domingo, 1 de agosto de 2021

A Ilha de Sein, ao largo do 'finis terrae' bretão (memórias de 2002)


Férias numa ilha? Voilà.


Digamos que é a Ultima Thule em França, no extremo do Finistère; estivemos lá em 2002, e experimentámos a travessia e o cerco do mar bravio, a quarentena permanente e o modo de vida estranho dos ilhéus (Sénans, Sénanes), adaptado às condições. A maior aventura não é lá chegar (e isso também nos emociona), mas sim lá viver.


Île-de-Sein é uma ilhota plana a 10 km da Pointe du Raz, na costa oeste da Bretanha, com uma extensão de 2 km por uma largura de poucas dezenas ou centenas de metros, e no máximo seis metros acima do nível do mar. É bem conhecida dos marinheiros pelo perigo das águas circundantes, causadoras de muitos naufrágios - culpa da Chaussée de Sein, uma extensa zona de recifes na rota do Canal, que requer múltiplos faróis e cuidados redobrados para navegar as violentas correntes.

A 'Chaussée de Sein' estende-se entre os faróis de Ar-Men, a oeste, e La Vieille, a leste.

Felizmente visitámos a ilha num dia de sol tranquilo, mas mesmo assim a insegurança em tão pequena extensão de terra rasa no meio do oceano era intimidatória. O acesso faz-se a partir de Audierne, no sul da península das Cornouailles, numa embarcação modesta que na altura era o Enez Sun (= "Ilha de Sein" em bretão).

O 'Enez Sun' no cais.


Depois do desembarque, o acesso desde o cais e do farol faz-se por um arruamento na frente marítima protegido por molhes - o Quai des Paimpolais, a via principal onde toda a actividade da aldeia decorre, dia e noite, trabalho e lazer. Para além disso, há um museu, um café e ... faróis.


Duas ilhas atlânticas de França - Sein e - estão entre os sítios mais emocionantes e gratificantes onde pousei.


O Quai des Paimpolais percorre toda a baía, curvando à volta do porto de pesca, o sítio mais abrigado da ilha. A diferença das marés é muito marcada.



Não há trânsito motorizado nem de pedais. É bom para um jogo da petanca ('pétanque', ou 'boule bretonne') ao fim da tarde.

O café (amarelo) e os correios (azul).

Café Chez Bruno


Casa na frente marítima; a maioria têm dois andares com empena triangular e chaminés, variando qual das fachadas se abre para ao mar.


Noutros tempos foi terra de pescadores emigrantes para águas longínquas do Mar do Norte. Actualmente são umas três centenas os ilhéus, gente que vive da pesca e apanha de algas. Os principais pescados são bivalves (vieiras), lagosta e lagostim, mas tudo em pequena escala. Há quem viva de outras artes como as redes e a recolha da água potável da chuva, e cada vez mais do turismo.

Maré vaza no porto.


Le Bourg

Para se proteger melhor do mar e das tempestades, as ruas dentro da aldeia são muito estreitas, formam um labirinto onde da primeira vez é fácil perdermos o norte: curvam e contra-curvam para se opor ao vento dominante, e há passagens onde a largura é o que permite passar um barril. Nem as bicicletas são permitidas, seria um pesadelo para os peões.




Detalhes de decoração, onde o azul domina.

Na lousa: - "croissants por encomenda para o Natal ou Ano Novo."

Junto ao cais e ao farol, uma das estruturas mais antigas é o Abrigo dos Marinheiros, uma construção em U largo que durante os anos mais intensos de pesca deu apoio aos trabalhadores do mar.

O antigo Abrigo dos Marinheiros foi recentemente convertido num modesto museu. Em estado de avançada decadência, o edifício foi parcialmente recuperado para as novas funções.


Documenta em fotografias e em aparelhos de pesca a actividade passada dos Senanos.



O resto da ilha


Por trás da povoação, a ilha apresenta uma vegetação rasteira que mal cobre o solo rochoso de granito; nesta turfa não crescem árvores, as que há são plantadas em terra importada. É o caso desta junto à capela:


No extremo ocidental, perto do farol, rodeada de muros e dedicada a Saint Corentin, a capela foi construída em 1972 sobre antigas ruínas.


A ilha é habitada desde tempos pre-históricos, tendo servido de refúgio seguro contra ataques de populações rivais; sabe-se que os últimos druídas bretões lá se esconderam, tendo deixado alguns menhirs.

'Les Causeurs', dois menhirs junto à igreja.

A igreja, feiosa, perde em comparação com os pedregulhos, que devem ter dado mais trabalho.

O Mar e os Faróis


Vê-se parte da Calçada rochosa para leste, até ao Farol La Vieille.
A presença do mar a toda a volta nunca esquece, ainda mais se nos damos conta de quão pouco acima das ondas se vive na Ilha de Sein.


É quando se conjugam marés violentas com baixas pressões ciclónicas e ventos fortes que Sein se torna mais assustadora. Nos dias de hoje tudo é mais previsível e tomam-se precauções; mas se o mar vier a subir alguns metros...

Um dos mais famosos faróis é esta torre sobre um rochedo, a meio caminho entre a ilha e a costa. Mesmo sob as mais violentas tempestades, La Vieille sempre se manteve em funcionamento.

Farol "La Vieille"

Farol de Ar-Men

O mais fotografado e admirado, o Ar-Men fica 10 km para oeste de Sein; é uma torre de granito com 37 m de altura de 1881 que levou 14 anos a construir. Oferece uma fantástica vista quando ondas mais violentas rebentam sobre ele, elevando altíssimas nuvens de espuma.


Actulmente está automatizado; mas não faltam histórias - algumas trágicas, houve faroleiros levados pelas vagas. A mudança de faroleiro era uma operação complexa e demorada, a última foi em 1990. Agora a manutençáo faz-se por helicóptero, mas o Ar-Men corre sérios riscos, encontrando-se em muito mau estado.

O 'Inferno dos Infernos', segundo os faroleiros. O golpe surdo de uma vaga volenta faz abanar toda a estrutura, atirando ao chão tudo o que estiver solto.


Uf! Adrenalina em Île-de-Sein...



1 comentário:

Arnaldo Leles disse...

Pitoresca ilha, Sr Mário. Uma grande e inesquecível aventura, não tenho dúvidas.