quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Melhor música em 2016, Murray Perahia no topo.


Como já é costume, é uma lista pessoal, que deixa de fora muita coisa aclamada mas que me não agrada.

Revelação:
Bridges, de Adam Baldytch  & Helge Lien Trio, foi a obra que fui ouvir ao 'Guimarães Jazz' este ano; e ficou-me tão no ouvido que trago o CD a rodar no carro há dois meses. Irresistível descoberta, contagiante.

Sokolov interpreta obras de Schubert e Beethoven, ao vivo. Um monumento.

A edição das cantatas de Bach pelo Bach-Stiftung de Rudolf Lunz continuou este ano com os volumes nº16 (BWV 9,30,158) e nº17 (198 'Trauerode' e 214). A qualidade mantém-se insuperável.

Do maestro Harnoncourt, uma edição ao seu melhor nível. Vivacidade, precisão, dinâmica, relevo nos detalhes. Já o outro CD da Missa Solemnis em nova versão não me agradou - a primeira versão de 1997 com a COE é bem superior.

Joyce Didonato, In war and Peace

Não sendo o seu melhor programa, dá a ouvir a voz magnífica de Joyce e contém pérolas raras como o "Crystal streams in murmurs flowing" da Susanna de Handel.
Uma entrevista:




E... o melhor do ano!
As suites francesas ao piano, por Murray Perahia. Menos vivacidade do que com András Schiff, a anterior referência - Perahia é mais tranquilo e meditativo, a audição pode-se repetir quase eternamente.

Fica a nº 4, BWV 815:




and... 'the rest is noise'.


segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Música de Natal e de sempre - colecção alternativa.


Nesta quadra fico saturado de cânticos e de coros infantis que entram por todos os lados, na rua, na rádio, nas lojas, na publicidade, e claro na TV. 'Carols' às carradas, a Aleluia de Handel sistematicamente estragada. Nem a 'pop' escapa - temos de ouvir dezenas de "And so this is Christmas" de Lennon, "I believe in Father Christmas" de Greg Lake, dois da minha geração já falecidos, "Fairy Tale in new York" dos Pogues, e para saudosistas-pacifistas o "Silent Night" de Simon e Garfunkel, e isto para só falar do melhor.

Na verdade há muito mais para escolher sem poluir os ouvidos. Desde logo, do Weihnachtoratorium de Bach - uma 'seca' quando nos é impingida nas igrejas em versão integral -, a fantástica abertura ou a minha ária preferida, a sublime Schlafe, mein Liebster. Canta Anne Sophie van Otter:

Outra escolha magnífica
é o canto dos pastores, L'Adieu de Bergers, da oratória A Infância de Cristo de Berlioz. Por Renée Fleming e o coro da catedral de Mainz:

Ainda em francês: de Fauré, o célebre Cantique de Jean Racine:

Mendelssohn tem imensos corais, a maioria deles aborrecidos e longos pastelões. Aqui fica um simples e bonito: Deines Kinds Gebet erhöre.

De Handel, evitando a demasiada repetida Aleluia, escolho antes See, the conquering hero comes, da oratória Joshua, com que Beethoven se divertiu a fazer nada menos que 12 variações. Fantástico final.
Domkantorei de St. Pölten, l'Orfeo Barockorchester.

Para quem preferir música mais antiga, este lindíssimo Edi beo thu, hevene quene (=Blessed be you, heaven's queen), extraído da English Ladymass. Anónimo (séc. XIII):

Limuna Vocal Ensemble, Adelaide, Australia.

Para um Natal alegre e festivo nada como Charpentier, neste seu Agnus Dei da Missa de Natal H9. Minkovski dirige.


Finalmente, uma canção folclórica totalmente diferente e nunca ouvida, este coral que é o primeiro escrito em... gronelandês, o idioma esquimo-aleuta que é língua oficial da Gronelândia. Guuterput, comovente.



Diverti-me a fazer esta animada colecção. Espero que agrade e, em gronelandês, votos de

amassi juullimi pilluaritsi ukiortaamilu iserluarisi !


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Capas da Penguin para Somerset Maugham - ilustrações de Finn Campbell-Notman


Não sou muito de colecções, mas gosto tanto das capas da Penguin Classics para os livros da série Vintage Maugham que desatei a juntar, uns atrás dos outros. Claro que também sou um leitor compulsivo de Somerset Maugham, desde os vinte e poucos anos - comecei com a Servidão e As Mulheres de Antibes, depois Um Gosto e seis Vinténs -, é o melhor contador de histórias que conheço.

Uma linda capa, também, com valor afectivo...

Mas agora adquiri outro gosto, ler Maugham em inglês, e na muito british Penguin, com capas lindamente ilustradas:
Nestas edições, a capa é desenhada por ilustradores britânicos, entre os quais saliento Finn Campbell-Norton (C-Norton abreviado). São dele as ilustrações de capa de Cakes and Ale, The Moon and Sixpence, Then and Now...

Os protagonistas centrais dos livros de Maugham são quase sempre mulheres, de quem era aliás um perspicaz e atento observador. Isso reflecte-se nas ilustrações:
Este, acabei de o ler há pouco. É ge-ni-al. Rose Driffield é uma daquelas "heroínas" de largo espectro, sem limites nem convenções, com enorme vontade de uma vida franca, livre, intensa. Pelo caminho arrasta tudo. Uma Bovary inglesa, sorridente e alegre, mais modesta mas também mais simpática. É impressionante a posição do narrador-autor, testemunha que observa e regista tanto como, também enamorado, se deixa envolver ele próprio - o desfecho surpreende.

Maugham foi um especialista em contos breves. Deve ter escrito várias centenas, e poucos se lhe comparam a combinar enredo curto com desfecho inesperado.
O favorito de Graham Greene - um relato muito 'old-fashioned' da cultura espanhola. Não aprecio.

Aqui Maugham aventura-se no romance histórico, passado na Renascença em Itália - Florença, Imola - e narrando o encontro entre Machiavel e os Borgia, de onde nasceria O Príncipe. Intriga, paixão, Maugham reflecte ainda mais que nunca sobre a natureza humana, "plus ça change, plus c'est la même chose". De 1946, é um dos seus últimos livros, uma delícia.


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Agora sobre Finn Campbell-Notman:

É um ilustrador inglês de Londres, trabalha para a editora Folio. Gosto de alguns dos seus trabalhos gráficos, de que deixo alguns exemplos:

Srinagar lake


Valdemossa, Maiorca.

Mais:
http://www.folioart.co.uk/illustration/folio/artists/illustrator/finn-campbell-notman




terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Classical music in few words, ΚΛΑΣΙΚΗ ΜΟΥΣΙΚΗ ΜΕ ΛΙΓΑ ΛΟΓΙΑ


Um blog onde às vezes descubro novidades, às vezes preciosidades.
Como esta com Savall e a sua viola de gamba (belos graves !) :



As obras são de Marin Marais (séc. XVII).



sábado, 17 de dezembro de 2016

Prateleiras de culto na British Library



Dei um salto à British Library, mais até pela arquitectura, mas afinal não a achei tão conseguida como o exterior parecia prometer. Lá dentro os espaços são amplos e centrados num imenso hall a toda a altura do edifício, mas sem grande elegância ou estética inovadora. O mais interessante é que o núcleo central da biblioteca é uma torre de 6 andares envidraçada de alto a baixo, estando nós quase sempre inseridos numa paisagem de livros.



Aqui se guardam manuscritos impressos desde o séc. IX - duas cópias de 1215 da Magna Carta, um livro de notas de Leonardo, Bíblias de Gutenberg, o manuscrito de Beowulf e de Alice's Adventures Under Ground, o manuscrito original do Messias de Handel...

Demorei que tempos na fantástica loja, das melhores que já vi. Algumas prateleiras levava-as para casa inteiras:

Melville, Poe, Platão...



São tão belos, os livros, objecto de cultura e de culto.  Fi ! para o ebook.


Trouxe todo o 'Vintage Maugham' que encontrei. As capas são lindas, e a edição Penguin muito leve, não se nota o peso nas malas.


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NOTA publicitária :)
O Ultima Thule acaba de atingir 500 000 visitas !!! Mesmo tendo esperado 7 anos, vale sempre um 'parabéns'...



quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Feira de Natal em Belgravia - typical posh


Por esta altura não há cidade do centro da Europa que não tenha o seu mercado de Natal, com barraquinhas decoradas de fios de luz a animar a noite, que cai muito cedo. Este ano fui sortudo por ficar alojado em Belgravia, junto à bonita esquina de Ebury e Elizabeth Street, onde abriu um mercadinho de Natal ao longo de alguns 50 metros, se tanto. O mercado de Natal de Belgravia já é uma tradição de muitos anos.

Ebury Street, parece uma aldeia dentro de Londres.

Na esquina, um café (!) - o TomTom. E com esplanada em Dezembro. Havia outro mais adiante, para... fumadores.



Na outra esquina. uma confeitaria "criativa" e "gourmet" - o melhor bolo de laranja do mundo !


E também com esplanada. No dia do mercado não havia mesa livre.


Uma das lojas - um bairro sossegado, elegante e caríssimo.

O bairro de Belgravia só em 1824 começou a ser urbanizado: antes era uma zona rural pantanosa e mal frequentada, Five Fields, nas margens do Tamisa. Construído de forma planificada em estilo Georgiano tardio, é completamente plano e de planta quase quadriculada - um paraíso para peões e ciclistas, tanto mais que o pouco trânsito flui com a maior tranquilidade.

O mercado abriu ao meio dia, mas foi pelas 15 que esteve mais animado.



A tendinha do TomTom.

Vinhos e castanha assada. "Mulled wine" é vinho aquecido... (dispenso).

Um castiço de tweed. Cachemiras e peles a preço upa upa.


Não faltou um palco com Carols de Natal, ora cantados ora tocados por uma banda de metais.

A fantasia da quadra: caudas postiças, suponho que seja novidade 'made in China'.

Com a presença de uma jovem e simpática rena, amiga de festinhas.


Sempre um homem de sucesso.

O TomTom encheu e passou a servir o café em copo de plástico, mais quentinho (a escaldar!).


Uma experiência nova, e bem agradável. Londres, a infernal, ainda tem recantos de paraíso.

Pronto. É o meu post da quadra natalícia.
Boas Festas !



domingo, 11 de dezembro de 2016

Manon Lescaut na ROH Covent Garden: infelizmente muito execrável.


Aproveitei ir a Londres para ir à ROH Covent Garden assistir a uma récita de Manon Lescaut, a primeira ópera de Puccini, que nunca antes tinha visto. O intenso romantismo da ópera era também adequado à visita, e a direcção de Pappano uma mais-valia.


Algumas críticas davam um "razoável" (3 estrelas) a esta produção:
Não. É lixo.

Certamente poucos leitores estarão interessados no que eu possa dizer sobre a récita, o que se segue é quase só um desabafo, para que conste.

Nenhuma intenção de thought provoking, como eles dizem, justifica uma opção que destrói a obra. Não desconstrói , não: destrói, e tortura. Porque ópera é música com texto cantado num cenário, esse todo tem de ser coerente e compatível. Não faz sentido que as palavras que se cantam não tenham nada a ver, ou estejam em contradição mesmo como neste caso, com o vestuário e o espaço visual que está em redor. Que quando se diz 'alegria' se veja tristeza e depravação, que quando se fala de ver 'luz do sol' se esteja fechado em espaço obscuro, que quando se diz 'deserto' se vejam à volta construções e objectos, que do piloto de barco se faça um pivot de concurso TV. Mais do que provocador, é idiota, pura e simplesmente idiota.

Sondra Radvanovsky na luxuosa alcova, aqui com Aleksandrs Antonenko, que foi substituído à última hora por outro tenor que já esqueci.


Dizem: mas a soprano Sondra Radvanovsky cantou bem. Terá cantado afinada, terá uns agudos limpos, técnica bem oleada, timbre agradável. Mas não pode cantar como deve ser - com sentimento, com expressão - se o texto é desdito pelo contexto ! Não pode estar a 'sentir' as palavras como um bom actor. Nem sequer a Manon pode ser bela, pode ser desejada e amada, se o que transmite é fealdade num cenário de repulsa. Suponho que outra - Didonato, Fleming, Gheorghiu ou até Netrebko - não se sujeitaria a tão maus tratos.

Porque não é o Des Grieux tratado da mesma forma então - um jovem engatatão ordinário e mal educado, talvez a gingar uns hip-hops já agora ? Aaaah! Porque aqui há uma opção moral, um enviesamento: A Manon trata-se pejorativamente, é condenável, não ama; mas o estudante, esse é puro e inocente !

Que nojo, que desonestidade, que maniqueísmo de pacotilha. Mesmo não sendo a sua melhor obra, Puccini não merece isto, nem a sua linda Manon que ele justamente evita julgar! Uma encenação menos modernaça e mais romântica como o verismo exige poderia dar outra dimensão de beleza que valorizasse texto, canto e música, em vez de os aniquilar.
O que é aquilo ? Apocalipse pós-nuclear ? Não: o deserto onde Manon Lescaut morre à sede. Sondra tem de cantar rastejando no cimento. Que romântico.


Sai de lá fulo. Não se faz. Pós-cultos. Neo-provincianos.

Para desenjoar, numa produção digna, coerente e muuuito bem cantada por Kristine Opolais, a ária In Quelle Trine Morbide:



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Ler mais:
Fanáticos da Ópera também fez a sua apreciação.


quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Visita ao Victoria & Albert Museum - altares góticos, o famoso códice Forster e a châsse Becket.


Faltava-me ainda a visita a este grande - enorme - museu de Londres. Desembarquei dos escuros subterrâneos em King's Cross / Pancreas Station ao meio-dia frigidíssimo mas soalheiro do primeiro dia de Dezembro e dei com um ringue de patinagem no gelo e um carrossel de cavalinhos à frente do majestoso Museu de História Natural.

Uma festa quase surreal de luz fria.


E dei meia volta: é no sentido inverso que fica o V&A, fundado por Sua Alteza a Imperatriz da ... Índia !


O espólio acumulado é impressionante. Não fica aqui senão uma breve aproximação à riqueza das muitas dezenas de galerias do V&A. Pensava que o British e a National Gallery já bastavam para uma capital desta dimensão, pois bem: o V&A está ao mesmo nível. E não, não é apenas um museu de "artes decorativas".

Entra-se (grátis!)  e a grandiosidade deslumbra. Logo ali, as galerias altas de escultura e as de arte Medieval e Renascença.

Os Argonautas ?


O Jason em mármore do jardim de um palácio florentino, da segunda metade do séc. XVI, domina a primeira sala.



Mais adiante, esta fantástica miniatura em bronze provém da Pádua renascentista. O autor é Andrea Briosco (Il Riccio), escultor prestigiado em Florença. Representa um guerreiro a cavalo que parece gritar ordens.

Il Cavaliere Urlante, 1510.



Segue-se a sala gótica: altares como este, vindo de Boppard (Reno), o "altar de Santa Ana":

Talha pintada e dourada, ca. 1500. Vale a pena ver em tamanho grande (clicar).

Um baixo relevo impressionante de vitalidade.

Ou como este fabuloso tríptico vindo do Norte da Alemanha, onde escapou à Reforma:
Altar de Sta Margarida, Lüneburg (?), 1520.
http://www.vam.ac.uk/content/articles/t/st-margaret-altarpiece/



O Códice Forster é um dos tesouros do Museu. Trata-se de um conjunto de cinco cadernos de notas e desenhos (geometria, mecânica, movimentos, pesos, teoremas...) de Leonardo da Vinci, datados entre 1490 e 1505, que foram mais tarde agrupados em três volumes encadernados em pergaminho. Andaram de mão em mão durante séculos até chegarem ao escritor John Forster, que os doou ao Museu no séc. XIX.

O primeiro volume tem duas partes, I-1 e I-2.

Codex Forster I-2 (Milão, ca. 1487–90)

Estão escritos em "espelho", da direita para a esquerda, como Leonardo costumava fazer, não se sabe bem porquê. Neste conjunto, a maioria das páginas tratam de problemas de hidráulica. Sem "espelho":

Logo a seguir, outro volume belíssimo, um livro de Salmos impresso sobre pergaminho em tinta de ouro e pigmentos, impresso em 1495 na tipografia de Johann Schönsperger.


Schönsperger trabalhava com um ourives numa grande oficina de impressão em Augsburgo.

Uma jóia magnífica e rara é um Cofre Becket (Châsse Becket), um relicário (châsse) coberto a folha de cobre e ouro numa decoração exuberante. É o maior, mais bonito e mais antigo destes relicários (Limoges, ca. 1180–90).


Os cofres eram destinado a conter as relíquias de St. Thomas Becket, arcebispo de Canterbury, assassinado em 1170.


O Becket estava em exibição na 'Opus Anglicanum', exposição temporária de bordado inglês medieval - o bordado made in England. Não era exposição que me interessasse por aí além, mas tinha de facto tecidos luxuosos bordados a seda e prata. Gostei desta pálio funerário de um mercador de peixe:



E com esta sereia termino. Por esta altura o cansaço das pernas não aceitava mais quilómetros de galerias... pediam assento e café no pátio. Ásia e Américas ficam para a próxima.



Grande museu, o V&A.