quinta-feira, 30 de março de 2017

Mar
II - Poesia de Sophia, Borges e Dickinson



Sophia de Mello Breyner escreveu numerosos poemas sobre o - ou aludindo ao - mar. Para o contraste com o mar de Shackleton escolho este, suave e belo como um marulhar ao entardecer:

Praia

Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços

A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaços e maresia

E para trás de mim fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios


Sophia de Mello Breyner


De Emily Dickinson já tenho aqui publicado algumas vezes, a poesia dela é um desafio pela estranheza da escrita e das imagens, pela sempre presente Vertigem das palavras.

As is the Sea should part

As if the Sea should part
And show a further Sea—
And that—a further—and the
Three But a presumption be—

Of Periods of Seas—
Unvisited of Shores—
Themselves the Verge of Seas to be—
Eternity—is Those—


Emily Dickinson


                    Como se o Mar se abrisse 

                    Como se o Mar se abrisse
                    E nos mostrasse outro Mar –
                    E este – ainda outro – e os Três
                    Fossem só antecipação –

                    De Períodos de outros Mares –
                    De Praias não visitados –
                    Também elas Margens de Mares que serão –
                    A Eternidade – são Esses –



Mas é com o patrono e Mestre do Livro de Areia, Jorge Luís Borges, que vou terminar; é para mim talvez o mais genial dos poemas do Mar, que abre para insondáveis profundezas - da alma e da vida.


El mar

Antes que el sueño (o el terror) tejiera
Mitologías y cosmogonías,
Antes que el tiempo se acuñara en días,
El mar, el siempre mar, ya estaba y era.
¿Quién es el mar? ¿Quién es aquel violento
Y antiguo ser que roe los pilares
De la tierra y es uno y muchos mares
Y abismo y resplandor y azar y viento?
Quien lo mira lo ve por vez primera,

Siempre. Con el asombro que las cosas
Elementales dejan, las hermosas
Tardes, la luna, el fuego de una hoguera.
¿Quién es el mar, quién soy? Lo sabré el día
Ulterior que sucede a la agonía.


J. L. Borges (de El otro, el mismo, 1964)


                    O mar

                    Antes que o sonho (ou o terror) tecera
                    mitologias e cosmogonias,
                    antes que o tempo se cunhasse em dias,
                    o mar, sempre o mar, já estava e era.
                    Quem é o mar? Quem é aquele violento
                    e antigo ser que destrói os pilares
                    da terra e é só um e muitos mares,
                    e abismo e resplendor e azar e vento?
                    Quem o olha vê-o pela vez primeira,

                    Sempre. Com o assombro que as coisas
                    elementares deixam, as formosas
                    tardes, a lua, o fogo de uma fogueira.
                    Quem é o mar, quem sou ? Hei-de saber no dia
                    Ulterior que sucede à agonia.



[Fotos minhas, tradução também]


2 comentários:

Tink disse...

Tink disse...
Ninguém comenta?! Que injustiça... Gosto muito deste "post". O poema de JLB dá vontade de voltar a ler, voltar a ler, voltar a ler... como as ondas do mar. O de ED deixa-me em suspenso, lá quase, a pairar , sem nunca conseguir...(Que estranho).Quanto ao da Sophia,sei que é difícil escolher um só. Eu teria escolhido outro, mas é muito subjectivo- o mar de Sophia merece um "post" n'O LIVRO, só dela.

Mário R. Gonçalves disse...

:) thx