sábado, 3 de novembro de 2018
"Deambular à Noite" segundo William Sloane, na colecção "Chefs-d'oeuvre de la Science-Fiction"
Jacques Bergier dirigiu para a Hachette em 1970 uma colecção mítica, livros que dão gosto ver, tocar, cheirar até, antes e durante a leitura. Com capas de um design que contribuiu para o culto - uma lua em quarto crescente a várias cores - eram preciosamente encadernados em Lausanne num material rugoso que ao toque parece couro.
São doze obras do século passado, dos inícios da chamada 'ficção científica', de autores que escreveram uma ou duas obras marcantes. Na época, logo a seguir à chegada do Homem à Lua, eram procurados e lidos avidamente, estava-se à espera que saísse mais um.
Obras primas há poucas: o Solaris de Stanislav Lem, o Walk in the Night (Lutte avec la Nuit) de William Sloane, A Door into Summer (Une porte sur l'été) de Robert Heinlein, The Maracot Deep (La Ville do Gouffre) de Conan Doyle sobre a submersa Atlântida... falta pelo menos um, indispensável: La Nuit des Temps, de Barjavel.
Como é menos conhecido, aqui ficam extractos do Walk in the Night *, na versão original (1936). Há uma morte não explicada, há Selena, uma mulher quase deusa, tão estranha e misteriosa como uma sereia entre humanos, há o pasmo perante o infinito, a eternidade e a noite estrelada, há o incompreensível: alma, tempo, vida...
«She came toward us walking with that same long, swinging stride. Even when I knew, as I did then, that she was not a person, not human, not of my own sort at all, there was something so magnificent about her that no fright or revulsion could cancel the effect of it. The fear inside me was swallowed up by a passive expectation.»
«Below us spread the gigantic sweep of the desert, tarnished gold where the sun still lay, and purple blue where the shadows from the western mountains were racing across it as the sun sank behind us. Watching that great tidal wave of darkness pouring across the valley, I suddenly realised how truly the earth was a ball, hung in gulfs of space and spinning around its axis with majestic precision and power. I almost thought I could feel the eastward surge of the mesa under my feet.
After a moment we turned and walked across the level top. It was very bare, with a few bushes, and here and there a low mound that Jerry said he suspected were the remains of ancient houses. Ahead of us was a slight rise in the ground; as we drew near it I saw that on it stood an oblong of rock. We halted and looked at that single piece of weathered stone, massive, rough-hewed by the chisels of men who were dust a thousand years ago. Unmistakably it was an altar.
“To the unknown God,” I said. »
- [numa meseta do deserto do Arizona, junto ao México] -
"Aos nossos pés estendia-se a gigantesca vastidão do deserto, manchado a ouro onde o sol ainda incidia, e de azul púrpura onde as sombras das montanhas a oeste iam avançando, à medida que o sol descia atrás de nós. Ver a grande maré da noite inundando o vale tornou de súbito evidente que a Terra é uma bola, suspensa nos golfos do espaço e rodando no seu eixo com majestosa precisão e autoridade. Pensei mesmo que sentia esse impulso para leste da 'mesa' sob os meus pés.
Pouco depois virámos e começámos a atravessar o planalto cimeiro. O terreno era muito despido, tinha alguns tufos e aqui e ali umas bossas que Jerry supunha serem vestígios de antigas casas. À nossa frente, notava-se uma ligeira elevação do solo; aproximei-me e vi no topo um bloco de pedra irregular, oblongo. Parámos e ficamos a observar aquele pedaço único de pedra corroída pelo tempo, maciça, talhada grosseiramente a cinzel por homens que já eram poeira há um milhar de anos. Era sem dúvida um altar.
- 'A um deus desconhecido', disse eu."
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O leitmotiv do livro é o tempo, um tempo que não é único nem linear, mas sim múltiplo e serial, permitindo paradoxos inesperados quando se estabelecem contactos entre tempos diferentes. Parece que vem a propósito de um post que aqui há pouco publiquei.
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(*) " I am doomed for a certain term to walk the night " (Hamlet)
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