quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Outros mundos: uma igreja na Antártida

De quando em quando, gosto de fazer posts assim, sobre as fascinantes terras das últimas fronteiras, dos últimos mares - ártico e antártico.


Estação Bellinghausen, 800 Km a norte do círculo polar antártico.

Bellinghausen ( 62º 12' S, 58º 56' W ) é uma base científica russa na Antártida, construída em 1968 numa península quase sempre isenta de gelo da ilha do Rei Jorge, a King George Island, e banhada pelas águas da tenebrosa passagem de Drake. Normalmente é habitada por 25 cientistas mas pode acomodar um máximo de 50.


A King George Island , com cerca de 600 residentes, é provavelmente a zona mais populosa da Antártida. Bases científicas do Chile, Argentina, Uruguai, China, Alemanha... e Rússia partilham a pequena península de Fildes, escolhida devido às condições naturais favoráveis - zonas de terreno seco, bons acessos por mar, lagoas de água potável, enseadas naturais e clima apesar de tudo relativamente suave para a latitude; as temperaturas variam entre -6.8°С e +1.1°С , o clima é marítimo e só de longe a longe há verdadeiras tempestades de gelo. Também é o único local na ilha com uma pista para aterragem de aviões.



A Igreja Ortodoxa da Trindade


Talvez a mais notável e visitada atracção de Bellinghausen seja a Igreja da Trindade - uma pequena igreja ortodoxa russa que é o templo digno desse nome mais a Sul em todo o planeta (há uma capela de gelo, tipo igloo, mais a sul, que raramente é utilisada, há capelas-contentores...) - e é a única igreja da Antártida em funcionamento permanente.

Abriu em 2004 - veio por mar desde a Sibéria, em peças separadas e numeradas como um Lego - e foi montada in loco, no alto de uma elevação de 30 metros vizinha da base Bellinghausen. É o primeiro sinal humano que se avista do mar, sinalizando a base aos navios que vêm de visita, em estudo ou em serviço de reabastecimento.

O interior foi particularmente bem conseguido e decorado, criando o ambiente mais acolhedor que se pode encontrar naquele continente, e está sempre aberta a quem a demande...



Financiada pelos donativos para a campanha "Um Templo para a Antártida", e após um concurso nacional ganho por arquitectos da Sibéria, foi construída em 2003, nas montanhas do Altai, em madeira de cedro do Altai (considerada nobre) e de Lariço (muito resistente) , no estilo tradicional de igrejas ortodoxas em madeira.

Os toros foram selados com cola especial e a estrutura reforçada com cadeias de aço, para resisitir às violentas tempestades e ventanias de rajadas horizontais.

A estrutura de toros reforçada com cadeias de aço

Depois de construída, foi desmontada e transportada em peças até ao porto de Kaliningrad em quatro grandes camiões; de lá veio por mar no navio oceanográfico "Akademik Sergey Vavilov" , chegando ao fim de dois meses de viagem a Bellinghausen.

O Akademik Sergey Vavilov ao chegar a Bellinghausen

Durante 50 anos de exploração científica, 64 cidadãos russos encontraram a paz eterna nas vertentes rochosas da Antártida. Agora já há um local digno para lhes prestar homenagem.


E em 2007, teve lugar o primeiro e único - até agora - casamento na Antártida - a filha de um explorador polar russo casou com um explorador polar Chileno da estação vizinha...

Lentamente, as populações temporárias da Antártida estabelecem estilos de vida permanentes; e já vão surgindo hospitais, ginásios, restaurantes, lojas, e escolas - pois até já há 9 crianças Antártidas de nascimento ! Um futuro em aberto.


© Normalmente, eu era capaz de meditar sobre o assunto com amargura, no sentido em que é "triste" que o homem até para o novo continente que está a colonizar no séc. XXI tenha de levar os seus retrógrados preconceitos e práticas religiosas. Reconheço contudo que, naquele isolamento, rodeado de território pouco hospitaleiro, a reunião de várias comunidades debaixo de um tecto caloroso e acolhedor tenha outro significado mais afectivo e universal

Fotos: flickr, picasa, pbase, panoramio

2 comentários:

Gi disse...

A igreja é bem bonita. E faz todo o sentido a sua nota final.

Mário R. Gonçalves disse...

Ainda bem que gostou, Gi. Para mim há uma chamamento poético especial por estas paragens.