terça-feira, 9 de junho de 2009

Ezra Pound sobre os clássicos na América

Cantico del Sole

The thought of what America would be like
If the Classics had a wide circulation
........Troubles my sleep,
The thought of what America,
The thought of what America,
The thought of what America would be like
If the Classics had a wide circulation
........Troubles my sleep.

Nunc dimittis, now lettest thou thy servant,
Now lettest thou thy servant
........Depart in peace.

The thought of what America,
The thought of what America,
The thought of what America would be like
If the Classics had a wide circulation...
........Oh well!
........It troubles my sleep.

A ideia do que a América poderia ser se os Clássicos tivessem maior divulgação...perturba o meu sono.

com os meus agradecimentos a Carlos Pires

6 comentários:

Carlos Pires disse...

Quando, a propósito da revolução francesa e de coisas afins, alguém dizia que o povo não estava preparado para ser livre, Kant respondia (cito novamente de memória, e desconfio que estou a ser pouco rigoroso, ou pelo menos pouco literal) que sem liberdade ninguém se habitua a ser livre.
Adorava poder dizer algo semelhante relativamente ao hábito de ler livros ou de ouvir música um pouco mais elaborada que as cançonetas da moda, mas creio que para isso é preciso uma ingenuidade que não possuo.
Há quem diga que é uma questão económica: os livros são caros, etc.
Mas claro que isso é falso: em Portugal existem várias dezenas de Bibliotecas Públicas que emprestam gratuitamente inúmeras obras primas literárias, filosóficas, científicas, musicais, cinematográficas, etc. Só uma minoria vai buscá-las.
Isso perturba o meu sono (de indivíduo democrata e, embora nada esquerdista, inimigo das desigualdades excessivas), agravando a perturbação que o fascista do Ezra Pound tinha: se os padeiros gostassem de ler bons livros como poderíamos ter pão "fresco" logo de manhã?

Mário R. Gonçalves disse...

Não podemos ser todos padeiros, não podemos todos ler bons livros. Há algum bom senso na natureza do homem para que nem todos aspirem a ser geniais, ou ricos, ou filantropos. Só se pede, como Pound , uma "maior divulgação" ou "circulação", palavra mais rica e adequada, das coisas - seja o pão, seja Mahler.

E na minha humilde opinião "fascista Ezra Pound" é escusado. As coisas foram o que foram, não há que esquecer, mas rufar sempre o mesmo tambor acusatório como se fizesse parte do nome, do indivíduo, é muito injusto para mim, que não sendo fascista (?), sou bem menos que Ezra Pound.

Carlos Pires disse...

Mário:

Quando algo é verdadeiro e relevante deve-se "rufar" sempre. Quer exemplos?

No caso de Ezra Pound é certamente verdadeiro que era fascista, mas isso não é - na minha opinião - relevante para determinar o seu valor artístico e cultural.

Talvez minha expressão "o fascista do Ezra Pound" não tenha sido feliz: eu podia ter expresso a minha ideia de modo mais rigoroso e claro. Mas não me saiu.
Seja como for, o que eu queria dizer é o contrário da interpretação do Mário: não me parece que ele defenda uma maior divulgação dos clássicos. Pelo contrário, ele declara-se preocupado com os efeitos nefastos que essa divulgação podia ter: quem apreciasse ler Homero ou Kant durante horas não teria capacidade física nem paciência e disponibilidade mental para se levantar de madrugada para ir fazer pão ou trabalhar nas obras. Isto é: Ezra Pound defende que a sociedade tem de ser desigual para funcionar.
Por isso utilizei a expressão "fascista": eu não sou fascista e não consigo negar a necessidade da desigualdade, eu também não consigo imaginar um mundo em que "os clássicos tivessem uma maior divulgação na América" - mas eu não gosto de desigualdades, ou melhor, não gosto de desigualdades excessivas.
E isso perturba o meu sono!

Cumprimentos.

Mário R. Gonçalves disse...

Carlos: pelos vistos, concordamos em tudo menos na interpretação do poema. E claro que tenho dificuldade em rebater a sua. Quando o citou, entusiasmei-me em publicá-lo porque gosto muito dele, e não me parece nada fascista. Pound escreveu-o em resposta a um juiz que pronunciou numa sentença que "a obscenidade se podia tolerar nos clássicos - e não nos contemporaneos! - porque eles eram lidos por muito pouca gente", uma élite. O poema de Pound é em parte irónico, troçando do juíz e substituindo "pornografia" por "clássicos" - e aí está o golpe de génio. Ao juiz, tirava-lhe o sono que a pornografia tivesse maior circulação...

A sua interpretação parece-me por isso prejudicada pelo epíteto do "fascista" Ezra Pound: o que perturba o sono de Pound, na minha humilde opinião, não é que todos se ponham a ler clássicos e deixem de fazer pão (seria de facto de um fascismo grosseiro); "troubles my sleep" é sim uma ironia sobre a incomodidade de uma América diferente onde a cultura clássica fosse valorizada em larga escala.

Carlos Pires disse...

Mário:

Não conhecia esses factos.

Uma questão interessante de filosofia da arte (mas para a qual não conheço respostas muito qualificadas, por falta de leituras ed e relexão na área) é:

ao interpretar uma obra de arte devemos considerá-la apenas em si mesma ou devemos também, caso isso seja possível, ter em conta informações biográficas do autor relacionadas com a sua concepção?

Uma questão próxima, mas não equivalente:
a opinião do próprio autor sobre a obra será necessariamente mais qualificada que a das outras pessoas?
Não poderá suceder que um autor entenda pior a sua obra que alguns dos seus contempladores?

cumprimentos

Mário R. Gonçalves disse...

Carlos:
Isso é muito complicado, não me atrevo a abordar uma questão dessas...provavelmente leva por caminhos ambíguos e perigosos onde a subjectividade e a ideologia de cada um pesa excessivamente.

Gostei muito da sua participação, obrigado!

Mário