sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ler e reler: Por amor das cidades, Jacques Le Goff


Visito quase sempre cidades quando vou de férias. Gosto de passeios rurais ou pela montanha, de respirar amplos espaços verdes, azuis ou nevados, mas regresso sempre à cidade, meu verdadeiro ninho, às ruas com vida, com História, com arte, com mercados, com cafés e esplanadas, com jornais e livrarias...

Seria incapaz de viver no campo.

Sair à rua logo de manhã para café, com jornal ou com dois dedos de conversa; ter de me preparar para um programa à tarde ou à noite, seja de compras, cinema ou concerto - planificar horas, transporte - eis um dia perfeito. Melhor ainda com um banquinho no parque ou à beira mar , onde ver quem passa, ou ler.

Maravilhou-me este livrinho "Por amor das cidades", ed. Teorema, 1999, já nada recente (Pour l'amour des villes: Entretiens avec Jean Lebrun, Textuel, 1997.)


É uma entrevista a um estudioso apaixonado pela cidade medieval - provavelmente a mais citadina de sempre, a mais intensamente vivida pelos cidadãos porque era deles tão próxima. Tomei conhecimento dele pouco depois (e a propósito) da minha visita a Bolonha, cuja "citadinidade" admirei.

A construção, actividade urbana por excelência, deu nascimento à defesa de interesses laborais (os maçons).

Admiráveis ilustrações ladeiam o texto da entrevista, mostrando como a Idade Média, indiferente à Natureza, se dedicava antes a criar beleza artística urbana.

Efeitos da boa governação na cidade, a obra prima de Lorenzetti, várias vezes citada.

"O sentimento anti-urbano, ligado à teologia ecológica actual, era em grande parte ignorado na Idade Média."

Colorida, decorada, a cidade medieval é em si uma obra de arte.

As torres de S. Giminiano ( como as de Bolonha) antecipam os arranha-céus de Manhattan, que realizam hoje uma das mais poderosas formas do imaginário medieval - a verticalidade, ao mesmo tempo ascensão aos céus e símbolo de poder.

A cidade é também lugar de festa, de jogos, de acontecimentos.

Uma das "maravilhas" da cidade, a horta é um jardim do paraíso que se cultiva entre muros. Na cidade perfeita, todos querem o seu "quintal", a sua varanda...

Conheço bem os males da cidade - gente a mais, carros a mais, ruído, muito tempo perdido, insegurança, falta de horizontes. Talvez se os planeadores urbanos estudassem a cidade medieval soubessem voltar a fazer da cidade uma criação artística.

4 comentários:

Joana disse...

Belo texto, Mário. Parabéns! Eu poderia viver no campo,sim,mas sem deixar completamente a cidade.Quem nela passou a maior parte da vida, dificilmente se despede para sempre do bulício das ruas.
Já li o livro e não conheço outro que, de forma tão ágil, introduza o leitor no mundo urbano da Idade Média. E também que nos faça entender como a cidade é sempre a cidade, com a sua azáfama e os seus contrastes. Naquela atura, representava a mudança, um mundo novo para quem a vivia. Hoje, tomou posse do mundo. Mas a essência continua a mesma

Mário R. Gonçalves disse...

Com ajuda da Joana tinha sem dúvida feito um post bem melhor
:)
Obrigado !

Gi disse...

Viver no campo puro, isolada, não me parece que gostasse. Interessante será viver numa aldeia relativamente perto de uma grande cidade, com o melhor de dois mundos: o sossego, as mercearias, as crianças e os cães na rua, e por outro lado os espectáculos, os museus, as lojas boas, o aeroporto ali ao pé.
Viver na mourama, como vivo, é uma aproximação :-)

Mário R. Gonçalves disse...

Gi,

uma cidade não é uma aldeia grande. Ou se tem uma, ou se tem outra.

Viver numa casa de pedra rodeada de jardim na cidade, É cidade. Sai-se à rua e tem-se cafés e livrarias, e não regatos e bosques.

Viver numa casa com net e tv cabo mas isolada numa aldeia, onde só há a tasca do Zé e estamos rodeados de montes e vales - isso é aldeia. Sem aeroporto.

Vivo na primeira, visito a segunda.