sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O Porto, a minha cidade - IV: Boavista e Foz


A Rotista da Boavunda (trocadilho portuense) foi propriamente o "centro" do Porto que mais gravitei. Nunca fui muito Avenida dos Aliados, sítio inóspito e desabrigado, muito menos Batalha. Desde que vim morar no Porto, a minha zona passou a ser esta, Boavista e Foz. Nada de património antigo valioso, um trânsito difícil por causa de escolas e colégios, mas basta a música na Casa e a proximidade do mar para fazer esquecer o pior da cidade.

Casa da Música

É difícil dizer, e nunca ouvi, que é um edifício bonito, elegante, belo ou harmonioso; não, é o ´monstrinho' da Rotunda, um ovni simpático.

Até a grade do portão em frente é mais bonita.

À noite ganha aquele ar de nave espacial...

... e com a luz certa a sala pode ficar banhada numa beleza etérea.

Mas o 'conceito' de Koolhas vai por outro caminho, mais provocatório. Desde coisas manifestament horrendas, como as escadarias interiores, até à excelente acústica da sala e indo até à simpática cafetaria de paredes reentrantes.


Acima de tudo, concertos, como não podia deixar de ser, desde o mais vulgar e irrelevante até sessões sublimes inesquecíveis. Lembro-me por exemplo de um Sonho de uma Noite de Verão dirigido por Gardiner que hoje parece irreal ! Ou as sonatas de Haydn por Arthur Brendel...

Casa e Jardins de Serralves

Aqui há multidões com frequência, muitas excursões organizadas. nem sempre é fácil evitá-las agora, mas no princípio a visita era bem agradável, passando obrigatóriamente pela casa de chá no roseiral. Na verdade, senti muitas vezes que era o único sítio do porto onde me sentia "no estrangeiro", num local privilegiado ao alcance de gente com muito bom gosto e muita sorte na vida. Não tem nada a ver com o cinzento dos granitos sujos e rococós do Porto. 


Obra maior de Marques da Silva, o arquitecto que deu ao Porto muito do seu melhor.




Suponho que "toda a gente" já lá foi, não preciso de ilustrar muito. Tenho boas memórias de lanches na linda

                              Casa de Chá.





Descendo a Avenida da Boavista, o lugar de vinte anos da minha vida.

Escola Clara de Resende



Entretanto foi 'beneficiada' por um programa de renovação.

Continuando ao longo do Parque da Cidade, que fica para outra altura, chegamos à Foz.

A Pérgola

Se há obra com valor histórico e arquitectónico na Foz, é esta pérgola com balaustrada de 1930, única e já famosa. Confesso o meu fraquinho por este lugar, talvez seja mesmo o lugar que mais me diz em toda a cidade.





Seguindo para o rio, vamos ter ao Jardim do Passeio Alegre.

O Chalet Suísso de 1847 é um antigo quiosque.

A melhor vista da Foz do rio Douro é a da cafetaria no terraço do Hotel.


Do terraço vê-se o Forte S João da Foz, o Clube de Ténis e depois a foz do rio com os faróis e o cabedelo.


Este é o Porto mais apetecivel, bonito e moderno. Pela Europa fora sempre gostei de visitar os impecáveis centros medievais ou neo-clássicos das cidades, no Porto o antigo é o pior.

Fecho em beleza:

(continua)




domingo, 23 de outubro de 2022

O Porto, a minha cidade - III : Museus e Jardins


De jardins está o Porto bem servido, talvez seja a cidade portuguesa mais bem ajardinada: um grande Parque, a elegância de Serralves, a patine do Palácio, o meu favorito Botânico, Prelada, Arca d'Água ... ! Mas primeiro o jardim da cultura, o Museu.

Museu Soares dos Reis

Numa zona da cidade que é feia q.b., o Soares dos Reis é um oásis.

A cafetaria dá para os terraços ajardinados.



Lá dentro, a sublime Flor Agreste :


e a Janela das Persianas Azuis de Pousão:


Genial, Marques de Oliveira.

Costureiras trabalhando, obra prima

Pouco adiante do outro lado fica o famoso Palácio, nome enganoso: refere-se apenas aos Jardins, pois o 'palácio' há muito se foi, substituído por um pavilhão - cogumelo onde acontecem eventos parôlos.



A 'Avenida das Tílias' é a sala de visita. Aqui se faz a Feira do Livro. por exemplo. Ao fundo, o rio, com a melhor vista do Douro.

As palmeiras ao por do sol.


Perdido está o Museu Romântico / Quinta da Macieirinha, sacrificado à modernice mais pacóvia. 

Até a estreita calçada de acesso ao Museu respira romantismo.


Antes da 'modernização' :

Sala de Jantar.

Sala das cortinas.


Mesmo ao lado fica o antigo Solar do Vinho do Porto, agora restaurante chique. Degustar um bom Porto sob a arcada era uma bela experiência num dia de sol. E era um ponto de encontro.

 

Jardim em varanda sobre o rio.


Bem, já agora, a Casa Tait e o seu jardim e mata ficam mesmo ao lado. Visita livre. 


Memorável num dia de sol!



Hoje foi verdura e cultura; da próxima vez será a Foz e o mar.

(continua)

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

O Porto, a minha cidade - II: igrejas, cafés e desatinos


Muitos dos percursos que eu fazia quando era estudante estão perdidos ou em muito mau estado. Carlos Alberto, Leões, Clérigos, Cedofeita, estão infrenquentáveis, já nem se pode almoçar no 'Moínho de Vento', estragado por Joana Vasconcelos e a binge mob. O 'Piolho' é romagem de mochileiros e tatuados a fazer selfies.

Dos meus tempos no Liceu, alguma coisa está tal com estava: a Igreja Românica de Cedofeita.


Não se sabe uma data aproximada de construção; foi consagrada em 1087, portanto antes da nacionalidade, mas deve ser bastante anterior, talvez do século IX (reconquista aos Mouros) ou mesmo do período suevo.


É de nave única, alta e sóbria. A traça românica terá sido aplicada posteriormente, quando foi ampliada como Mosteiro, já com o Reino independente; e outras mais alterações importantes sofreria no séc. XVIII.


Os cafés 

Anos mais tarde, já na Universidade, os cafés eram tudo, eram em si um percurso - mas que resta deles? Chave d'Ouro, Estrela d'Ouro, Âncora d'Ouro, Latino, Luso, Progresso, Diu, ... fechados ou estragados. O que está melhor é o Ceuta, com bilhares e tudo.




Também o meu velho Café Aviz continua muito bem. O 'prego' à Aviz era fatal.


Um dia, logo após o 25 de Abril, trouxe um suíço de barba ruiva cheio de fome a comer no Aviz. Viera ver a nossa "liberdade" vermelha. Tive de ser eu a escolher, mandei vir caldo verde, pobre homem, detestou . "Estas couves estão cruas!". Vá lá, o preguinho já lhe agradou mais, enquanto conversávamos de revolução. 

Um prego com molho de cerveja, mal imitado por outros.


Há um segredo escondido que sobrevive: o Papagaio. Em poucos sítios se come tão bem. Era raro, nesses tempos de Universidade, ter o suficiente no bolso, mas quando lá podia ir era um banquete. 


Diz-se 'churrasqueira', mas o melhor é a oferta em comida de tacho e assados. 



A poucos metros, entre as Biomédicas e a GNR, ficava a sede do TUP, um 'antro' que servia para tudo menos teatro. Nem digo mais nada.


Devo ter entrado mais vezes neste portão que no da Universidade...

Numa esquina dos Leões, a Unicepe era uma livraria instalada no 1º andar,  muito ligada ao MDP/CDU e afins, que frequentei de modo pirata - sem dinheiro, surripiava quando podia, e afogava os remorsos no consolo de estar a rapinar 'revisionistas'.

A Unicepe, no 1º andar - livros com fartura e com uma tendência.


A esquina em frente é famosa, tantas vezes lá passava a caminho da cantina de Letras. Lembro-me de uma vez a discutir com paixão que 'Legend of a Mind' dos Moody Blues era uma obra genial, incomparável, que provava o que de bom havia no capitalismo - seria impossível compô-la num regime socialista... Era o meu argumento forte contra a Rússia e a China: lá não havia uma juventude rebelde a fazer música nova. Ah ah ah, nem na Albânia.

Os azulejos da Igreja do Carmo:

São do início do século XX, mesmo assim a única coisa que disfarça o terrível e pesado rococó.



Agora atracção turística, o elétrico ronceiro e ruidoso era outra das  irritações que eu amaldiçoava. Preferia os tróleicarros, os Lancia de um e dois pisos, que chegaram nos anos 70.

Ah! modernidade.

Bem, hoje confessei alguns desvarios de juventude. Não vou dizer que tenho saudades desse tempo - credo ! - mas a memória do meu Porto também se fez disso. 

(continua)