quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Almada Negreiros, (2) quadros dentro do quadro


Desenho, pintura, vitral, tapeçaria, poesia, romance e novela, conferência, teatro, bailado até... Almada Negreiros percorria vários caminhos na arte, simultaneamente, sendo nos estudos e artigos de opinião que ele exprimia de forma mais radical - chegando a ser violento e apologista da violência - as suas ideias sobre arte e sociedade.

O tempo relativizou a experiência futurista, que em parte se associou com culpas ideológicas ao pesadelo das guerras e suas indústrias, ditaduras e fanatismos, que arruinaram a Europa Feliz dos anos 20-30. Por mais interessante e até simpática que seja a adesão furiosa ao progresso, à tecnologia e à "libertação do homem" que prometia a geração do Orfeu, a verdade é que desempenhou um papel em última análise criminoso.

Nas artes plásticas, Almada Negreiros era de certa forma mais romântico, ou clássico, enfim, era mais temperado. Muita da sua arte acaba por ser de certa forma 'burguesa', ou seja, o insulto que ele mais odiava. Começo por este painel mural para os Correios de Portugal nos Restauradores.


Gente fina de calèche no terreiro do Paço. Burguesia.

Almada capricha mais no desenho e nas vestes que no rosto. Bonito, decorativo, pouco humano ?

Os famosos vitrais para o côro da Igreja de Nª Sª de Fátima (1938) são também exemplo de uma perspectiva estética inovadora mas que ao mesmo tempo contemporiza com a tradição, e em que elegância e harmonia prevalecem sobre a provocação.
Detalhes:
Lindo, maravilhoso até, mas algo frio, geométrico, formal demasiado. Cravo.

Alaúde.

Órgão.


Grafite e guache, sem título: atletas a jogar a bola:


Quadro dentro do quadro.

Este detalhe podia ser um abstracto dos anos 30 ou 40:



Mas o meu gosto "burguês" encanta-se mais com outro painel, o célebre "Eros e Psique" de 1954 (Almada tem 61 anos) que está na A.R., sortudos, privilegiados... haverá sítio mais conservador, institucional ?





Almada era, ele próprio, um verdadeiro Arlequim. Multifacetado, mascarado, faceto, enganador. E nem mesmo o Arlequim sabia bem se era ou não era.
Tinta da china, 1931.

Não tinha uma, tinha muitas maneiras de ser moderno, Almada. Nem todas admiráveis, diga-se.



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