quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Das muralhas de Saint-Malo


Volto à minha última viagem para encerrar com um cheirinho da cidade malouina.

Construída ao longo dos séculos sobre uma ilhota rochosa junto à costa, fortaleza e porto de partida de navegadores, aventureiros, corsários, mercadores e pescadores, Saint-Malo é em França a  capital do mar.


No século XVI, o porto de Saint-Malo comerciava por todo o mar do Norte e Báltico, e pelo Atlântico até Espanha e mesmo Itália. Trigo para a Ibéria, vinho e sal para Inglaterra, tecidos finos para o norte da Europa. Os marinheiros-comerciantes bretões eram bem conhecidos em todo o ocidente europeu.

Procurando uma alternativa à rota de África, os navegadores e exploradores locais tentam a passagem do Noroeste; não conseguem, mas, entre 1534 e 1542, Jacques Cartier inaugura e revisita a rota da Terra Nova e 'descobre' o Canadá, quase desconhecido até então.

O Bastion de la Hollande, um dos mais bonitos troços da muralha.

A prosperidade de Saint-Malo cresce prodigiosamente nos séculos XVII e XVIII: navegadores e mercadores bretões embarcam para as Índias, as Américas, China, e trazem algodão e café; o maior inimigo é a Holanda, com quem a França está em guerra; os navios corsários malouinos são temíveis para ingleses e holandeses que naveguem na Mancha. E entretanto começa a epopeia de pesca na Terra Nova.

O entardecer é a hora ideal para a 'promenade des remparts´.

A primeira cerca, datando do século XII, ruíu num grande incêndio (la Grande Brulerie) em 1661. Nos anos seguintes do séc XVII, Vauban faz construir, em 4 etapas, uma cada vez maior cintura de pedra, com altura e espessura supostamente inexpugnáveis, abundantemente fornecida de canhões. Cada ilhota junto à costa é também artilhada e fortificada como "sentinela" da cidade.

Os ingleses, a quem não agradava nem a concorrência com os seus portos nem a frota corsária que lhes punha em perigo o comércio marítimo, por várias vezes tentam a conquista, e falham sempre. A última tentativa, em 1693, consistiu em atirar um navio recheado de explosivos e ferragens contra a muralha; fracassou por pouco.

Também o mar se lança ao assalto da muralha todos os invernos. Sem ela, a cidade já teria sido várias vezes inundada.

Depois da Revolução, Saint-Malo perde as rotas comerciais, e o esforço marítimo e naval passa quase todo para a pesca na Terra Nova. Mas o verdadeiro desastre é o final da 2ª Grande Guerra: em 1944 os alemães entricheiram-se no "intra-muros" com ordem de resistir até ao último, os americanos bombardeiam em força e à toa destruindo mais de metade da cidade. Depois da libertação, Saint-Malo acorda em ruínas.

O casario foi restaurado com preocupação de reproduzir a traça original.

A famosa Plage du Bon Secours, ao fundo da muralha poente.

Quando a maré permite, é assim. Nas tempestades com maré alta, desaparece, as ondas varrem a rampa de pedra.

Um sítio mágico, a olhar para o Atlántico profundo.

Un Muscadet, s.v.p.

Os torreões do castelo, na parte Norte, frente ao areal. Junto à muralha, uma parte da paliçada erguida contra as ondas das grandes marés sob tempestade. Frágil obstáculo.

Vista sobre a Plage de l'Éventail, na parte Norte, bonito areal de passeio mas só na maré baixa.

A obrigatória crêperie da muralha.


Das muralhas de Saint- Malo, o mar estende-se a perder de vista.



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Impressionante: a grande maré de Março 2014 a embater contra a muralha. As pancadas das ondas, aterradoras à noite, ouvem-se em toda a cidade.

2 comentários:

Gi disse...

Grande maluco quem filmou essa maré!
Eu gostaria de a ver, mas num ponto bem mais alto.

Mário R. Gonçalves disse...

Pelo que vi em youtubes, é uma multidão que sai à rua com as ondas gigantes a rebentar a dois passos. Apanham enormes chuveiros mas confiam nos muros, até um dia.

Mas quem é que hoje em dia ergueria muros de 15 metros contra o mar ? E que rsistissem outros 300 anos ?