domingo, 23 de janeiro de 2022

Os olhares perdidos de Tarkovsky


Andrei Tarkovsky, cineasta russo genial que produziu uma mão cheia de obras primas, sofria por não receber na Rússia o reconhecimento e apoio que julgava, justamente, merecer. Os seus filmes eram cortados, rejeitados, sabotados, e finalmente decidiu sair da Rússia para filmar livremente na Itália e na Suécia.

Tarkovsky 'escreveu' no seu Offret (Sacrifício), de 1986, que passamos toda a vida à espera, à espera de qualquer coisa diferente... e se nada vier, seremos nós a atear fogo a tudo o que a nossa vida foi, e ficarmos a ver. Mas ele afinal nutria outra opção, como diz nesta carta ao seu amigo também cineasta Sergei Parajanov: teve sempre a 'Nostalgia' (!) de trabalhar na terra, cultivar e construir uma vida no meio rural.

No campo estive ocupado com a construção de um celeiro novo. Consegui realizar um celeiro magnífico, uns 40 metros quadrados, com uma saliência do telhado em ardósia. Infelizmente não tenho fotografias para te enviar. Passámos uma boa temporada por lá, e comecei a sentir que provavelmente podia viver sem a desgraçada e abandonada arte do cinema. Vivendo desta forma toda a minha vida, na margem do rio, e escrevendo um longo e infindável livro que o meu filho continuaria a escrever depois de eu morrer, e depois o filho dele, e assim sucessivamente... E vivendo com o nosso próprio trabalho. Tivemos um terreno plantado de 1500 metros quadrados, e um pequeno jardim.
Aqui já não aguento mais: a persuadir inutilmente toda a gente de quão importante é a arte do cinema. De facto sinto que estou cada vez mais perto de realizar esta ideia. O que me está a contrariar é a vaidade e o pesar pela meu desprezado talento; ambos sentimentos mesquinhos e insignificantes.
 

                                                                                               Andrei Tarkovsky

Algumas imagens da filmografia de Tarkovsky que mostram esse talento, agora consagrado, e nos marcam para sempre: os olhares perdidos.

Solaris


O Espelho


Stalker



Nostalgia


O Sacrifício




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Este post foi-me inspirado pela leitura do texto de Tarkovsky no blog A Biblioteca na Floresta.


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