sábio.

Ystad, 2018 - Maria Caféet

Estávamos na Stortorget (Grande Praça) da bela Ystad, famintos, e o perfume de confeitaria era irresistível.




Kanelbullar ! Bem melhor que scones, os 'caracóis' de canela suecos são fofos, húmidos e docinhos, mesmo na versão básica. O primeiro nunca é o último.


Em Ystad termino. No Báltico, onde acontece tanta Europa.


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