quarta-feira, 24 de abril de 2024

Em Chester, e a ver o eclipse de 1999


Um ano antes do 2000, estivémos em Chester e também demos uma volta pelo País de Gales; tudo planeado para coincidir com o eclipse, cuja faixa de visibilidade total passava ali perto.

Mas Chester vale por si, creio que toda a gente sabe isso.

'The Rows'

São muitas e exclusivas de Chester as galerias cobertas de madeira em dois pisos nas quatro ruas principais - Northgate, Eastgate, Watergate e Upper Bridge Street. Nos tempos medievais , as Rows eram (e agora ainda são) lugar onde se faz negócio, e se come ou bebe protegido da chuva, mais frequente, e do sol. É a versão inglesa das arcadas em pedra de Bolonha ou de La Rochelle.  


Devem ter surgido a partir de 1200, a primeira menção explícita é de 1356.


Base para balcões ou tendinhas de fruta e legumes.

Uma das muitíssimas casas em enxaimel , em Bridge Street.

Eastgate Clock, ex-libris de Chester.

Ficámos alojados no Forte Heritage, de 1650. na St. John Street (agora chama-se New Blossom Hotel).


O mais interessante era a escadaria do lobby, certamente inspirada na arte de Rennie Macintosh.



Telhados, vistos do Hotel

A partir de Chester iríamos percorrer o Norte de Gales; mas antes disso havia o eclipse.

11 de Agosto, 1999

Com efeito, o dia do eclipse estava bastante nublado, ao ponto de eu recear não se ver nada. Para ter sossego e uma ampla visão, fomos para o Grosvenor Park, o jardim da cidade.



Na luz do  estranho crepúsculo, o silêncio do parque e o súbito esvoaçar dos corvos a pousar nas árvores criou uma expectativa próxima de medo de fim-do-mundo no fim de século. Mas olhando para cima, mesmo com óculos de prata, o espectáculo era grandioso, tanto mais que algumas nuvens rápidas corriam deixando o sol 'menor' sempre visível.


Cada vez mais encoberto e cada vez mais escuro.
 
Impressionante a súbita corrida dos pássaros a pousar nas árvores. Corvos, neste caso.








Por um lado foi bom, quase não usei os óculos de eclipse e as fotos sairam razoáveis. Mas é provável que tenha abusado de olhar sem protecção por alguns segundos, e daí as malfadadas lesões na retina que me deram caboda vista. A tentação foi muito grande, é assim a vida.  

E passado o eclipse o céu começou a limpar. Unbelievable.




sábado, 13 de abril de 2024

Serralves na Primavera, a Casa e os mobiles de A. Calder

Há que tempos não ia ao Museu de Serralves. Quase nunca vale a pena pelas exposições, muito menos pelas festas,  só pela Casa e jardins; mas já desde Junho passado está instalada uma exposição com mobiles de Alexander Calder, junto com alguns Miró há muito vistos, e é justamente na Casa cor-de-rosa. Adiámos, adiámos, estivémos à espera de um dia de semana livre e bonito, e assim foi. Magnífico.

Vai sem legendas.






Uns coloridos, outros negros.

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Passámos ao andar superior, pela bonita escadaria de mármore.





À saída viemos pela Casa de Chá; estava fechada, mas o terraço deslumbrante exibia também a sua arte.





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Duas queixas: uma, os acessos estão muito dificultados, piores do que da última vez; duas, os preços, muito inflacionados: 24€, com descontos máximos fica em 10€. Um museu para ricos ou turistas do Norte: mais caro que o Louisiana da Dinamarca, mais caro que o Thyssen de Madrid, só se compara a museus suíços (p. ex. Kunsthaus de Zurich, Fundação Beyeler de Basileia...), o triplo do Museu Soares dos Reis !


quarta-feira, 10 de abril de 2024

Caminhada curta no calor de Primavera

Ontem dei uma volta a pé depois de vários dias de secretária-e-sofá. Estava muito luminoso e de calor moderado como eu gosto. Tirei umas fotos para entreter a caminhada e registar esta Primavera de 2024, ano que se pressente vir a ser, bem..., horrrível !!! 

(só assim pode surpreender pela positiva)

A primeira foto é da entrada para um largo ajardinado interior, cercado pelos prédios de uma cooperativa de habitação.






Admira-me que esteja relativamente limpo e cuidado. 

Mais adiante, o pinheiro manso também florido!

E também as magnólias prometem.


Já de regresso,


Tenho à porta a Primavera ! Que sorte, sem guerra.






 

terça-feira, 2 de abril de 2024

Caleta Tortel, na costa do Pacífico a leste da ilha Wager (de má memória)

- Coisa rara aqui, uma viagem muito meridional, a 47º Sul -

Em estreia no Livro de Areia, uma visita à Patagónia Chilena. É um dos locais mais distantes da Europa, de acesso demorado, notável pela sua espantosa natureza, ora selvagem, ora repousante. 

Desde há anos, no final do séc. XX, se tornou famosa a Carretera Austral, a estrada chilena CH-7 que vai para sul o mais longe possível - até ao lago O'Higgins -, passando por algumas das paisagens fabulosas da Patagónia na região de Aysén, entre o Perito Moreno e a costa do Pacífico.

Carretera Austral CH-7 - ainda hoje nãp pavimentada.

Bordejando o rio Baker 

O final da Ruta CH-7 é por enquanto no cais lacustre de Villa O'Higgins:

Ainda nem chegamos aos 49º S de latitude. A partir daqui só continuando de barco, e pode-se navegar até ao distante Estreito de Magalhães, ou mesmo até ao temível Cabo Horn. 


Caleta Tortel fica num desvio da Carretera Austral, a sul da cidade de Cochrane, região de Aysén.

Entre o Perito Moreno e o Pacífico.

Rodeada de rio e mar (rio Baker e Golfo de  Peñas), entre encostas florestadas, o enquadramento de Tortel é fenomenal. 


O desvio para Tortel é pela estrada X-904, percorrendo a margem do grande rio Baker.

Esta ligação rodoviária só foi concluída em 2003: antes disso, o acesso só era possível de avioneta ou de barco. 

Caleta Tortel ainda está longe de ser Antártica; fica a 47º S, na foz do rio Baker, o maior rio do Chile. É de fundação recente, e tem pouco mais de 500 habitantes.

Caleta Tortel é uma aldeia palafítica, ao longo da margem esquerda do Baker.  Todas as casas são em madeira de cipreste. Não há ruas, todas as deslocações se fazem por passadiços sobre estacas e escadarias em tábuas de cipreste. 

A cor azul-turquesa das águas deve-se a sedimentos de origem glaciar.




Plataformas, pontes e escadas interligam as habitações e o cais. Há ainda algumas 'plazas' dispersas, algumas cobertas, para descanso ou lazer.

Plaza San Pedro

Plaza Elicura

São quilómetros de passadiços, uns pela margem do lago e outros mais acima , subindo ou descendo a encosta. 


Fundada há apenas algumas décadas como base para a indústria madeireira local, Tortel está rodeada de uma extensa floresta de ciprestes.

O chamado Cipreste de Las Guaitecas, endémico, é a conífera mais austral do planeta. 

Casa de la Cultura

https://www.tortel.cl/tag/casa-de-la-cultura/

Ciclos de cinema, ateliers de trabalho artesanal em madeira, têxteis, oficinas de luthier, festivais de música (clássica, folclórica) , apresentação de livros, reuniões...


Teatro de Marionetas

Subindo de Tortel ao ponto alto mais próximo, tem-se uma vista alargada da foz do rio Baker, que desagua no Pacífico entre múltiplas ilhas e ilhotas do arquipélago da Patagónia.

Em direcção ao Oceano Pacífico, para poente, encontra-se o Golfo de Peñas e o Archipiélago Guayaneco ; é um território inóspito, a Norte da entrada para o Estreito de Magalhães.


O arquipélago é formado por duas ilhas sinistras, a ilha Wager e a ilha Byron. Chuvas ou nevões torrenciais sucedem-se ao longo do ano, os mares quase permanentemente revoltos sob furiosas rajadas de ventos de oeste.

Uma costa selvagem propícia a naufrágios.

ilha Wager é uma sucessão de terras altas de barrancos. cumes e promontórios. A costa é agreste, e no interior alternam floresta, pântanos e rocha nua, canais e poços, muitos ainda mal mapeados e nunca visitados.


Numa destas praias desenrolou-se a tragédia da HMS Wager.

Mount Anson, o cume mais alto da ilha Wager.

Porque é a Ilha Wager de má memória? Porque em 1741 ali encalhou e naufragou a fragata HMS Wager, e na tragédia seguiu-se um motim dos marinheiros sobreviventes contra os oficiais do navio, história que se tornou famosa , "viral" como se diz agora, narrada em muitos artigos e livros e diversas opiniões, representada em quadros e gravuras. Fez-se também já um filme, e vai agora haver outro, de Scorcese e com Di Caprio !

O naufrágio do HMS Wager, gravura de 1809

Era o ano de 1741, a Inglaterra em guerra com a Espanha por causa do negócio na Américas, sobretudo o ouro do Peru e o tráfico de escravos; a HMS Wager foi enviada numa frota de 6 navios com a missão secreta de causar danos aos Espanhóis, em terra e no mar, tomando, afundando ou queimando todos os navios inimigos que encontrassem. 

Durante uma tempestade ao largo do Cabo Horn, perdeu-se das outras cinco e foi à deriva para Norte pela costa chilena. Tudo correu mal: de novo sob um furacão, a Wager encalhou nos mares revoltos do Golfo de Peña, os marinheiros em desespero revoltaram-se e assaltaram as reservas de comida e álcool; completamente ébrios, desataram a lutar uns contra outros enquanto o navio se desfazia e afundava. 

Os oficiais e parte da tripulação conseguiram escapulir-se nos barcos salva-vidas para a ilha de Wager, alguns como John Byron (avô do poeta) para a ilha vizinha; todos os 140 que sobreviveram ao naufrágio ficaram vários meses na ilha deserta, cada vez mais debilitados ao frio e à fome; 81 amotinados construíram uma jangada e após 100 dias em mar bravio, 29 conseguiram alcançar a costa do Brasil. Os que tinham ficado na ilha foram resgatados por indígenas que ali passaram. 

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Abundam na geografia local nomes de origem inglesa - Byron, O'Higgins, Cochrane, Fitz-Roy. Porquê ? Primeiro, foram muitas as expedições britânicas que ali passaram, ou dobrando o Cabo Horn, ou atravessando pelo Estreito de Magalhães, e aproveitavam para ir dando nome a elementos geográficos marcantes - montes, ilhas, baías e golfos, glaciares.  

Houve também a partir do séc XVIII, e mais ainda na época vitoriana entre 1810 e 1914, um grande surto de emigração britânica (mais de 50 000) para o Chile, sobretudo Valparaíso e Punta Arenas; esta povoação floresceu então como importante porto marítimo a nivel mundial para os navios que cruzavan o Estreito de Magalhães do Atlântico para o Pacífico. 

A comunidade britânica é a maior comunidade estrangeira no Chile, que fez do inglês a segunda língua no país, e deu nome a imensas famílias miscigenadas. Alguns britânicos ao serviço do império espanhol adquiriam relevância na História chlilena. Além disso, ficaram tradições como o chá, os clubes, o ténis e o cricket.

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*Militar chileno que conduziu o processo de independência do país