- breve interrupção nas reportagens da Bretanha -
Quase sempre escrevo a dar conta do que gosto; desta vez, digo que não gostei de duas experiências recentes, uma literária, outra musical.
Começo por esta: 'Comme un chant d'espérance', de Jean d'Ormesson; começa lindamente com uma descrição do Big Bang em linguagem quase poética, e continua com ideias refrescantes - tanto do ponto de vista estético como racional - sobre o tudo e o nada, o espaço e o tempo, a luz - talvez das melhores páginas -, o acaso e a necessidade, a narrativa do universo ou o caos, e finalmente sobre o pensamento, defendendo - concordo ! - que o pensamento foi a maior novidade, o maior salto qualitativo, o maior 'golpe de génio' da criação desde o Big Bang, mudou a perspectiva de sujeito (submisso) para sujeito (primeira pessoa, actor). Depois Ormesson estraga tudo quando destas noções, dialécticas e abordagens tira a conclusão de que Deus é o que falta para tudo explicar, tudo integrar, tudo perspectivar e finalmente dar esperança de futuro. Deus é o tudo e o nada, o espaço e o tempo, gere o acaso e a necessidade, fez a luz e o pensamento... ora bolas. Que desfecho mais frustrante. O senhor Ormesson parecia inteligente e lúcido, tem direito à sua fé, claro, mas escusava de pretender deduzir Deus das lacunas de todo o conhecimento científico, e particularmente cosmológico, que os homens contruíram. Enfim. De canto de esperança estamos conversados.
Para mais, e acho que não estou a ser tendencioso, a qualidade da escrita, a própria criatividade linguística, cai aos trambolhões assim que Deus entra no texto, na 'narrativa' a que inadequadamente Ormesson chama "romance".
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E não gostei da maneira como Ricardo Chailly interpretou as Sinfonias de Brahms no novo CD da Decca. Depois do ciclo de Beethoven, esplêndido, de referência mesmo, tinha alguma expectativa, embora me parecesse difícil superar o Brahms de David Zinman com a Tonhalle de Zurique. Pois ficou muito aquém, na vulgaridade mesmo, às vezes arrastado, chato, sem cores nem vitalidade, sem marca pessoal. Com a Gewandhaus é difícil fazer pior. Kurt Masur, por exemplo, fez melhor. Espera-se agora Thielemann com a Staatskapelle. Até lá volto a Zinman, portanto, o último grande reinventor, :) .
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Quanto a leituras, vou dedicar-me ao ligeiro 'Dans les forêts de Sibérie', e retiro-me para uma cabana junto ao lago Baikal, com a taiga e as águas cristalinas por companhia. Nos intervalos leio poemas da compilação 'Ice' que coloquei como livro de cabeceira aqui à direita. Correm no leitor hifi a flauta de Pahud, concertos de Haydn, de CPE Bach, um Schubert revelatório por Thomas Dausgaard, e um já 'antigo' Mozart por C. Zacharias e Zinman.
[ entretanto estou a tentar um post dobre Dinan, que não há maneira de sair bem]
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4 comentários:
Sendo assim... Adeus Jean d'Ormesson!
Não me importo de ler Teologia, mas massa-me quando vão buscar uma coisa para justificar outra. A fé não serve a Ciência, nem a Ciência serve a Fé. Pode inspirar, mas, inspiração por inspiração, tenho uma biografia de Einstein por ler há muito.
Que as próximas leituras o compensem. Não há nada pior do que ir perdendo o sorriso enquanto se lê o mesmo livro.
Verdade, humming. Por este caminho, não tarda volto a clássicos.
(Tudo me indica que o novo Saramago é um barrete imenso, mais uma obra sem dimensões, linear e pobre, mas veja só a promoção laudatória que por aí vai, obra prima, obra prima. Nem os livros escapam à espuma de nulidade mediática. Depois admirem-se que o QI esteja em regressão)
Não suporto Saramago, bloqueio tudo o que tenha esse nome, ao ponto de nem estar a par do lançamento da tal obra prima. Quase, quase que sei do que o Mário fala. Mas se tudo correr bem, essa obra estará entre o "é o leco leco" e o "assim você me mata". Sei que existe, os interstícios por onde me esquivo são estreitos, mas com esforço hei-de conseguir escapar.
Desde a última obra, o povo já frequentou cinco casas dos segredos. Está mais do que preparado para despachar as prendas de Natal com um novo item de coltora naçional.
Boa, humming, é isso mesmo.
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