terça-feira, 22 de janeiro de 2019

John Ruskin (1819-1900) - desenhos e texto sobre Veneza, uma visão magistral


Já mencionei John Ruskin aqui no Livro, e publiquei algumas obras. Mas por altura da exposição em Londres, a decorrer na londrina Two Temple Place, achei bem alargar o meu tributo a esse homem de cultura e requintado artista da era Vitoriana.

Crítico de arte, sobretudo de arquitectura, aguarelista e desenhador, é nesta actvidade que mais o aprecio, pois como crítico, embora escrevesse e argumentasse com excepcional requinte, tinha algumas ideias fixas muito contestáveis. Aderiu à irmandade dos pré-Rafaelitas desde 1853, e foi um viajante de arte incansável - três longas excursões por França e sobretudo Itália, de dois anos cada, sempre tomando notas, escrevendo e fazendo esboços.

Começo por alguns dos seus melhores desenhos:

Trees in a Lane, 1847

Pinheiros mansos em Sestri, Génova, 1875

Esboço de folhas de Carvalho

Estudo de uma maçã Blenheim Orange, 1873

Folhas de Castanheiro, ~1870

Talvez o mais conhecido desenho de Ruskin seja o Kingfisher (Guarda-Rios ou Pica-peixe):

Estudo de Guarda-rios, ~1871

O Monte Branco visto de Saint-Martin-sur-Arve, 1874

Ruskin viveu vários anos em Itália, sobretudo na zona de Verona e Veneza. Esta era a sua cidade de eleição, onde tudo o maravilhava, em particular São Marcos e o Palácio dos Doges, a quintessência da arquitectura, um modelo de todas as perfeições: 'Seria impossível, creio eu, inventar uma combinação mais magnífica de tudo o que pode existir de mais digno e belo.'


Mas toda a cidade o inspirava. Uma das teses caras a Ruskin era a de que o colorido deve ser dado pela utilização de uma diversidade de materiais, e não tanto pelo uso de tintas.

Estudo dos ornamentos embutidos de mármore na frente da Ca' Loredan, 1845


Deixo aqui um excerto de "The Stones of Venice", onde Ruskin se espanta com a incrível convergência de factores que permitiu a edificação da cidade num local tão inóspito.

"Da foz do rio Adige até à do Piave estende-se, a uma distância variável entre três a cinco milhas da linha litoral, um banco de areia que é dividido em ilhas alongadas por muitos e estreitos canais de água do mar. O espaço entre este banco e a linha litoral consiste em depósitos sedimentares destes dois rios, uma vasta planície de lamas calcáreas coberta, na região de Veneza, pelo mar durante a maré cheia numa profundidade de um pé ou pé e meio, que fica exposta na maré vaza mas dividida numa intrincada rede de canais estreitos e ondulantes, dos quais o mar nunca se retira. Em certos locais, conforme a direcção das correntes, a terra elevou-se formando ilhotas pantanosas, consolidadas seja por arte humana, seja pelo tempo, em terra suficientemente firme para aguentar edificação, ou suficientemente fértil para cultivo; noutros locais, pelo contrário, não chega a atingir o nível do mar; em resultado, na maré baixa, charcos ou lagoas de água pouco funda cintilam entre campos de algas expostos irregularmente. No meio da maior destas, acrescida pela confluência de vários grandes canais fluviais para uma das aberturas no banco, está construída a cidade de Veneza, sobre um aglomerado de ilhas; os vários pontos de terreno mais elevado que aparecem a norte e a sul do aglomerado têm também sido habitados em diversas épocas, e agora exibem restos de urbes, aldeias, ou conventos e igrejas, dispersos entre espaços de terreno raso, em parte detritos, em parte ruínas, e em parte cultivados para fornecer a metrópole.  
(...)
Nunca terão pensado, os primeiros que espetaram estacas nesta areia, e estenderam ervas e canas para repousar, que os seus filhos viriam a ser os príncipes deste oceano, e os seus palácios o seu orgulho; e contudo, nas grandes leis naturais que regulam os territórios selvagens, seja recordado que estranha preparação teve lugar para coisas que nehuma imaginação humana poderia ter prenunciado; e como toda a existência, toda a sorte da nação Veneziana fora antecipada ou impelida pelo estabelecimento dessas barras e portas contra os rios e o mar. Tivessem correntes mais fortes dividido as ilhas, e frotas navais hostis teriam uma e outra vez reduzido a cidade nascente à servidão; tivessem marés mais fortes batido a sua costa, toda a riqueza e refinamento da arquitectura veneziana teria sido substituída pelos paredões e molhes de um vulgar porto marítimo. Não tivesse havido marés, como noutras partes do Mediterrâneo, e os estreitos canais da cidade seriam pestilentos, e o pântano circundante insalubre. Tivesse a maré um pé ou dezoito polegadas mais de altura, o acesso por água às portas dos palácios seria impossível: mesmo tal como está é por vezes difícil, no refluxo, desembarcar sem pôr o pé nos degraus mais baixos, escorregadios; e as marés altas entram pelos pátios, e trasbordam para os átrios de entrada. Dezoito polegadas mais de amplitude entre marés tornariam as escadarias de entrada de cada palácio numa massa traiçoeira de limos e conchas de molusco.
(...)
Houve certamente uma 'preparação', e a
única preparação possível, para a fundação de uma cidade que estava destinada a ser uma fivela de ouro no vestido da Terra, a escrever a sua história na crista branca das vagas das marés, nas palavras do seu rebentar, e a reunir e emanar, numa pulsação para todo o mundo, a glória do Ocidente e do Oriente, desde o coração ardente da sua Força e Esplendor.

Auto retrato


Vasta colecção de desenhos e aguarelas aqui:
https://commons.wikimedia.org/wiki/John_Ruskin#/

Sem comentários: