domingo, 10 de abril de 2016

Concordia franco-italiana no Dome C


Um banho de pureza, então. Quando a casa tresanda, o escapismo parece tentador.

Muito, muito longe da Europa, há um projecto comum de dois países fundadores da União - França e Itália - onde me apetece projectar aquela solidariedade e identidade cultural europeias originais que aqui faltam agora. Era uma Europa assim moderna, cooperante, a enfrentar o futuro, um pouco aventureira nas ciências e nas artes, que eu queria ver à minha volta. Parece que - tal como na Estação Espacial Internacional - é mais fácil conseguir o que há de melhor no Homem quando está intransponivelmente longe de casa, das fronteiras, ou como se diz, da "zona de conforto"

Concordia, 75°05′ S, 123°19′ E

Chama-se Concordia, bonito nome ! Localizada no Dome C, uma das colinas de gelo mais frias do planalto Antártico, foi inaugurada em 2005 como base permanentemente habitada, uma estação científica de arquitectura simpática e original: dois grande cilindros facetados, de três andares, sobre pilares móveis, com uma galeria de interligação no 1º piso; revestimento branco com molduras vermelhas que grante um isolamento térmico resistente a 100º C de diferença entre o interior e o exterior.

À esquerda, os geradores e caldeiras; a galeria que atravessa os dois edifícios termina numa escadaria de acesso ao solo.

Os pilares que suportam os edifícios são comandados hidraulicamente para permitir regular a altura ao solo.

Um dos edifícios é dedicado a actividades "sossegadas": laboratórios, alojamento, enfermaria, sala de comunicações, estação meteorológica. A capacidade de alojamento normal é de 65 pessoas, a ocupação oscila entre umas 15 a 20 de Inverno a um excesso acima de 70 no Verão, com alojamento extra em tendas.

O outro edifício destina-se a actividades "agitadas": sala de reuniões, escritórios, biblioteca, refeitório e cozinha, ginásio, sala de vídeo, TV e convívio, apoio logístico.

Geradores eléctricos, caldeiras, tratamento das águas, etc., estão num edifício anexo, vermelho.

O transporte local é feito por reboques snowmobile.

A temperatura máxima será de uns -25ºC, no pico do Verão (Janeiro), a mínima desce regularmente aos -80º, que nenhuma arca frigorífica atinge - pode ser fatal qualquer minuto de exposição; o 'normal' são -40º. A humidade é fraquíssima, o ar seco. Felizmente os ventos aqui são fracos também, ao contrário de outros "Domes" ou colinas do planalto antártico sujeitos aos terríveis ventos catabáticos.

Protótipo experimental da Lotus, este veículo individual a biofuel (BIV) para longas expedições na neve atinge 130 km/h e esteve em testes na Concordia durante o Eclipse Solar de 2014.

Essa secura e quietude faz do local um sítio excepcional para observação astronómica. Além disso, não há poluição atmosférica nem luzes a encandear - excepto a da Lua cheia e as das Auroras Austrais. A Concordia trabalha em estreita cooperação com a ESA - Agência Espacial Europeia.

Um dos instrumentos de medição da condições de observação astronómica.

O Dome C eleva-se em encosta suave, mal se nota, até 3 233 m, como se fosse uma deformação da calote de gelo Antártica. Em qualquer direcção, não há "nada" num raio de 1100 km. A essa distância chega-se ao mar, ou a outra estação - italiana, francesa ou australiana. Destas estações provém o biocombustível, peças suplentes e outros produtos indispensáveis ao funcionamento da base. O transporte faz-se num longo combóio de contentores puxados por tractores com lagartas mais conhecido como "raid". A ida e volta demora um mês.

A sensação de se estar num futuro mais adiantado, séculos à frente, de pureza e quietude.

O menos agradável é o longo isolamento de 9 meses, de Fevereiro a Novembro, sem qualquer hipótese de chegada de mantimentos. O transporte de pessoal em caso de emergência ainda pode ser feito por um pequeno Twin-Otter, mas nos cinco meses de Inverno nem isso.

A chegada do primeiro carregamento de avião em Novembro é sempre festejada: um Basler 67 canadiano, o aparelho mais sólido e eficaz para pousar e levantar do gelo e em curtas distâncias, é o portador de novos mantimentos.

Laranjas, maçãs, tomate, verduras, jornais...

O Natal calha na melhor altura - Dezembro é Verão Antártico - com o armazém bem fornecido.

O Basler 67 é uma actualização high-tech do velhinho DC3, que já data de 1942...

Depois são 270 dias sem visitas, a viver dos mantimentos armazenados num túnel escavado no gelo, um frigorífico natural.

A noite polar dura 100 dias, mais de três meses sem ver a luz do Sol.





Mas há noites mágicas !




Detalhes:
http://www.wikiwand.com/fr/Base_antarctique_Concordia


"La solitude, l’isolement sont choses tristes, au-dessus des forces humaines…"

Jules Verne - L'Île Mystérieuse (1874)


2 comentários:

Anónimo disse...

Obrigada pelo ar fresco, Mário.

Mário R. Gonçalves disse...

Sempre ao dispor, Ana.
Ah, já votei ;)