terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Tesouros românicos da Galiza interior


Já ninguém  desconhece a paisagem costeira da Galiza, as suas fabulosas rias de águas limpas enriquecidas com as plataformas mexilhoeiras, os seus cabos rochosos de mar bravio, as cidades e o seu 'casco antiguo'.

No interior, Lugo nunca foi destino de viagem, e manteve-se uma cidade modesta de pedra sobre pedra, cidade fria e pobre e triste. Entre Ourense e Lugo há a região da Ribeira Sacra, com as Ribas de Sil e a serra de Courel, e com vários pontos de bela paisagem natural; estes dois tesourinhos que vou referir escondem-se por aqui, não são de acesso fácil  - estradas às curvas que nunca mais acabam... - mas valem um dia dedicado. As referências urbanas para orientação e alojamento são: Monforte de Lemos e Chantada.

Mosteiro de Santo Estevo de Ribas do Miño

Localizado uns 5 km a leste de Chantada, Lugo, frente à barragem de Belesar, este é o mosteiro mais surpreendente em terras de Ribeira Sacra.

 

Além da espectacular e agreste localização, San Estebo destaca-se pela fachada ocidental, talvez a mais bela do românico galego. A igreja está no meio de um bosque, e assenta numa ladeira escarpada que realça a sua envergadura, mas deve ter constituído um difícil repto na época. Teve que se escavar a montanha para ganhar altura suficiente para a ábside, mas por outro lado também à frente foi necessário construir uma cripta sob a fachada para compensar a elevação do terreno.


A construção data do último terço do séc. XII, e foi dirigida por Mestre Mateus (Maestro Mateo) , arquitecto do Pórtico da catedral de Santiago.


O pórtico, de quatro arquivoltas sobre colunas de mármore, está decorado com esculturas, e é encimado pela rosácea de quatro metros de diâmetro decorada com elementos geométricos.




A decoração do portal culmina no arco interior, com sete figuras em disposição radial, sentadas num degrau de bancada.


Destaca-se um personagem central que segura um disco solar, e outro com um crescente lunar.
Entre os sete há dois músicos.

A "orquestra celestial".

Figura central, com o 'disco solar' em hexasquel.

Tocador de harpa

A nave, única, aparenta grandes dimensões para o tamanho do templo, e esta impressão é amplada pela luz diáfana que entra pelos óculos e janelas.




A rosácea
Invulgar (no românico medieval) pelo tamanho e pelas cores.

No espaço da ábside baixa há um grupo escultórico interessante, em especial pelos três Reis Magos:


Também a Pia Baptismal românica original, com decorações geométricas que lembram rúnicas, é uma preciosidade:


Por fora, impressiona o enquadramento no palco escavado na encosta, aproveitada para apoiar contrafortes:



No exterior um curioso campanário sobre uma parede da rocha da encosta. O constructor fartou-se de improvisar e inventar soluções.




Janela alta das traseiras. sobre o telhado da ábside.


Os contrafortes da ábside fortemente ancorados no muro circundante, ele próprio contraforte do terreno...


http://www.arquivoltas.com/11-galicia/01-SEstevoRibasMino-01.htm

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Este post devia terminar aqui, já vai longo; mas calha tão bem continuar com este outro exemplar tomânico galego que não resisto.

Igreja do Mosteiro de San Miguel de Eiré

A oeste de Monforte de Lemos, no coração da Ribeira Sacra (Lugo), a igreja monástica de San Miguel de Eiré, obra da segunda metade do século XII, é tudo o que resta de um antigo complexo abacial feminino.

Por fora, uma torre de campanário inusual, certamente pensada para funções defensivas. Está desalinhada do eixo da nave. A parede do fundo apresenta uma 'janela' alta com pórtico que deve ter sido noutros tempos a porta de passagem para o corpo do mosteiro.


Na torre, ressalta a janela geminada, com arcos de meia volta.


Também no fundo da ábside há uma janela de belo trabalho.


A ábside, mais baixa que a nave, está dividida por fora por colunas elevadas que parecm desempenhar o papel de contrafortes. Estas colunas rematam-se em capitéis com motivos de aparência vegetal invulgarmente retorcidos.

A porta do lado Norte é mais ricamente decorada, tendo o arco superior baixos relevos de  estrelas e de um anho.

A porta norte, com rica decoração no arco de meia volta.


O interior é uma nave quadrada com portal que se abre sobre a ábside baixa. O espaço é de grande sobriedade, a pedra suavemente iluminada convida ao recato.

O arco triunfal de acesso à ábside é bastante imponente.


Capitel com cabeça e corpo retorcido, tema único de Eiré.

Na abóbada há pinturas murais góticas de finais do século XV, já um pouco degradados.

Ao contrário da arquitectura gótica, o românico parece-me tão mais belo quanto mais simples e 'pobre'. À volta e dentro destes templos existe uma atmosfera de silêncio, de intemporal recolhimento, de dedicação ao jardim e ao cultivo, que me seduz não pela religiosidade obsoleta mas pela condição humana que lhe deu origem: pessoas que renunciaram ao mundano para se dedicarem ao transcendente. E que para isso construíram com alguma arte espaços fechados que são como pequenos paraísos.

Sabe-me bem que existam na Galiza, como em Itália ou na Escócia.  É uma das marcas da identidade europeia: românico, não há em mais lado nenhum.


1 comentário:

Fanático_Um disse...

Muito singelos e bonitos e, mais uma vez, agradeço a lição e a informação.