terça-feira, 16 de junho de 2020

'Doch wird die Seele leben', mas que alma será essa ?


'Denn ob der Leib gleich stirbt, doch wird die Seele leben.'
Pois se o corpo morre agora, ainda assim a alma vive.

                                                                     Coro de Paulus de Mendelssohn [cf. as Escrituras]

É o arquétipo mais universal das crenças humanas - a ilusão de que temos uma alma imortal. Há por aí gente como eu que não o partilha, para quem 'alma' não existe, mas apenas uma consciência emanada da actividade cerebral. Quando morre, morre tudo. É uma forma de conforto como qualquer outra: talvez um átomo de uma pestana minha, sob o vento solar, esvoace para um sistema planetário em Andrómeda.

Mas como é lindo de verdade, animador, exaltante mesmo, acreditar que 'die Siele Lieben' . De certa maneira imaterial Petrarca ou Borges ainda estão conosco, vivem em nós que deles aprendemos ; mas não a sua alma, pois não ? E é pena, é pena que esta espécie humana com termo de alma ainda seja o elo terminal da evolução, tão básica, tão mal acabada, tão efémera.

Veados ou elefantes ou tartarugas já vêm de tão longe, já viram os humanos nascer e ultrapassá-los e competir com eles pelos recursos do planeta - então porque raio não veio ainda, não vem agora outra espécie que nos faça a nós o mesmo ? Terá de ser um invasor de outro sistema ? Precisamos tanto de ser superados, transmutados ! Gostava muito de conviver com o meu sucessor na cadeia biológica, um ser divinal, belíssimo, mágico, capaz de conseguir, talvez, a alma eterna...

As crenças greco-romana, judeo-cristã, islâmica ou outras são idênticas nisso mesmo: a sobrevivência eterna de "qualquer coisa" nossa. E tanto assim que se lhe vai prestando homenagem com flores e potes de cinza e velas e estatuetas. A ciência dá-nos uma consolação mais vaga, mais diluída, mas mais universal - as nossas partículas serão parte futura de nuvens estelares, galáxias, planetas. Mas a Natureza só terá atingido um grau decente de evolução na sua cadeia de vida quando nos der um "Eu" que de facto perdure; e para que valha a pena perdurar, tem que ser mais perfeito - tem que ser sublime.

Este macaquito inventor e construtor ainda é um esboço tosco, esboço a vários títulos selvagem, totalmente imerecedor da imortalidade. Mesmo que se extinga ao ser ultrapassado, já deixa, mesmo na sua bruteza, alguma herança a valer eternidade:

Mendelssohn, "Sihe, wir preisen selig",
Kurt Masur dirige a Gewandhaus Leipzig


A propósito, lembrei-me do poema de Mary Frye:

    Do not stand at my grave and weep
    I am not there. I do not sleep.
    I am a thousand winds that blow.
    I am the diamond glints on snow.
    I am the sunlight on ripened grain.
    I am the gentle autumn’s rain.
    When you awaken in the morning’s hush,
    I am the swift uplifting rush
    Of quiet birds in circled flight.
    I am the soft stars that shine at night.
    Do not stand at my grave and cry;
    I am not there. I did not die.


                                                         Mary Frye

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                             Não fiques junto à minha campa a chorar
                             Não estou lá. Eu não durmo.
                             Eu sou mil ventos que sopram.
                             Sou cintilações de diamante na neve
                             Sou luz do Sol na espiga madura
                             Sou a suave chuva de Outono.
                             Quando acordas no silêncio da manhã
                             Sou o levantar repentino e apressado 
                             de pássaros serenos em voo circular.   
                             Sou as ténues estrelas brilhando na noite.
                             Não fiques junto à minha campa a chorar
                             Não estou lá. Não morri.

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