terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Descendo os rios de Oxford, o Isis e o Cherwell


Proponho uma bela passeata para compensar a reclusão forçada.

Oxford é sobretudo colégios, mas foi justamente  a sociedade universitária que criou outros mitos; um dos mais consistentes e bonitos é o mito fluvial, o culto dos rios - Isis (Tamisa) e Cherwell. Tanta coisa acontece e é romanceada nas margens, nos prados dos colégios, no parque de Christchurch, nas pontes e eclusas, em docas e em ilhas ! Começando pela Alice de Lewis Carroll, passando por todos os vitorianos, por C. S. Lewis, Tolkien, Pullman,  até ao mais recente Field Guide to Reality de Joanna Kavenna. Os próprios nomes de locais já são um programa de aventura romântica vitoriana: Mesopotâmia, Parson's Pleasure, Dame's Delight, Isis, Folly  Bridge...  

Das vezes que estive em Oxford dediquei-me quase só aos colégios e à vida urbana; descobri que a água que corre é parte da arquitectura, e da vida da cidade - como em Veneza - e, do muito que entretanto li e pesquisei, aqui exponho a Oxford fluvial e campestre, um roteiro diferente. [mapa no final do post]

Os rios de Oxford, entre Binsey e Iffley

Binsey é um lugarzito a norte de Oxford, por onde o Tamisa corre largo e pouco profundo; mas aqui divide-se em canais e começa a ser mais navegado por barcas. A Rainbow Bridge, pedonal, foi construída por subscrição pública.


À entrada de Oxford , a Isis Lock é uma bonita eclusa com ponte pedonal.



Daqui até à Folly Bridge, o Tamisa divorcia-se da Universidade, cujos campos e prados estão a leste da cidade, do outro lado, a dar para o Cherwell. Mas o passeio marginal tem passagens muito bonitas, como quando surgem as Gasworks Bridges, uma relíquia do passado industrial no meio de margens densamente arborizadas.



É altura de mudar para leste até ao rio Cherwell; desde Marston e o seu pub Victoria's Arms, 3 km a norte de Oxford,  o curso do rio divide-se em três canais separados por uma série de ilhas de verdura; parece que estamos no countryside – prados de celidónias e salgueiros chorões a toda a volta, canas cortadas ao sol. 



A High Bridge, de 1924, é mais vulgarmente chamada Rainbow Bridge

Vista do cimo de High Bridge.

O banquinho memorial Tolkien Bench , ladeado por duas "árvores da luz" de Valinor, uma Rubínia e um Ácer.


Este é o troço fluvial mais luxuriante, agora integrado nos Parques da Universidade, junto à secção de Ciências.


No extremo norte da Mesopotamia fica Parson's Pleasures, onde nos tempos vitorianos e mais tarde à socapa os estudantes rapazes se banhavam nus. Uma borga. 



Idílico, indeed.

Claro que não tardou a haver o Dame's Delight, onde as meninas dos colégios tinham direito ao mesmo. 'Fecharam' para o público em 1970.

Nus é que já não há, perdeu o sentido rebelde e há demasiada gente a fotografar.

'Mesopotamia' é uma ilha arborizada, estreita e comprida, rodeada e atravessada por trilhos pedonais, que pertence já à Universidade. Numa velha tábua algum estudante brincalhão inscreveu em pseudo-latim:

Ore stabit fortis arare placet ore stat
(O rest a bit for 'tis a rare place to rest at)

A ilha é um pequeno paraíso com bom tempo, e um lugar desolado, talvez assombrado, com os nevoeiros densos frequentes em Oxford que suscitam mil fantasias.



O trilho Mesopotamia Walk percorre a ilha até à antiga Casa do Moínho, meio escondida no arvoredo.


De finais do séc. XVIII, o King's Mill é agora propriedade privada.

Ao entrar nos terrenos do Magdalen College, dão nas vistas as pontes brancas entre as margens.

Os vários ramos ou canais do Cherwell juntam-se aqui antes de passar sob a Magdalen Bridge.


A Magdalen Bridge, de 1790, é o coração do Cherwell. Logo depois dos arcos da ponte, encontra-se o também mítico Jardim Botânico e um cais de barcos de passeio, punting. Aqui muitas páginas foram escritas (Carroll, Tolkien, Pullman), e muitas cenas filmadas para cinema e TV.


Arcos centrais.


O Cherwell segue dividido em dois canais, que se unem um pouco mais abaixo, sob a nova Jubilee Bridge. Como escrevia um estudante de pseudónimo Cuthberd Bede, "entre as abertas das árvores há vislumbres dos edfícios cinzento-velho dos colégios; o Isis brilha como prata líquida, bordeado acima e abaixo de barcaças e botes; e depois outra mancha de campos verdes... "

Christchurch Meadows Walk

São notáveis neste troço algumas Zelkovas e as Bétulas.

Uma das antigas Zelkovas do parque.


Recentemente, em 2014, foi construída a Jubilee Bridge, travessia pedonal em tubos de aço encurvados entre duas áreas dos Meadows.

Jubilee Bridge

E acontece a confluência dos dois rios, quando o Cherwell passa além de mais uma curta ponte pedonal.

Assim, pacificamente, desagua e termina o Cherwell.

                               Sweet Cherwell, from thy crystal tide
                               What note of sorrow meets my ear,
                               While nature laughs in summer's pride,
                               And flings her choicest treasures here!

Voltemos então ao Thames / Isis: um pouco antes da confluência há a Folly Bridge, nome enganador pois é uma ponte absolutamente trivial.

O Tamisa no seu percurso mais urbano em Oxford.

O nome provém do edifício adjacente, a Folly House, casa acastelada de 1849 com decoração exuberante, construída para um matemático excêntrico.

Ora aí está uma casa em que, numa estadia curta, nunca se repara.

Acrescido com o afluente, o curso do Tamisa é regulado em Iffley, uma ilha com comporta na saída para sul de Oxford, a seguir à lojinha Alice's Shop onde comprei Alice in Waterland de Mark Davis.

Terá sido o destino do primeiro passeio de Alice com Lewis Carroll em Maio de 1862.

Uma ponte no estilo georgiano, de 1783.



                           Ever drifting down the stream — 
                           Lingering in the golden gleam — 
                           Life, what is it but a dream ?

                                                                                 Lewis Carroll


Que tal a passeata ?


Mapa dos rios de Oxford


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Fontes consultadas:
Alice's Oxford On Foot
Alice in Waterland
A Clerk of Oxford
The Secret History of Oxford


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