sábado, 10 de maio de 2014

Abandono, segundo Lawrence Durrell




(...) decidi passar os próximos anos neste lugar deserto - neste promontório queimado pelo sol. Rodeado de história por todos os lados, só esta ilha se conserva livre de qualquer referência. Jamais foi mencionada nos anais da raça que a possui. O seu passado histórico foi refundido, não no tempo, mas no espaço - não existem nem templos, nem túmulos, nem anfiteatros para corromper as ideias com as suas falsas comparações. Um renque de embarcações pintadas, um porto abrigado atrás das colinas, e uma pequena cidade abandonada pela negligência dos homens. É tudo.
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Nestas tardes de inverno, as vagas desencadeadas escalam a falésia e invadem os bosques de plátanos gigantes e selvagens onde costumo passear, uivando um calão brutal e inesperado, inundando e abalando os troncos.

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Lá em cima, no céu, correm estrelas à desfilada. Antares, perdida naquela poeirada de nuvens (...) Abandonados os livros dóceis, os amigos complacentes, as salas iluminadas, as chaminés propícias às longas discussões, todo o universo civilizado (...)



L. Durrell, Justine (Vol I do Quarteto de Alexandria)


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Engraçado, é longe da feia e suja clausura de Alexandria que Durrell escreve algumas das melhores páginas. No regresso, em 'Clea' (vol. 4) ainda parece poder haver uma redenção: mas não, é mesmo a repelente cidade árabe de volta, com o estafado circuito do amor-sarjeta.

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