domingo, 5 de dezembro de 2021

O melhor de 2021 - música, leituras e um filme


Estas são as melhores coisas que li, vi e ouvi em 2021; mas podem ter sido publicadas em anos anteriores.

Música - CDs

Haydn 2032, Vol. 10
Já foi referido aqui. Giovanni Antonini mantém em 2021, no décimo disco da integral de sinfonias de Haydn, o nível a que nos habituou na colecção, salientando-se uma Sinfonia nº 6 ´Le Matin' de referência.

Mozart Momentum 1785
Leif Ove Andsnes (pn), Mahler Chamber Orchestra.



Concertos para piano de Brahms
András Schiff (pn), Orchestra of the Age of Enlightenment.

Fenomenal gravação !  O mérito de András Schiff não se fica pelo piano - existem melhores interpretações - mas vale sobretudo pelo estudo musicológico que reavaliou o desempenho orquestral; diga-se que a O.A.E. deu o seu melhor: nunca antes uma execução dos concertos teve tanta limpidez, transparência, equilíbrio,  precisão. Um pasmo.

Historical Fiction (2021)
Grace Davidson & Christian Forshaw.

Um disco planante, a voz cristalina da soprano Grace Davidson e o saxofonista Christian Forshaw a pairar em ambientes celestiais com reinterpretações de alguns clássicos como Ombra mai fu de Handel ou Fairest Isle de Purcell.

- Merece referência ainda a obra de Max Richter "Little Requiems", do álbum Voices. Canta mais uma vez Grace Davidson.
Ouvir:  https://www.hungama.com/song/richter:-little-requiems/67888666/

Música - Concerto

O meu melhor concerto do ano foi na casa da Música, a 18 de Junho.
Arvo Volmer dirigiu a orquestra CDM com a solista Viviane Hagner em violino, para um programa dedicado a Sibelius: Concerto para violino e orquestra, e Sinfonia n.º 5. Foi quase perfeito.

Mesmo em pandemia, um excelente concerto.

Livros

Klara et le Soleil, de Kazuo Ishiguro
 (li a tradução francesa da Gallimard)

"Klara e o Sol" é um título magnífico, e a ideia é brilhante, colocar a humanidade debaixo da perspectiva de um robot de IA avançada e dependente da radiação solar. A Klara é uma AA, "Amiga Artifical", em exposição na vitrina de uma loja, que vê o mundo humano a desfilar na rua, nos passeios em frente, e um Sol de curta duração entre os prédios; ela sente a sua luz e calor como um intenso reconforto, o que será mais tarde confirmado já com Klara a servir em casa da menina Josie, doente e acamada. 
Narra Klara:

Ela [Josie] estava deitada de lado como de costume, o rosto escondido pelo cabelo que se espalhava sobre ele. Nada de inesperado quanto a Josie, mas o quarto era surpreendente. O Sol projectava motivos de luz sobre diferentes secções da parede, do chão e do tecto com uma intensidade invulgar  - un triângulo laranja carregado sobre a cómoda, uma curva luminosa atravessando o canapé Bouton, barras brilhantes no tapete. Mas Josie, na cama, estava na semi-sombra, como outras zonas do quarto. Depois, as sombras começaram a deslocar-se e eu compreendi - ajustando a visão - que era a Empregada Melania quem as criava, manejando o estore e as cortinas.
(... )
Eu tinha-me afastado da janela, não sem anter ter notado que o vento soprava mais forte que antes, abanando as árvores, e que múltiplos remoínhos em funil ou em pirâmide - pareciam rabiscados com lápis afiado - sopravam rápidos no céu. Mas o Sol furou entre as nuvens negras, e de repente - como se cada um de nós recebesse uma mensagem secreta - voltámo-nos todos para Josie.
O Sol iluminava-a, e a toda a cama, com um violento semi-círculo alaranjado. (...) Nos momentos seguintes, todos ficámos estáticos enquanto o Sol, cada vez mais brilhante, se focava sobre Josie. Esperámos, e mesmo quando a certa altura o semi-círculo laranja vivo pareceu prestes a pegar fogo, nenhum de nós se mexeu. Então Josie estremeceu e, de olhos semicerrados, levantou um braço.
- Ei, que luz é esta afinal?

                                                                                             [tradução minha, do original inglês]
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BD: Le Tambour de la Moskova
Uma linguagem gráfica diferente, criativa, belos desenhos esfumados, numa história à volta da campanha napoleónica pela Rússia até Moscovo. Pena o desenho da expressão facial, muito tosco.


Filme

Adam de Maryam Touzani, de 2019
Prémio de Veneza, um filme marroquino de uma beleza formal que muitas vezes lembra quadros de Vermeer. Lindo de verdade. E até custa a acreditar que o cinema de Marrocos tenha estas actrizes fabulosas. A ver e rever.





- Também marcante foi "As Noites Brancas do Carteiro" de Andrei Konchalovsly, este de 2014, que finalmente consegui ver em DVD. Mais um grande filme russo, bem longe do modelo de Hollywood. Voltarei a ele.

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