O Corvo traz a Luz
Há muito tempo, quando o mundo nasceu, fazia sempre noite no Norte onde os Inuit vivem. Pensavam que fazia noite em todo o mundo até que um velho Corvo lhes falou da Luz do Dia e de que a tinha visto nas suas longas viagens. Quanto mais ouviam sobre a Luz do Dia e como era linda, mais as pessoas a desejavam.
“Podíamos caçar mais longe e durante mais tempo”, diziam. “Podíamos ver os ursos polares e fugir antes que nos ataquem”. E suplicaram ao corvo que lhes fosse buscar Luz do Dia, mas ele não queria. “ É longe e estou velho para tão grande viagem”. Mas tanto insistiram que ele acabou por aceitar.
Bateu as asas e lançou-se no escuridão do céu, para Leste. Voou até as asas se cansarem. Estava quase a fazer meia volta quando viu uma ténue claridade ao longe. “Finalmente, luz do dia”. Aos poucos a claridade foi-se tornando mais intensa até todo o céu se iluminar e se poder ver o mundo a toda a volta, e ver longe, muito longe. A luz do dia irrompeu com toda o seu brilho e glória.
As infinitas tonalidades de cor e a variedade de formas maravilhavam os seus olhos de espanto. Até que, exausto, pousou numa árvore perto de uma aldeia, para descansar. Por cima, o céu azul sem fim, as nuvens fofas e brancas...
Fazia muito frio. Quando finalmente baixou os olhos, viu, num rio próximo, a filha do chefe da aldeia que enchia o balde na água gélida e já se preparva para regressar. O Corvo transformou-se num grão de poeira e, quando ela passava sob a árvore, deixou-se cair no seu casaco de pele.
De volta à casa de gelo do pai, levou-o com ela. Dentro havia luz e calor. O Corvo observou e viu umas caixas que luziam num canto da casa. A rapariga tirou o casaco e o grão de poeira foi pairando até ao neto do Chefe, que brincava no chão. Flutuou até à orelha do menino, que começou a chorar.
“Que se passa? Porque choras?” perguntou o chefe, sentado junto à fogueira. “ Diz-lhe que queres brincar com uma bola de Luz”, sussurrou a poeira na ouvido. O chefe queria ver o neto favorito contente, por isso pediu à filha que lhe fosse buscar a caixa de bolas de Luz. Quando lha entregou, o chefe abriu e escolheu uma pequena bola, enrolou uma corda nela e deu-a ao neto, que riu de contente, balouçando a bola de Luz e Côr pendurada na corda. O grão de poeira voltou a fazer cócegas na orelha do menino, fazendo-o chorar.
“Então, que foi? ” perguntou o chefe. “Diz-lhe que queres ir brincar lá para fora”, sussurrou o Corvo. Assim fez, e foram para fora brincar na neve. Mas assim que saíram, o grão de poeira retomou a forma de Corvo; mergulhou em voo para a mão da criança e tirou-lhe com as garras a bola de Luz, agarrando-a pela corda, e voou para Oeste, com a bola pendurada atrás.
Quando chegou à terra Inuit, as pessoas viram chegar uma Luz no céu escuro e vieram todas para fora, em alarido; o Corvo largou a corda, a bola caiu ao chão e partiu-se em estilhaços. A Luz escapou-se, inundou todas as casas e no céu escuro fez-se um dia luminoso.
As pessoas olhavam admiradas: “Podemos ver tudo à volta! E olhem como o céu está azul, e as montanhas escuras agora brilham, lá ao longe”. Agradeceram ao Corvo, que avisou: “ Só pude trazer uma bola de Luz pequena, que precisa de ganhar forças de vez em quando. Por isso só terão dia metade do ano!”.
E assim no Norte há luz do dia em metade do ano, noite na outra metade. E é preciso tratar bem o Corvo, não vá ele levar a bola embora...
Nota; o Corvo é para os povos do ártico um animal com atributos sobrehumanos, meio deus meio homem.(tradicional Inuit; tradução do inglês minha)
3 comentários:
Se o corvo tivesse voado para sul talvez tivesse encontrado os seus irmãos de Lisboa. Mas poderia também ter encontrado alguém que lhe vendesse uma bola marada e os Inuit teriam luz só duas horas por dia mesmo em pleno Verão árctico ;-)
Olá Gi,
mas é bonito o entusiasmo pela luz, pela cor, pelas formas, pelo sol...não é um dado adquirido, é uma dádiva que se recebe e pela qual se está grato...
Há aliás umas "Bolas esquimós" que tento encontrar, em vão; são de pele, colorida, muito bonitas. Tentam simbolizar o Sol.
Sabe, sou fã absoluto do ártico...
Já dei por isso, Mário :-)
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