John Ruskin (1819-1900) foi um intelectual e crítico de arte importante do séc. XIX inglês, no reinado de Victoria, grande admirador e promotor de Turner e dos pré-rafaelitas, e ele próprio pintor de mérito, mesmo que pouco reconhecido.
Auto-retrato de John Ruskin
Viajante pela arte europeia, entusiasta da arquitectura gótica italiana, escreveu - numa prosa sofisticada e elegante - um excelente livro sobre palácios e igrejas em Veneza, ‘The Stones of Venice’. Percorreu incansavelmente toda a arquitectura gótica em França, Itália e Alemanha. O estilo neo-gótico surgido na era Vitoriana foi em grande parte devido a esse entusiasmo de Ruskin.
As famosas palestras sobre arte e sociedade que Ruskin tornou um hábito em Oxford eram um sucesso tal que muitas vezes tinham de ser repetidas. Em 1869 obteve uma prestigiosa nomeação para a Universidade, onde dois anos depois abriu uma escola de desenho, actualmente documentada no Museu Ashmolean. Outra parte da sua obra está no Museu Ruskin em Coniston, no Lake District, onde se isolou nos últimos dias de vida, desgostoso da feia industrialização que assolava as grandes cidades.
John Ruskin pintava sobretudo aguarelas, a maioria durante as viagens.
Trees and Pond, 1832, obra de juventude
Château of Neuchatel at Dusk, 1866
View of Amalfi, 1884 - talvez a sua melhor obra
Old houses on the Rhône Island, Geneva, 1863
Oxford Christhurch from St. Aldate, 1842
La Merveille, Mont Saint Michel, 1848
Ruskin fazia sobretudo imensos desenhos do que ia observando em viagem:
Fonte de Trevi, Roma
Palácio Ducal de Veneza, a obra que mais admirava, simbólica do gótico italiano.
Ruskin teve uma vida privada atribulada, uma casamento falhado seguido do caso de Rose La Touche, por volta de 1860, uma aluna irlandesa que foi a sua grande e doentia paixão idealista aos 40 e que havia de o levar à loucura. Muito se especulou (e especula) sobre o assunto, para mal da reputação póstuma de Ruskin.
Retrato de Rose La Touche, por John Ruskin - o seu caso foi a inspiração para a Lolita de Nabokov.
Extracto de um dos estudos de John Ruskin, sobre Turner:
[..] Mas, penso, o mais nobre dos mares que Turner alguma vez pintou, e portanto, o mais nobre alguma vez pintado, é o de Slave Ship, exibido na exposição da Academia em 1840.
The Slave Ship, de Turner
É um pôr-do-sol no Atlântico, depois de uma prolongada tempestade; mas a tempestade já serenou um pouco, e as nuvens de chuva rasgadas e velozes movem-se em linhas escarlate até se perderem no vazio da noite. A superfície do mar incluída no quadro está dividida em duas cristas de enorme ondulação, não muito alta nem localizada, mas como um vasto, abissal levantamento do oceano todo, como se enchesse o peito de um profundo suspiro depois da tortura da tempestade. Entre as duas cristas, o fogo do sol poente cai ao longo do fosso das águas, pintando-as com horrível mas gloriosa luz, intenso e gritante esplendor que queima como ouro e banha como sangue. Ao longo deste caminho ou vale ardente, a agitação das vagas que causa a incessante quebra na ondulação levanta-as em escuras, indefinidas, horrendas formas que projectam uma sombra débil e fantasmagórica para trás, ao longo da espuma iluminada. Não se levantam por toda a parte, mas às três ou quatro juntas em grupos assustadores, caótica e furiosamente, conforme a força submarina da ondulação as compele ou permite; deixando entre si espaços traiçoeiros de águas em turbilhão, ora iluminadas com uma luz esverdeada de lâmpada, ora reflectindo o dourado do sol em declínio, ora aterradoramente tingidas a partir do céu com as imagens indistintas das nuvens em fogo, que se despenham em flocos de carmim e rubro, e transmitem às indomáveis ondas o movimento adicional do seu próprio voo incendiado. Púrpura e azul, as lúgubres sombras no cavo das vagas são projectadas na névoa da noite, que se vai acumulando fria e baixa, avançando como uma sombra de morte sobre o criminoso navio, que luta entre o relampejar no mar, com os frágeis mastros desenhados sobre o céu em linhas de sangue, aprisionado e condenado naquela temível luminosidade que sinaliza o céu de horror, e mistura um jorro de chamas com a luz do sol — e projecta muito longe o desolado suspiro das ondas sepulcrais, encarnando o infindável mar.
Acredito, se estivesse reduzido a sustentar a imortalidade de Turner numa única obra, que escolheria esta. A sua corajosa génese - ideal no sentido mais nobre - é baseada na mais pura verdade, e elaborada com a sabedoria reunida ao longo de toda uma vida; a cor é absolutamente perfeita, não há uma falsa ou mórbida luminosidade seja onde for, e é tão modulada que cada polegada de tela é uma composição perfeita; o desenho é tão preciso como destemido; o navio flutua, torce-se, cheio de movimento; os tons são tão verdadeiros como admiráveis, e todo o quadro dedicado ao mais sublime dos temas e impressões - o poder, majestade e violência mortal do mar aberto, fundo, sem limites.
Aqui:
http://www.readingaloud.org/ruskin/turners-slave-ship.htm
Não faltam na Net artigos sobre Ruskin e o caso La Touche. Falta, isso sim, conhecimento e divulgação da sua arte. Este ano vou a Oxford e espero poder apreciar melhor a obra de Ruskin 'in loco' - no Ashmolean.
4 comentários:
Sempre que aqui venho aprendo e aguço o apetite para me informar sobre o que desconhecia e, frequentemente, para me deslocar a locais que nunca visitei ou que, se já o fiz, merecem uma nova visita com outros olhos! É o caso de Oxford.
Oxford merece sempre, Fanático_Um. Poucas cidades concentram tanta arte e cultura em tão pouco espaço. Para mim vai ser provavelmente a despedida, uma lenta e bem disfrutada despedida.
Quem é que tem o melhor blog da internet, quem é?! O nosso querido génio Mário.
Não aprecio muito este tipo de pintura....a de Turner, sim!! Oxford vale mil visitas, é uma das minhas cidades, em todo o mundo. Estive lá umas 4 vezes e dei uma volta nas Cotswolds durante um dia inteiro. Fantástico.
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