quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Uma espécie de Ultima Thule na Irlanda: Lough Derg, no Donegal

Férias, viagem, escapada...

É tão raro referir-me aqui à Irlanda, desde que lá estive há 11 anos, que não resisti a esta inverosímil ilha no pequeno Lago Derg, no extremo noroeste. Pouca gente viaja para County Donegal, zona pobre, deprimida e esvaziada pela emigração, isolada lá no Norte nas costas da outra Irlanda, a britânica.

O lago Derg fica entre a cidade de Donegal e a fronteira com o território britânico.

Será a primeira vez que aqui descrevo um santuário?


Quando vi a primeira foto julguei que estava em Itália, ou pelo menos na região do Adriático; afinal fica a uns 2000 km para noroeste. A ilha no lago Derg é desde o século XII local de peregrinação a St. Patrick - tinha de ser. Nessa época foi construído um modesto santuário, em torno do famoso Purgatório.

A Basílica octogonal de 1931, arquitectura eclética de base neo-românica.

Uma arcada ao estilo normando.

É verdade ! Uma crença popular medieval,  mais ou menos herética, faz situar o Purgatório em caves no centro da Terras, cujo acesso está situada nesta ilha, a ilha do Purgatório de St. Patrick. Incrível. E eu a julgar que  isto era um paraíso... 


Os homens acreditam em cada coisa, realmente. Não ha ciência que valha a esta humanidade fraca de princípios e de débil razão. Nem admira que se atire para guerras a defender crenças destas, ou apavorada com ameaças fantasmagóricas. 

Bom, St. Patrick não tem culpa. Como o sítio é fora do comum e muito longe de quase tudo, prefiro vê-lo como uma Ultima Thule na ilha verde, com a sua solitude e um mistério ainda mais carregado sob o peso do pecado dos homens.

As construções são em granito escuro do fundo do lago reforçadas com cimento, que só os relvados e ajardinados suavizam. 

Os blocos de alojamento de peregrinos do século XIX (Hospice).

O sítio religioso data do século V, segundo a lenda: St. Patrick foi trazido à ilha onde Cristo himself lhe mostrou as grutas ou poços ('Caverna'), que seriam a entrada do Purgatório, provando a verdade dos textos sagrados. Isto é referido desde 1185 em documentos medievais que se encontram por toda a Europa, associando o culto a St. Patrick à peregrinação que se iniciou por essa altura, com partida de Dublin. O segundo mosteiro datará do século XV, auge da importância da ilha sagrada, ao ponto de ser o único local assinalado nalguns mapas da Irlanda dessa época.

Peregrinação a St Patrick's, W. Frederick Wakeman, 1876.

As ditas caves foram definitivamente encerrados em 1632, e demolido o mosteiro original; terminou o dito purgatório, e foi então construída uma pequena igreja franciscana (Sta Maria dos Anjos) que é actualmente o que há de mais antigo na ilha. E assim se manteve o santuário durante três séculos.

Só em 1936 foi construída a actual Basílica em estilo românico revivalista inspirado em  San Vitale de Ravenna mas com influência do pesado estilo normando ! Alguns elementos interiores em mármore policromático, outros de inspiração bizantina, fazem uma miscelânea única mas falha de carácter.

Na verdade, o efeito cénico espectacular da ilha é enganador; tudo é destinado a peregrinos que fazem as suas penitências descalços pelos jardins, numa oração colectiva deprimente, como estas coisas da fé sempre são.

Um dos nichos ao lado esquerdo do altar.

Os jardins foram decorados em 2004 com um labirinto relvado, símbolo do percurso dos peregrinos na sua demanda do santuário e também símbolo recorrente nas culturas pré-cristãs da Irlanda.

Um melhoramento do século XXI.


Falta só dizer que as águas do pequeno lago são riquíssimas de peixe, têm sido pescados lúcios com vários quilos de peso.


Deste sítio nunca tinha tido conhecimento, não figura nos guias turísticos, só uns poucos podem o visitar de cada vez. Só é preferível evitar a época de peregrinação - de Maio a Agosto.

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