sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Elduvik, na margem do Funningsfjørð, ilhas Faroé, + a lenda do Marmennil



Vamos lá e-viajar até às mais belas ilhas da Europa (talvez a par com as Lofoten).

Já alguém ouviu falar de Elduvik ? Aldeia em face de um cenário espantoso de fiorde, não é na Islândia, nem na Noruega, nem na Noruega; é nas dinamarquesas Faroé, quase virgens de turistas.

Elduvik fica num canto remoto na ilha de Eysturoy, uma das menos acessíveis do arquipélago. Não admira que conserve a autenticidade de tempos passados.


É uma povoação bastante antiga - a primeira referência escrita está no Hundebrevet (=regulamento dos cães), um documento fundador das ilhas Faroé que data de entre 1350 e 1400.


Situada numa reentrância do Funningsfjørður, Elduvik fica 31 km a norte da capital Tórshavn. A aldeia está separada em duas por um pequeno curso de água; o casario forma dois aglomerados nas margens da corrente.

As casas protegem-se umas às outras do mau tempo.

Elduvík, Eysturoy, ilhas Faroé (Færeyjar)
Coordenadas: 62°17′ N, 6° 54′ W
População: ~ 30
As casas mais antigas ainda mantêm a cobertura de relva.

Pátios, quintais, degraus, muros, cercas, variedade de espaços numa aldeia minúscula.





Casa revestida de alcatrão com alicerces em pedra.


Casa com vista:

As cores de Elduvik.

Só em 1951 se estabeleceu a primeira igreja.

Fica um pouco acima do ribeiro, frente à antiga escola (vermelha) e ao fiorde.

Igreja de madeira, pintada de branco. A torre do relógio ergue-se a partir da empena. O relógio é de 1951, feito em Aalborg.


O tecto de madeira tem três secções, e tal como as paredes está pintado de amarelo pálido.

Como é hábito, um navio votivo está suspenso do tecto; é também um modelo em madeira.

Os serviços prestados na aldeia são rudimentares:

Mesmo ao lado, a antiga loja "The Old Store" , agora também para alojar  visitantes.

2 em 1 - caixa de correio e bomba de incêndio.

Na praia do fiorde, ficam lojas e cabanas para os barcos.

Uma rampa com degraus permite recolher os barcos acima das águas do fiorde.

O cais de Edulvik, no fiorde Funning .


Natureza à volta da aldeia:

O ribeiro que atravessa Elduvik desagua no fiorde. 

O Funningsfjørður em toda a magnificência; como costumo dizer: mesmo que não pareça, também aqui estamos na bela Europa !

Aurora sobre o fiorde:


Gosto disto, gosto muito disto. É como um mundo distante, belo mas inalcançável, inóspito, primordial.

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Uma lenda de Elduvik, ilhas Faroé
O Marmennil (homenzito do mar)


O Marmennil era um humano pequeno, com longos dedos, que vivia no fundo do mar. Pregava partidas aos pescadores comendo os iscos e cravando os anzóis na areia do fundo de modo a que as linhas de pesca se quebravam.

Um dia, o Marmennil estava a fazer isso com o anzol de Anfinnur, um camponês de Elduvik, quando o anzol se lhe cravou na mão, e ele foi puxado para cima até ao barco do pescador. Anfinnur fez o sinal da cruz e levou Marmennil para casa.

Acabou por ser de grande utilidade nas jornadas de pesca; empre que havia peixe nas águas sob o barco, Marmennil começava a rir e brincar, e os pescadores de Elduvik traziam pesca abundante. Por isso levavam-no sempre, lembrando-se sem falta de fazer o sinal da cruz ao trazê-lo de volta para bordo.

Anfinnur manteve Marmennil por muito tempo, mas um dia o mar estava tão bravo que se esqueceram de fazer o sinal da cruz. Marmennil esgueirou-se, saltou borda fora, e nunca mais foi visto.



quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

L'Ombra, o Etrusco esticadinho agora exposto em San Gimignano


No excelente blog Bensozia encontrei notícia desta fantástica escultura etrusca agora exposta em San Gimignano.

Hinthial - L'Ombra di San Gimignano


Descoberta em 2010 na região de Volterra, a estatueta de bronze está praticamente intacta, pristina. É um homem de toga, com parte do tronco exposto, o cabelo penteado para trás, botinas de cordões cruzados, e na mão direita um phiale mesomphalos - um recipiente para libações com uma bossa no meio para ser seguro por um dedo levantado. Tudo indica tratar-se de um magistrado que procede a uma oferta ritual.
L'Ombra, um Giacometti etrusco !

Pelos elementos estilísticos, pode ser datado por volta do século III AC.  Terá sido feito por artesãos de Volterra, famosos pela sua habilidade em trabalhar o bronze. Foi baptizado "Sombra de San Gimignano".  É uma obra única, as mais similares são mais pequenas e toscas.



Está agora no Museo Civico do palácio comunal de San Gimignano, uma vila histórica também ela "esticadinha" na vertical, uma floresta de torres que se eleva entre o casario. Visitei-a em 2002.


O acesso à torre faz-se por uma galeria coberta com vista sobre os telhados e a Toscânia.


Dá-me vertigens, só de pensar como adorava lá ir.


Um desses lugares que fazem de Itália o país mais empolgante, mais interminavelmente belo do planeta.


http://www.sangimignanomusei.it/mostre.htm#HINTHIAL
https://arteventinews.it/2020/01/06/san-gimignano-finalmente-mostra-la-sua-ombra-etrusca/#

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Óperas a que assisti, umas três dezenas


- alerta: isto é uma memória pessoal, capaz de não interessar a ninguém. -

Típico da senilidade, apetece-me fazer o balanço de coisas; por exemplo, de óperas a que assisti. Que fique já claro que nunca frequentei Bayreuth nem Salzburgo (só fui a concertos) nem Glyndebourne. Na altura em que me podia aventurar, não tinha $, nem € muito menos. Dois bilhetes decentes custavam tanto como tudo o resto junto, viagem, estadia e alimento.

Comecei se bem me lembro no Rivoli do Porto, em 1984, com a Carmen de Bizet que me pareceu fabulosa, com Isabel Mallaguerra na voluptuosa protagonista e Elsa Saque em Micaela. A encenação não era nada má, e saí de tal maneira impressionado que andei a cantar a Carmen (e não só no banho!) por muitas semanas, "là-bas là-bas, dans la montagne". Um bom amigo deu-me um LP (vinil, claro) que rodou até ficar todo arranhado. Esse meu amigo R. fazia pouco de mim por eu ter como personagem favorita a Micaela; passei por essa vergonha, mas a culpa foi da Elsa Saque que cantava tão comoventemente com aquela vozita pequena.

Fartei-me de procurar ópera a "bom preço" em Itália, onde era suposto ser mais popular e acessível. E lá fui no ano seguinte  via Milão (o Scala era fogo) até à Arena de Verona assistir à Traviata de 1985 com a Cossotto. Não era um bom lugar, não era uma acústica decente, mas valeu pela mítica e pelo local...

1986, T. N. São Carlos, Lisboa
O Navio Fantasma, de Wagner
Só me lembro vagamente de ter sido muito mau - o meu desapreço por Wagner começou aqui. Saí no final do 2º acto.

Em 1987 tive o meu único Pesaro, com Rockwell Blake, Chris Merritt e Monserrat Caballé. A viagem foi um pavor, nunca mais chegava, uma aventura sem desfecho previsível, mas consegui. Tantas vozes gloriosas, mas a Ermione de Rossini não me convenceu, era chatinho, e a orquestra era de terceira ordem. Chris Merritt foi o meu herói, voltaria a ouvi-lo no Guilherme Tell.

Decidi que não tinha vida para grandes aventuras operáticas. Tinha de ficar mais por perto e planear melhor os custos, optando antes por bons concertos e museus.

1989
T. N. São Carlos, Lisboa
Aida de Verdi
Encenada por Paolo Trevisi, com um cast que já não recordo nem consegui descobrir na net. Um pastelão enorme, interminável e cansativo, nem sequer muito bem cantado. Claro que a cena do regresso de Radamés com trombetas, trombones e trompas foi avassaladora, como se mais nada contasse.

1991
Grand Théatre de Genève
Guillaume Tell de Rossini
dir. Gabriele Ferro, enc. Reto Nickler
Chris Merritt, José Van Dam, Gregory Kunde, Jane Eaglen
Formidável produção!  O 'Asile hereditaire'  de Merritt foi de arrepiar, os quadros de conjunto inesquecíveis - os pastores, o povo dos 4 cantões, os bailados, e sobretudo a tempestade no lago, à noite, os rochedos sob relâmpagos e trovões; Até ao rallentando famoso do emocionante Grand Finale, o melhor que conheço em toda a Ópera. A récita que mais me emocionou.

1993
Genève, Teatro do Casino
Porgy and Bess, de Gershwin
Excelente produção cénica, e muito bem cantada.

1994
T.N. São Carlos, Lisboa
Orfeo e Euridice
Harry Christophers dirigiu a OSP
Michael Chance, contratenor, fez uma Euridice pobre, sem espessura, para esquecer; a encenação era à quem quer e não pode -  panos azuis a esvoaçar imitando o mar, panos a ondular imitando cortinas, etc.. - o minimalismo no seu pior. As vestes ao menos não destoavam, não reinava o mau gosto.

2000
Teatro Principal de Ourense
Dido e Eneias, de Purcell
Compañia de Ofélia Nieto; orquestra e cenário/cantores partilhavam o palco.
Muito simples e bonito. As vozes não tinham educação lírica mas esforçaram-se por ser expressivas, e a animação do conjunto foi muito gratificante. Cena das bruxas fantástica. Um exemplo de "small can be beautiful".

2001
Porto CCE - Coliseu
Leonora, versão de 1805, de Beethoven
Welsh National Opera, dirigiu Yves Abel
c/ Pär Lindskog, Natalie Christie.
Apesar do desatre acústico do Coliseu, foi uma récita de bom nível - a orquestra o o coro bem dirigidos, e o trio Leonora-Marcellina-Florestan muito bom, vocal e teatralmente.

2001
Porto CCE - Coliseu
Falstaff de Verdi
CPO, enc. Timothy Coleman, dir. Marc Tardue
Paolo Conti, Jeffrey Black, Dora Rodrigues...
Ah grandes cenários. O resto...

2001
Porto CCE - Teatro S. João
The Turn of the Screw, de Benjamin Britten
Enc. Ricardo Pais, dir. Brad Cohen
Uma ópera moderna interessante, psicótica, onde é difícil encontrar canto ou melodia; mas Ricardo Pais fez bom trabalho.

2003
Teatro Principal de Ourense
IL Matrimonio Secreto, de Cimarosa - ópera bufa
prod. Euroscena, enc. Salvador Collado, dir Jesus Castejón
Muito fraquinho, orquestra fresca e esforçada mas de resto mais parecia mau teatro de revista.

2003
Coliseu do Porto
West Side Story, de Bernstein/Jerome Robins
prod. Teatro de Brno, Rep. Checa
Que eu visse, o melhor espectáculo de sempre no Coliseu ! Grande vitalidade, os bailados vertiginosos e o canto adequado e expressivo, Bernstein teria gostado. Trajes e cenários magníficos.

2003
Liceo de Barcelona
Orfeo y Euridice de Gluck
dir Ros Marbà, cen. Andreas Homoki
Jennifer Larmore... Detestei o Orfeu de Larmore. Mas a encenação era uma ideia brilhante, recorrendo a várias formas de dobragem de papel, barquinhos, por exemplo. A orquestra do Liceo é a pobreza que se sabe, e a acústica terrível ! Nunca mais lá voltei.

2003
ROH Covent Garden, Londres
A Flauta Mágica de Mozart
enc. David McVicar, dir. Colin Davis
Diana Damrau, Simon Keenlyside, Dorothea Röschmann
Mágica, foi sim, mesmo vista da galeria. Um prodígio total !

2004
Teatro Rivoli, Porto
A Raposinha Matreira / Cunning Little Vixen, de Janacek
prod. Welsh National Opera, dir Martin André
Uma produção magnífica, linda, mas para canto e música horríveis !
Janacek é outro daqueles que nunca mais.

2004
C.A.E. da Figueira da Foz/ TNSC
La Bohème, encenação de Stefano Vizioli (1996)
Tatiana Borodina, Dora Rodrigues...
Excelente récita. Tudo bem coordenado, visualmente empolgante e bastante bem cantado (sem deslumbre, claro). Valeu pela grande animação e colorido humano.

2005
Coliseu do Porto
A Flauta Mágica de Mozart pela ONP / CPO
dir. Marc Tardue
Nem sei porque lá fui. Tudo, mas tudo, mau. Além da acústica assassina, a encenação e as vozes foram deploráveis.

2007
Ópera Real de Estocolmo
Cosi fan Tutte, de Mozart
Enc. Ole Anders Tandberg
Maria Fontosh, Susann Végh
Fiquei encantado com Végh, o cenário do jardim estava espantoso, boas cenas de conjunto. Uma récita decente mas dentro do mediano.


2008
C.A.E da Figueira da Foz
L'Italiana in Algeri, de Rossini
prod. Aix-en-Provence/TNSC, enc. Toni Servillo
Barbara di Castri, David Alegret
Desta vez as vozes eram de bom nível, mas a encenação e direcção de orquestra pavorosas.

2009
Coliseu do Porto
La Traviata, de Verdi
Ópera Nacional da Moldávia
dir. Giovan Batista D'asta
https://www.youtube.com/watch?v=U91wp5865Tk
Pobre, querida Moldávia.

2010
Ópera de Zurich
Os Mestres Cantores de Nuremberga de Wagner.
enc. Nikolaus Lehnhoff, dir. Philippe Jordan
Matti Salminen, Michael Volle, Alfred Muff, Robert Dean-Smith
Talvez a melhor récita a que já assisti. Nem sou fã de Wagner, mas os Mestres ainda não são demenciais; canto, teatralização, orquestra, tudo ajudou a umas horas de suspensão do tempo. Mesmo com cenários muito desiguais - excelente a viela em escadaria no 1º acto e a fortificação no 3º, mas o 2º acto era uma macacada moderna de fugir.


2011
Teatro Comunale, Bolonha
Don Giovanni, de Mozart
Nmon Ford, Zuzana Marková, Juan Gatell...
Orq. Teatro Comunale di Bologna, dir. Tamás Pál, enc Pier Luigi Pizzi
Muito mau, para esquecer.

2012
Veneza, La Fenice
Rigoletto, de Verdi
dir. Daniele Abbado
Dimitri Platanias, Désirée Rancatore, Celso Albelo
Grandes vozes! Albelo deslumbrante, encenação pobre - esperava mais do La Fenice do que paredes com portas e janelas em papelão.


2014
Valladolid, Teatro Calderón
Clemenza deTito, de Mozart, dir Carlos Aragon
Cenários de superlativo mau gosto ! (Marco Caniti)
Vivica Genaux e sobretudo Yolanda Auyanet salvaram a noite.

2014
Fund. Gulbenkian, Lisboa
Dido e Eneias, de Purcell
MusicAEterna de Perm, dir. Teodor Currentzis
Ana Prohaska, Fanie Antonelou, Eleni Stamellou...
Genial. O meu melhor Dido de sempre, e mesmo que a teatralidade fosse mínima, a expressão corporal e movimentação foram excelentes.

2015
Opera di Roma
I was looking at the ceiling and then I saw the sky, de John Adams
Durante uns minutos é criativo, depois é giro, passado um bocado é repetitivo de mais e finalmente chato, chatérrimo.

2015
Valencia, Palau des Arts
Norma de Bellini
enc. clássica e aceitável de Davide Livermore
Mariella Devia, Russell Thomas...
Uma boa récita, apesar do ultrapassado de cenário e vozes. Prova de que o que foi bom, mesmo estando envelhecido, ainda tem muito para dar.


2016
ROH Covent Garden, Londres
Manon Lescaut, de Puccini, dir. Pappano
Enc. de Jonathan Kent
Sondra Radvanovsky, etc
Que porcaria, na verdade. Eu acho que a culpa é de Puccini: não tinha imaginado que esta ópera fosse tão má, desde a música insuportável até ao texto indigente de Prévost. Os personagens são idiotas, mas a encenação ultrapassou todos os limites do mau gosto, do kitsch mais selvagem. Qualquer coisa de Andrew Lloyd Weber é melhor. Nem Pappano se salvou. Foi aqui que jurei não voltar a Covent Garden.

2017
Usher Hall, Edimburgo
Orfeo de Monteverdi
English Baroque/Monteverdi Choir, dir JE Gardiner
Uma encenação simples mas bonita, vozes adequadas, mas sobretudo a orquestra e os coros !

2017
T.N. São Carlos, Lisboa
Ana Bolena, de Donizetti
enc. Graham Vick
Elena Mosuc, Leonardo Corelazzi...
Contra muita gente, achei a encenação genial, com uma estética requintada e expressiva. A Mosuc não foi por aí além, cumpriu em geral os mínimos com uma ou outra esganiçadela, mas a récita nunca me causou um momento de enfado.



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Umas trinta récitas, portanto. Estou longe, muito longe de ser um fiel frequentador, e lamento não o ter sido quando era mais novo. Falta-me a Salomé e o Rosenkavalier, a Semiramide, o Eugene Oneguin, a Tosca, todo o Handel (Rinaldo, Alcina, Teodora, Semele...).

Posso juntar uma quantas récitas em concerto: Teresa Berganza, Anne-Sophie von Otter, Ann Evans, Julia Lezhneva, Cecilia Bartoli, Carolyn Simpson, Catherine Bott, Anna Larsson, Joyce DiDonato, Iestyn Davies, James Bowman, Andreas Scholl, Francesca Aspromonte...

Próxima: Il Viaggio a Reims de Rossini, em Valencia.