quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Borges, 'El laberinto', o labirinto da nossa tragédia


Na narrativa grega do Minotauro, Borges vai descobrir uma alegoria para a sua (e de nós todos) vida. É genial como consegue personalizar a divindade, deus, no monstruoso touro, ambos querendo sugar o nosso sangue, devorar a nossa morte, mas ambos sendo afinal um Outro de nós mesmos.
Se o Inferno (Minotauro) são os outros, a Tragédia (Teseu) é cada um de nós.

O LabIrinto
Elogio da Sombra, 1969

Nem Zeus poderia desatar as redes
de pedra que me cercam. Já esqueci
os homens que fui antes; sigo o odiado
caminho de monótonas paredes
que é o meu destino. Rectas galerias
que se curvam em círculos secretos
ao terminarem os anos. Parapeitos
com fendas abertas pelo desgaste dos días.
Na pálida poeira decifrei
rastros que temo. O ar trouxe-me
nas côncavas tardes um bramido
ou o eco de um bramido desolado.
Sei que na sombra há Outro, cujo destino
é fatigar as vastas solidões
que tecem e destecem este Hades
e ansiar o meu sangue e devorar a minha morte.
Buscamo-nos os dois. Oxalá fora
este o último día da espera.



2 comentários:

Arnaldo Leles disse...

Isto, remeteu-me ao pensamento de Mestre Eckhart, sobre a abominável criatura.

SilverTree disse...

E há o conto "A Casa de Astérion", que é dos meus favoritos do Borges. Tenho um fascínio especial com a mitologia que rodeia o Minotauro, Teseu e Ariadne.