sexta-feira, 22 de maio de 2015
Delenda est Palmyra
Foi preciso esperar vinte séculos para que a barbárie se invertesse. É de certa maneira a vingança de Cartago. Os novos bárbaros, cansados de matar pessoas para nada, descobriram que a cultura preza mais as pedras da História do que as vidas deste ou daquele lado da guerra, que as razias contra o património construído doem mais que as balas contra peitos humanos.
Estranha civilização, que dá mais valor às pedras que aos vivos. E contra mim falo: porque tendo a lamentar tanto a morte da romana Palmyra, e pouco me diz mais um ou menos um guerrilheiro abatido? Ou mesmo civil ? Já nem é notícia...
A bela Palmyra foi construída por uma multidão de escravos maltratados e serviu de estância de luxo ao que hoje chamaríamos uma corja de patifes romanos, invasores e imperialistas; pior, fartaram-se de matar nativos, que se defendiam legitimamente. Como é bela, contudo, a Palmyra que nos chegou numa elegância arruinada, numa memória esplendorosa de calhaus alinhados, no testemunho mudo dos gritos e risadas que soavam no Teatro.
Lamento a helenística, a romana Palmyra, terei saudades, talvez chore. Não lamento nem terei saudades de Abdul ou Yasmin, de Palmyra, derrubados em combate. Alguém me ajuda ? Não vejo saída deste dilema.
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5 comentários:
Muito gostaria de lhe ser de algum préstimo mas sofro do mesmo mal e angustio-me com os mesmos problemas de consciência: o de me tocarem mais as pedras que as pessoas. Já assim tinha sido com as estátuas do Afeganistão.
Mas julgo perceber o porquê. É que aquelas pedras somos nós. Choramos porque sabemos que é por nós que os sinos dobram.
Somos nós, sim, tem razão.
Mas ainda não dou pelo toque dobrado. Não, ainda não. Temos mais vidas que eles.
Eu choro o património da Humanidade que perdemos e nunca verei.
Mas também me doem as quatrocentas mulheres e crianças que parece que os selvagens mataram em Palmyra.
Está em curso uma estranha guerra mundial, com centenas ou milhares de mortos por dia, espalhados por África, Arábia e Ásia menor. Localmente parecem guerras civis, ou étnicas, mas depois também entra em cena a coligação a bombardear, ou o país vizinho a invadir.
Distinguir o lado bom do lado mau é praticamente impossível. Saber quem são as vítimas "civis" inocentes é cada vez mais difícil.
Na Síria, já todos são cúmplices. Tanto o miúdo com Kalashnikov como a mãe dele apoiam o pai que anda de jeep/SUV com os outros. Se quiser chorar pelas mulheres, Gi, terei de chorar pelos pais e pelos maridos.
Isto sabendo bem, claro, como os homens as tratam selvaticamente.
Uma estranha guerra mundial... Sim, tem razão, Mário. O mundo está todo muito estranho. Não se parece com nada que eu conheça da História. Talvez os antigos Romanos se sentissem assim nas vésperas da queda do império.
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