Foi o ponto mais emocionante da minha estada em Roma. Já escrevi sobre as dificuldades em dar com o sítio arqueológico, muito mal sinalizado; mas a tarde que lá passei até à hora de fecho foi inesquecível, a devanear por praças e ruas de uma cidade com quase dois milénios que se sabe, ou se fantasia, fervilhante de gente e actividade quando era um porto na foz do Tibre. Agora, há uma beleza mágica, um encantamento particular nas pedras cor de barro e nas estátuas e colunas re-esculpidas pelo tempo entre as copas verdes do arvoredo.
Além do que se vê, o que se adivinha
Durante a República, Roma utilizava portos mais a sul, na zona de Nápoles, e o transporte fazia-se por terra, lento e inseguro sob a ameça de bandos assaltantes. Ostia era então um pequeno cais que apenas permitia o transvaze de mercadorias dos navios maiores para barcaças que subiam o Tibre. A República não tinha engenharia nem finanças à altura da obra enorme que se impunha. Júlio Cesar foi ainda assim o primeiro a decidir investir em força na criação de um porto bem dimensionado, mas as guerras e a instabilidade no fim da República e sob os primeiros imperadores adiaram o início da obra. No séc. I, Calígula implementou o projecto, e depois Cláudio deu-lhe um bom avanço entre 42 e 46 (muros, ilha do farol, canal), mas também não concluiu: o esforço era colossal até para a capital do Império.
Roma chegaria ao milhão de habitantes sob Nero, era então a única metrópole do ocidente, e foi Nero quem triunfalmente conseguiu concluir a primeira fase da obra; até imprimiu moeda para alargar a celebração a todo o Império ! O novo porto ficaria contudo conhecido como "O Porto de Cláudio": foi dragado o fundo marinho e foram concluídos os paredões e uma ilha artificial com torre de farol. Em 62, uma tempestade afundou centenas de navios - faltava abrigo contra os fortes ventos da costa.
Só com o visionário Trajano, 40 anos depois, em 64 D.C., o porto iria adquirir a desejada dimensão e funcionalidade.
Trajano criou um sistema portuário avançado: a doca, o engenhoso porto interior abrigado, hexagonal, e o canal Fiumicino de ligação ao Tibre.
Gravura do séc XVII, "Utriusque portus Ostiae delineatio".
A torre do farol, tal como a de Alexandria, assentava numa ilha artificial: para a sustentar, afundou-se, carregado de pedras, o enorme navio que tinha trazido o Obelisco do Egito.
A partir de Trajano, e durante os primeiros três séculos do Império, Ostia cresceu em templos, termas, armazéns, tabernas e necrópoles, Teatro e Forum. Com o grande Adriano teve ainda um segundo fôlego: reconstrução de bairros mediante um plano urbano, melhoramento do Teatro, construção do Capitólio, decoração de mosaicos, ampliação das várias termas, tudo para tornar Ostia uma cidade agradável de frequentar. Contava então com 50 000 habitantes, entre armadores, marinheiros, comerciantes, artesãos e funcionários. Tornou-se um centro urbano e comercial importante, que já não dependia apenas do porto.
A entrada faz-se por uma 'larga' via romana que atravessa a cidade no sentido este-oeste, direitinha ao Forum:
O Decumanus maximus era a via principal, com largura suficiente para permitir dois sentidos de trânsito, e onde desaguavam múltiplas transversais.
O início, a leste.
Passagem pelas Termas de Neptuno.
Termas de Neptuno
As mais antigas termas, à entrada da cidade, com um excelente pavimento de mosaico preto e branco.
Mosaico de Neptuno recentemente "lavado" (detalhe).
Logo a seguir, o Teatro Romano.
Que emoção !
Iniciado no 1º século, sob Augusto, o actual Teatro data de finais do século II, quando reinavam Septimio Severo e Caracala, que o ampliaram para 4000 pessoas.
As Máscaras do Teatro.
Em frente ao Teatro, a Praça das Corporações, lugar de negócio intenso onde conviviam gentes e mercadorias das regiões e cidades com que Roma comerciava.
Nas ruas transversais instalava-se o comércio local - lojas, aramazéns e tabernas.
Aqui, no centro da povoação, havia padarias e tabernas de comidas quentes e bebidas.
A Caupona (bar) de Fortunatus, que devia ser muito movimentado, até 'balcão de bar' tinha.
Dolia, grandes vasos em barro onde se conservavan óleos, vinho, cereais e uvas, mas eram também utilizados no jardim, enterrados, para cultivo de plantas.
E espaços menos nobres também...
A Norte o Capitólio, de cerca de 120 D.C., do reinado de Adriano.
A Sul, o vasto campo do Forum com uma Basílica e outros templos.
As Termas do Forum, talvez os maiores banhos de Ostia.
Frigidarium das Termas. A construção do complexo começou em 160, mas foi sucessivamente ampliado até finais do séc IV.
Fim da tarde, as sombras de pinheiros e ciprestes ajudam à magia.
A Casa de Amor (Cupido) e Psiché
Talvez a imagem mais conhecida. Inesperado e lindíssimo.
O original está guardado no pequeno museu.
No regresso, um olhar mais demorado aos mosaicos nas Termas de Neptuno:
Golfinho
Ostia entraria em declínio nos finais do século III, quando terramotos e tsunamis arruinaram o povoado, que já sofria o caos que reinava em Roma; cessado o comércio, os armazéns cada vea mais vazios e abandonados, poucos navios capazes de navegar, a população debandava. Conflitos entre os habitantes devido ao crescente Cristianismo ainda pioravam as coisas, e a cidade estava desgovernada.
Com Constantino, Ostia teve um breve renascimento cristão no séc. IV, ajudada pelo comércio de grão com o Egipto, e tornou-se lugar de boas casas de vilegiatura para alguns romanos. Mas houve cheias no Tibre, com inundações, e vieram os saques dos Godos e Hunos, que obrigaram a reduzida população a refugiar-se no Teatro, transformado em fortaleza.
Na Idade Média, o terreno tinha-se transformado num pântano e a malária grassava. No século XI, Ostia era uma ruína insalubre.
O porto, em mosaico.
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Muito mais havia para ver, muito mais para referir. Uma fonte exaustiva, rica em documentos: http://www.ostia-antica.org/
Num post a publicar em breve tenciono mostrar desenhos de especialistas representando com máxima probabilidade como teriam sido os edifícios e as ruas de Ostia Antica.
1 comentário:
Muito bom !!!
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