quarta-feira, 14 de novembro de 2018

'Luzes na Noite', poema de Nancy Campbell



Luzes na Noite

Às vezes consegues senti-las,
diz a Guðni. No Inverno, acorda
à meia noite, num total silêncio
como a cidade indo no encalço de si mesma,
e sabe que os céus estarão luminosos
como manteiga. Abre a janela
para sentir o ar frio que sobe da neve
e senta-se à soleira, quase-
sonhando, vendo as luzes que se agitam
sobre os cimos, whisky a dourar o copo.

                                Nas noites em que não trabalha
                                Björn gosta de ir no carro de Guðni
                                para fora da cidade. Pensa ele
                                que se vêem sempre melhor as luzes
                                no vale mais próximo, mas temos de correr
                                antes que desapareçam. Na estrada da falésia
                                desliga os faróis para que a vista
                                se adapte à escuridão. Ao fundo, junto ao fiorde,
                                pára, deita-se sobre o calor do capot,
                                ouvindo os estalidos do metal quente.

Quando o seu homem sai para o mar,
Alice costuma caminhar pela praia
com a máquina regulada para manual
e uma pilha de reserva. Com a maré baixa
fixa um tripé entre as pedrinhas negras
que cheiram a alga.  De cada vez que dispara,
capta novos padrões magnéticos.
De volta a casa, percorre com vagar
centenas de miniaturas,
que apaga uma a uma, deixa só as melhores.

                               Muito mais longe, nos bancos do Norte
                               o convés iluminado da traineira de Sindri
                               brilha de tanto peixe. Regressa a casa:
                               as luzes da cidade ainda escondidas
                               deixam ver bem a Aurora
                               flutuando sobre os montes,
                               e a lenta varridela do feixe de luz
                               do farol de Siglunes, a oriente.
                               Um pequeno satélite tremelica lá em cima
                               a registar dados para relato da tempestade.

Birna está cansada, há tanto que fazer
antes que a família chegue de visita. Enquanto
pendura estrelinhas refulgentes na árvore
a previsão do tempo anuncia
totalmente nublado, mas esta noite
não tem vontade de estar lá fora a ver:
a Aurora continua a dar a sua volta
ao mundo, e outros ficarão a observar
a dança dos fogos, enquanto ela recorda
noites há muito passadas.

                                                      Nancy Campbell, 2018

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Extraído de "Christmas Lights, Ten Poems for Dark winter nIghts", Candlestick Press, 2018. Tradução minha.

Nancy Campbell (n. Exeter, 1978, vive em Oxford) escreve há algum tempo sobre o Ártico, onde fez várias residências artísticas. Inspira-se nas gentes, na linguagem, no quotidiano, no gelo e na neve. Este poema refere-se às auroras boreais avistadas em Siglufjördur, no norte da Islândia, onde foi residente.



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