Acabei de ler um livrinho magnífico de Somerset Maugham, na edição Penguin Classics que aqui referi, chamado Up at the Villa (1941). Passa-se nos arredores de Florença, é o que agora se chama um "thriller", com amores improváveis à mistura, ou seja uma tragédia hiper-romântica sob o signo da morte. Não será por acaso que tudo se passa no início da 2ª grande guerra, quando em Itália ainda se refugiavam austríacos fugidos da submissão ao regime hitleriano. Como de costume, o melhor da história é a narração perfeita e o retrato de mulher - neste caso é Mary Panton, a viver por uns dias numa casa apalaçada, quem se vê numa embrulhada de afectos e fatalidades.
(*)
O que me apetece aqui publicar é este parágrafo em que Maugham descreve o prazer de jantar ao sol-pôr na Toscânia:
To dine there on a June evening when it was still day, and after dinner to sit there till the softness of the night gradually enveloped her, was a delight of which Mary felt she could never tire. It gave her a delicious feeling of peace, but not of an empty peace in which there was something lethargic, of an active, thrilling peace rather in which her brain was all alert and her senses quick to respond. Perhaps it was something in that light Tuscan air that affected you so that even physical sensation had in it something spiritual. It gave you just the same emotion as listening to the music of Mozart, so melodious and so gay, with its undercurrent of melancholy, which filled you with so great contentment that you felt as though the flesh no longer had any hold on you. For a few blissful minutes you were purged of all grossness and the confusion of life was dissolved in perfect loveliness.
Jantar aqui numa tarde de Junho, quando ainda é dia, e depois ficar sentada até que a suavidade da noite a envolvesse gradualmente, era uma gosto de que Mary nunca se sentiria cansada. Dava-lhe uma sensação deliciosa de paz, mas não uma paz vazia onde houvesse algo letárgico, uma paz excitantemente activa antes, com o cérebro alerta e os sentidos prontos a responder. Talvez houvesse alguma coisa naquele ar leve da Toscânia que a afectava de modo que mesmo a sensação física tivesse em si algo de espiritual. Dava-lhe exactamente a mesma emoção que ouvir a música de Mozart, melodiosa e alegre, com a sua subjacente melancolia, que a enchia de um grande contentamento, como se o corpo já não a contivesse. Por alguns minutos abençoados era-se purificado de toda a grosseria e a confusão da vida dissolvia-se em perfeita graciosidade.
[trad. minha]
Mesmo que seja um conceito duvidosos da música de Mozart, tocou uma das minhas cordas sensíveis: talvez o concerto para flauta nº 2 ?
ou a subjacente melancolia do flauta-e-harpa ?
(*) A capa é de André Edouard Marty, um belíssimo ilustrador art-déco que trabalhou para a Vogue.
4 comentários:
O meu filho tem o curso de flauta e em tempos só ouvíamos música para este instrumento em casa. Tenho os CDs todos dele, que mos ofereceu quando foi para os States. Em Munique , uma noite, ele e a mulher que também toca, acompanharam uma visita ao KunstArt Museum ( julgo que é assim) e enquanto um senhor explicava os quadros , eles dois tocaram os quartetos de flauta de Mozart. Foi uma experiência única.
O concerto de harpa e flauta - sobretudo este andamento - é duma beleza intocável. Tenho um vídeo em que o Rampal explica a obra e toca-a.
Vou comprar esse livro pelo Kindle. Ando a ler Virginia Woolf, mas preciso de variar:)
Bom fim de semana.
Obrigado Mário, com harpa... é sempre outra coisa (gostos pessoais!).
Corrijo: o vídeo em questão não é do Rampal , mas do Galway. Sorry.
Já tenho o livro no Kindle. Por $10. Agora é só pôr a música de Mozart a tocar....
Enviar um comentário