Balanço anual, vagamente anacrónico e, claro, fora do mainstream.
Livros:
In the Kingdom of Ice, de Humpton Sides
Um relato vivo, muito documentado e bem narrado (depois de uma loooonga introdução) da aventura ártica do Jeanette, o veleiro de destino trágico que conduziu uma expedição ao Pólo Norte pelo Mar de Bering a mais uma catástrofe nos mares gelados. Deixou vários nomes para a História - as Ilhas de De Long, uma das quais a ilha Jeanette.
To the Back of Beyond, no original alemão Weit über das Land
Dos livros de Peter Stamm que li, todos na tradução inglesa de Michael Hofmann, este é sem dúvida o melhor. Um cidadão normal, integrado e 'realizado', abandona a família sem qualquer aviso prévio, num impulso súbito, e vai mundo fora como um eremita em viagem. Sem razão aparente, três vidasentram em convulsão, Até ao 'retorno do filho pródigo', ou talvez não, Stamm usa a ambivalência de forma estranha, irreal.
463 tisanas, de Ana Hatherly
Imprescindível ! Talvez a leitura que mais me surpreendeu, palerma de mim que só agora o descobri. Um "Livro do Desasossego" no feminino e actualizado à modernidade pós-25 de Abril.
Jean d'Ormesson, Comme un chant d'espérance
Um inteligente e sábio crente em Deus, coisa rara. A primeira parte do livro é uma deslumbrante exposição do estado do conhecimento científico sobre o Universo, das muitas questões ainda em aberto. Depois vem o que eu gosto menos: porque apesar de tudo isso d'Ormesson escolheu, ou sentiu, a necessidade de Deus - para ele, não é "apesar de tudo isso" mas "também por tudo isso". Respeitável, mas não convincente.
Mais uma colectânea traduzida de Yeats, bilingue, na Relógio de Água.
Though leaves are many, the root is one;
Through all the lying days of my youth
I swayed my leaves and flowers in the sun;
Now I may wither into the truth.
Sim, agora posso definhar a caminho da verdade.
DVDs
'Wallander', série da BBC TV
Talvez a melhor série policial de sempre na TV, que não consegui ver na íntegra quando passou cá. Kenneth Branagh incarna magistralmente um polícia sueco com mal de vivre a quem continuamente caem nas mãos crimes absolutamente cruéis e desoladores. Dirige com muita mestria Henning Mankell. Um entretimento requintado para domingos chuvosos.
Soie, de Alessandro Baricco
Também só agora vi este filme realizado em 2007 por François Girard, adaptação ao cinema do belo livrinho de Baricco. Com Keira Knightly excelente de ternura, a bela Sei Ashina no papel da sedosa apaixonada do viajante mercador de bicho da seda, o filme é (classicamente) lindo do princípio ao fim, só Michael Pitt destoa. É um daqueles casos em que é preciso não ligar nada ao que dizem os críticos, mesmo que seja verdade que o filme não respeita nadinha o livro.
Concertos
O Orfeo, com J. E. Gardiner e os Monteverdi Choir, a que assisti no Usher Hall.
Ouvir o mediterrânico Monteverdi do séc. XVII na nórdica Edimburgo em 2017 é uma experiência da universalidade e perenidade desta música. Gardiner no seu melhor.
Beatrice Rana na CdM
Um serão com as Variações Goldberg assim tão bem tocadas é um previlégio raro.
Sokolov também na Casa da Música
A sonata nº 32, op. 111 de Beethoven, inesquecível, sublime.
Michael Sanderling veio dirigir a Sinfonia Alpina
A Orquestra do Porto - Casa da Música saiu-se muito bem da difícil e monumental Sinfonia Alpina de Richard Strauss; Michael Sanderling deslumbrou, foi apoteótico.
CDs
Arias para Benucci
O barítono Matthew Rose e o agrupamento Arcangelo gravaram em 2015 para a Hyperion um CD magnífico que este ano ouvi. Música de Mozart, gloriosa, irresistível.
A London Symphony começou em 2016 um ciclo de gravações das sinfonias de Mendelssohn dirigidas por Gardiner; provavelmente passam todas a ser primeira escolha:
Sinfonias nº 1 e 4, 2016
Sinfonia nº2, Lobgesang, 2017
Fernando Sor, Menuettos, por Agustín Maruri, 2005
O génio da guitarra de Fernando Sor, uma das pessoas em que eu mais gostava de incarnar. Tocar assim é um gosto para toda uma vida, e quando a escrita é tão requintada como a de Sor, estes Menuettos de sonata são pérolas, das que se levam para a ilha deserta.
Bach, concertos para violino, Dunedin Consort
De 2015, esta gravação com a violinista Cecilia Bernardini e os escoceses Dunedin Consort - onde o primeiro violino é o "nosso" Huw Daniel (da orq. Barroca da CdM) - obteve cinco estrelas de toda a gente, o Guardian escreveu 'so many things to marvel at '. Só ouvi este ano. Sou um atrasadinho.
Típico ECM no seu melhor, jazz como é impossível não gostar, clássico mas creativo, suave aqui, trepidante ali, mas nunca dissonante, ruidoso, atonal ou electrónico. E estes três tocam como deuses, herdeiros do trio que ficou célebre (Peacock com Jarrett e DeJohnette).
Max Richter, Sleep - 2015, DG
Há quem ache Max Richter uma fraude, um primitivo minimal repetitivo sem valor - o que eu penso se pode atribuir a Michael Nyman, Wim Mertens, Ludovico Einaudi e outros 'chatos' do género. Richter é surpreendente, tem uma fértil imaginação para criar ambientes pela repetição exaustiva - valorizando o silêncio - e não compõe "sempre a mesma coisa" como os Nymans, Mertens ou Einaudis. Este Sleep é uma obra de fôlego de música contemporânea, para se ouvir integralmente do princípio ao fim; e o Three Worlds, este já de 2017, uma promessa do que ainda mais elaborado poderá vir.
Como é costume, deixo uma sobremesa requintada: Agustin Maruri numa bela peça para guitarra renascentista.
Desejos de boas leituras, audições e visionamentos para 2018 !
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