Voltei finalmente à Casa da Música. Nesta jigajoga de regras pandémicas, fiquei surpreendido por já haver lugares marcados - marcaram-nos automaticamente sem nos consultar, depois da assinatura comprada - e para mais lugares adjacentes, sem cadeira vazia a separar ! Tudo ao molhe, com máscara mas ombro a ombro. Tínhamos o certificado, mas não conseguiram ler o QCode com a qualidade de impressão ´normal´ que usei. Enfim.
Casa cheia, portanto. Outra surpresa: em vez de um côro decente, como o da própria Casa, tivemos um "quarteto vocal", ah ah, um quarteto portuense para bravos da família. E o tenor, à falta de encontrar melhor , foi Fernando Guimarães, que eu nunca ouvira. O palco estava iluminado em cor de rosa, o que achei 'piroso´, ainda pior sob o tema "Amor".
Todas as minhas expectativas estavam centradas em Rowan Pierce (soprano) que de qualquer forma tem as melhores arias da noite: as da Cantata do Casamento BWV 202 de Bach, e as da Ode a Santa Cecília de Handel, uma obra prima de todos os tempos de toda a música. Quanto aos outros músicos, sei que Laurence Cummings é capaz de uma direcção decente.
Na Cantata, em que as árias são para soprano, gostei muito da Orquestra e da direcção de Cummings. Diga-se que há dois valores fenomenais que salvam sempre um concerto da Barroca da CdM: o oboísta Pedro Castro e o violoncelista Filipe Quaresma. Mas também o fagote esteve muito bem. Já Rowan Pierce se esforçou pouco: cantou sem expressão, não deve estar muito à vontade na língua alemã; embora seja uma voz bonita e doce, parecia tíbia e não se fazia ouvir sobre a orquestra.
Para a Ode entrou o dito côro, o tenor e alguns mais músicos - em particular uma organista para a ária do órgão, um percussionista e um trompetista.
O início foi excelente, são três andamentos orquestrais e foram muito bem tocados. O primeiro desastre seria o côro, ou melhor, o quarteto vocal; não sei individualizar os defeitos, sei que ao cantarem "Harmony" não havia harmonia nenhuma, havia um desacerto tímbrico irritante, uma sonoridade pífia e desagradável; se calhar também faltaram ensaios.
Mas chegou a aria da Voz, da Human Voice, What passion cannot music raise. E foi um deleite musical: cantada desta vez com mestria e força expressiva por Rowan Pierce, acompanhada de uma orquestra decente (quase boa), foi um prazer do princípio ao fim; mas maravilhosas foram as passagens em que cantou com voz de veludo sobre o violoncelo de Quaresma: merecia um bravo de toda a plateia.
A primeira aria que coube ao tenor foi novo desastre; é um tema bélico para as trombetas, que a orquestra tocava com vivacidade mesmo sendo deficitária em metais, mas foi arruinada pela voz incerta, trémula, sem chama, de Guimarães. Uma pena.
Rowan Pierce voltou a deslumbrar na aria do órgão, But oh! what art can teach, cantada com entusiasmo, enlevo e umas firmes e fortes notas altas, sobretudo com longos fraseios barrocos que soube prolongar sem respirar, admiravelmente.
O final é um coral triunfante que foi mais ou menos um desconchavo; os dois solistas acabaram por se juntar ao quarteto vocal e ao próprio Cummings numa espécie de coro a 7 improvisado sem jeito nenhum, só para fazer mais volume de som.
Depois, houve um encore estranho - 'Lascia ch'io pianga' cantado em coro pelo septeto ! Tivessem deixado Rowan Pierce só com a sua voz, e podia ter sido bonito.
Eu esperava uma Ode de bom nível, bem ensaiado e bem interpretada, saiu-me esta coisa estranha. Mas valeu, bem haja, Rowan Pierce !
E haja música. Deixo uma aria de Handel, para começar em beleza este ano novo. Canta, claro, Rowan Pierce.
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