quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Uma Carta de Newton



Excertos de "The Newton Letter" de John Banville, cuja (2ª) leitura terminei agora.

" In moments like that you can feel memory gathering its material, beady-eyed and voracious, like a demented photographer. I don’t mean the big scenes, the sunsets and car crashes. I mean the creased black-and-white snaps taken in a bad light, with a lop-sided horizon and that smudged thumb-print in the foreground. Such are the pictures of Charlotte, in my mind. In the best of them she is not present at all, someone jogged my elbow, or the film was faulty. Or perhaps she was present and has withdrawn, with a pained smile. Only her glow remains. Here is an empty chair in rain-light, cut flowers on a workbench, an open window with lightning flickering distantly in the dark. Her absence throbs in these views more powerfully, more poignantly than any presence."

Em momentos assim podemos sentir a memória recolhendo o seu material, de olhos brilhantes, voraz, como um fotógrafo demente. Não me refiro às grandes cenas, os pores-de-sol e os acidentes de carro. Refiro-me aos preto-e-brancos tirados com uma luz fraca, com o horizonte inclinado e aquela esborratada impressão digital do polegar em primeiro plano. Assim são as imagens de Charlotte que recordo. Nas melhores, ela nem está sequer presente, alguém me tocou no cotovelo ou o filme estava com defeito. Ou talvez ela tivesse estado presente mas retirou-se, com um sorriso dorido. Apenas a luz dela permanece. Aqui está uma cadeira vazia à luz da chuva, flores cortadas numa banca, uma janela aberta com relâmpagos piscando ao longe na escuridão. A ausência dela pulsa nestas visões mais poderosa, mais pungente do que qualquer presença.



" When I search for the words to describe her I can’t find them. Such words don’t exist. They would need to be no more than forms of intent, balanced on the brink of saying, another version of silence. Every mention I make of her is a failure. Even when I say just her name it sounds like an exaggeration. When I write it down it seems impossibly swollen, as if my pen had slipped eight or nine redundant letters into it. Her physical presence itself seemed overdone, a clumsy representation of the essential she. That essence was only to be glimpsed obliquely, on the outer edge of vision, an image always there and always fleeting, like the afterglow of a bright light on the retina."

Quando eu procuro palavras para a descrever não posso encontrá-las. Tais palavras não existem. Precisavam de ser não mais do que formas de intenção, hesitando no limiar de ser ditas, outra versão do silêncio. Cada menção que faço dela é um fracasso. Mesmo quando digo só o nome dela já soa exagerado. Quando escrevo parece absurdamente inchado, como se minha caneta tivesse derrapado nele mais oito ou nove letras redundantes. A própria presença física dela parecia demasiada, uma representação desajeitada da sua essência. Essa essência era para ser apenas vislumbrada obliquamente, na margem externa da visão, uma imagem sempre lá e sempre fugaz, como o resplendor de uma luz brilhante na retina.

[traduções minhas]

Um jovem académico retira-se numa casa de campo para escrever um ensaio sobre Newton, baseado nas cartas que ele escreveu. Mas a família que lhe aluga a casa acaba por interferir de forma inesperada, alterando-lhe os planos e a perspectiva do mundo.
Desta obra foi feito um filme, com argumento do próprio Banville e um magnífico cast de actores, que não se encontra editado excepto no Youtube, em 4 episódios:

https://www.youtube.com/playlist?list=PLlhrHKnwMEBchR9h5LZTJ8eBrtLKkEy13

Apesar da fraca qualidade de imagem, também no filme perpassa a nostalgia evocativa típica do autor, embora aqui sem o habitual desfecho trágico.

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