sexta-feira, 28 de abril de 2017

A 111 de Sokolov, na CdM


Não vou dar novidade nenhuma dizendo que o concerto de Grigory Sokolov na Casa da Música, no passado dia 25, foi extraordinário, único, e enriquecido com sete muito aplaudidos encores.

Não compreendi ainda as razões da popularidade de um pianista de presença sóbria, discreta, que só ao piano se torna espantosamente expressivo, mas sem ceder ao gosto público por obras reconhecidas ou fáceis - pelo contrário, opta com frequência por obras raramente executadas. Possivelmente é a sua presença anual regular e o brinde dos 'extras' que explica o entusiasmo do público, onde ouvi uma enorme variedade de línguas europeias, desde os óbvios provenientes da Galiza às comunidades germânica, britânica, da Europa do Leste.

O programa deste ano era um luxo:
Mozart
- Sonata nº 16, K. 545
- Fantasia e Sonata K. 475/457
Beethoven
- Sonata nº 27 op.90
- Sonata nº 32 op. 111

A nº 32, op. 111 é, junto com a nº 31, op.110,  obra-prima de culto; uma sonata extasiante, onde Beethoven já sem ouvido se exprime numa variedade enorme de matizes, desde a tristeza e sofrimento à alegria e finalmente à meditação. É 'completa' no sentido de uma totalidade intocável, perfeita, arrebatadora.


[Arietta aos 9:07]

Diz Alfred Brendel , citado no programa de sala, sobre o final da Arietta :
"... o silêncio que se acaba de abrir é mais importante do que o som que nos conduziu até ele".
Como se Beethoven nos dissesse adeus, com um sorriso suave.

Mérito raro, que uma composição musical atinja tal nível que só o silêncio a pode superar. Parece-me que estou perante o Mestre da Música de Joseph Knecht, no Jogo das Contas de Vidro de Herman Hesse, que alcança no silêncio a sabedoria da compreensão do mundo.

E a propóssito, nada melhor para encerrar que um extracto do poema Lamento, desse mesmo Knecht :

Não nos foi dado ser, em permanência.
Um rio somos, que flui e se adapta a qualquer forma
Atravessando o dia e a noite, a gruta e a catedral,
Sempre impelidos pela angústia de ser.


                                    ― Hermann Hesse, Jogo das Contas de Vidro


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