domingo, 26 de outubro de 2014

Outras Geometrias: O 5º de Euclides e a queda dos meteoros.


Outro tema já por de mais debatido, mas que sempre gostei de abordar pela potencialidade de abrir 'janelas' sobre outros mundos...

Os Elementos de Euclides, que o matemático grego escreveu em Alexandria cerca de 300 a.C., foram o primeiro texto de Geometria sistemático e com argumentação dedutiva. O sistema consistia em provar todos os teoremas a partir de um restrito número de postulados ou axiomas. Euclides edificou a Geometria sobre os alicerces de 5 postulados. Durante séculos, a sua geometria foi aceite como Verdade absoluta e definitiva. Até que...

Postulado nº5  (enunciado de Playfair):
Dada uma recta e um ponto exterior, só é possível traçar uma única linha recta por esse ponto que nunca encontre a primeira, por mais que se prolongue.


O próprio Euclides não devia estar satisfeito com este seu 5º postulado. Raramente o usava, durante as primeiras 28 proposições conseguiu evitá-lo. Os matemáticos gregos que lhe sucederam também não estavam satisfeitos, diziam que era complicado e que mais parecia um teorema, exigindo portanto demonstração.

E se tentaram demonstrá-lo. Tentaram, voltaram a tentar, séculos a fio, até ao século XVIII. Muitos, exultantes, julgaram tê-lo demonstrado, mas mais tarde ou mais cedo eram desmentidos – de facto, os melhores não faziam mais do que substituir o postulado de Euclides por outro igualmente problemático.

Mas estas tentativas trouxeram algo de novo e interessante: mostraram que o 5º postulado era equivalente a um qualquer destes três outros:

1. A soma dos ângulos de um triângulo é igual a um ângulo raso (180º)     

2. O ‘ratio’ da circunferência para o seu diãmetro é uma constante (π), independentemente  das suas dimensões.

3. O ‘Teorema de Pitágoras’ sobre triângulos rectângulos.                     

Incrível, não é ? Não parece ter nada a ver…

Desde o século XIX sabe-se que a geomeria de Euclides só se aplica a um espaço plano. Simplificando, a superfície de um lago gelado. Se lançarmos um berlinde, contamos que ele siga uma linha recta (supondo que não há atrito). A linha recta é a mais curta distância entre dois pontos, indiferentemente da direcção em que seja feito o lançamento.

Mas vivemos em três dimensões de espaço. Será ainda plano? Que sucede se, segurando na mão um berlinde, o lançar em frente? A linha recta rapidamente se curva para baixo - a bolinha cai. A mais 'curta' distância, a que não precisa de fornecimento de energia após o lançamento,  é o trajecto de queda . O espaço tridimensional não é plano, é encurvado para o centro da Terra. Esta é uma direcção privilegiada sobre as outras: se largar um objecto, ele não segue indiferentemente para a esquerda, direita, cima ou baixo, mas sim uma vertical de queda. Para seguir 'a direito' num espaço curvo será necessária uma fonte de energia de propulsão.

Da mesma forma, se numa folha plana os ãngulos do triângulo somam 180º, já sobre a superfície curva da Terra não é assim. A soma é sempre maior, os lados do triângulo são linhas encurvadas, arcos, cujo centro é o centro da Terra.
Um triângulo tem dois ângulos rectos - só estes já somam 180º.

O campo gravitacional da Terra é tão fraco (embora uma queda possa ser fatal !) que não se conseguem medir alterações à geometria Euclidiana à nossa volta: as diferenças no Teorema de Pitágoras ou na soma dos ângulos de um triângulo são indetectáveis. Já não seria assim na vizinhança do Sol, por exemplo.

Foram Gauss, Lobatchevski e Riemann, no séc. XIX, os matemáticos que mais se distinguiram na discussão e criação de geometrias ditas não-euclidianas. Três modelos surjiram, com curvaturas respectivamente positiva, nula ou negativa.

À curvatura nula corresponde o modelo plano de Euclides.

À curvatura positiva corresponde um espaço encurvado para "dentro", como a superfície de uma esfera - chama-se espaço esférico.
Neste caso, um triângulo tem dois ângulos rectos mais um agudo, ultrapassando os 180º.

À curvatura negativa corresponde algo mais estranho, um espaço encurvado para "fora", cuja imagem mais simples é algo como a sela de cavalo; chama-se espaço hiperbólico.

Neste caso, a soma no triângulo não chega a 180º.


Em vez de postulado ou axioma, o enuncidao de Euclides é uma definição - define em que modelo de espaço estamos a trabalhar.


No espaço eulidiano, é válido o postulado nº5; no espaço esférico, não há rectas paralelas, todas as rectas se encontram; no espaço hiperbólico, há uma infinidade de rectas paralelas a r pelo ponto P.

Ora a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, de 1916, justamente provou que o espaço é deformado por qualquer corpo material, na proporção da sua massa. O nosso planeta, por exemplo, deforma o espaço à volta como se fosse uma bola de chumbo sobre uma rede:


Esta deformação é que explica a gravidade que sentimos, a atracção sobre a Lua, os satélites e a ISS, porque não podemos caminhar sobre as ondas... a queda dos meteoros... ou a velocidade mínima de escape necessária para os foguetes não caírem de volta após o lançamento...

O espaço tem uma (pequena) deformação que se faz notar por estes efeitos. Tudo a três dimensões, claro, a imagem acima é falsa apenas porque a rede que faz de espaço tem só 2 dimensões.  É um desafio à imaginação perceber a imagem mais conforme à realidade, a 3D:



Questão final: e o Universo, no seu todo, é um espaço plano? Ou tem curvatura, positiva, ou negativa?

No estado actual da Cosmologia, não há resposta definitiva. Tudo indica que a curvatura será muito pequena - próxima de zero ou ligeiramente positiva.

Se for zero, uma nave que parta da Terra mantendo a direcção segue indefinidamente a rota; se for positiva, o Universo segue o modelo esférico, portanto a nave dá-lhe a volta e num dia longínquo, mesmo muito longínquo, voltará ao ponto de partida. Se ainda existir.


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links
http://h2g2.com/edited_entry/A3251693
http://www.einstein-online.info/spotlights/geometry_force

1 comentário:

Anónimo disse...

Máriamigo

De Matemática, Geometria et aliud eu só sei que... nada sei, que me perdoe o Sócrates grego. Ainda me consigo recordar que "A soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa." E pouco, muito pouco mais.

Mas quando ouço apostrofar o ministro (???) Crato fico mais satisfeito. Também eu acreditei que ele seria outra coisa; por isso, agora, nem vê-lo.

De resto. e sem necessidade de recorrer à Matemática, tenho de te dizer que sou absolutamente contra este (des)Governo que nos rouba quotidianamente.

Assim sendo vou voltar por aqui sempre que tenha possibilidade de o fazer. E já te sigo; e vou colocar-te nos meus BLOGUES MAIS FIXES na Minha Travessa. Vai pr lá e reciproca-me...

Abç