segunda-feira, 9 de novembro de 2015

«Il n'y a plus d'après», ou o Fim da História segundo Régis Debray


Em dia de celebrar a queda do Muro de Berlim, começo por recordar três obreiros do desmoronamento do modelo soviético:



Podem ter muitos defeitos, mas tiveram a visão estratégica planetária que hoje falta e mudaram o mundo para melhor.

O livro de pensamento político mais marcante, talvez, do séc. XXI é até agora o de Francis Fukuyama (*), onde o autor prenuncia o fim da dialéctica social, da luta de classes, dos modelos utópicos de sociedade e do antagonismo esquerda/direita. Democracias e umas poucas ditaduras ainda poderão acontecer, mas não mais utopias socio-económicas, derrotadas 'para sempre' pelo paradigma demo-liberal. Estamos a viver tudo isso com cada vez maior clareza.

O modelo tradicional de empresa começa a dar lugar a tentativas de uma espécie de cooperativa de empresários. Está em fase de testes um camião TIR alemão sem condutor : é isso mesmo que aí vem - a robotização dos serviços. Esquerda e direita também se mostram enoveladas e indestrinçáveis, como mostra o Syriza, falhada a 'utopia', a implementar cortes e aumentos de impostos; como mostra o Papa a pregar tolerância para com os costumes liberais; e como mostra cá a "extrema esquerda" a aceitar o poleiro sem revolução nem ditadura popular. Chávez na Venezuela é também a prova da rápida falência de quem julga poder fazer diferente do modelo democrata liberal. As sociedades islâmicas, o único modo de vida diferente no mundo actual, estão em erosão e decadência acelerada, e adivinha-se (como na Tunísia) a sua adesão mais cedo ou mais tarde ao modelo ocidental, tanto mais que é isso que os milhões de emigrantes-refugiados dessas paragens procuram na Europa.

Em boa verdade, desde a queda do Muro, o único acontecimento relevante - o ataque aos Estados Unidos no 11 de Setembro - não produziu qualquer mudança de fundo além de conflitualidade no Médio Oriente. Mesmo a "deriva securitária" de que tanto se falou não foi além de razoáveis medidas de controle e policiamento: o modelo liberal não só aguentou, como até se alastrou. Não quer dizer que seja perfeito, justo, igualitário: a sua imperfeição, baseada na desigualdade parcialmente compensada, é justamente a razão do seu triunfo.

Também a Nobel Svetlana Alexievich escreveu sobre O Fim do Homem Soviético, ou seja, o fim da utopia da sociedade igualitária à força. Mas Régis Debray ainda vai mais longe:

"Avez-vous noté le raccourcissement des cycles d'esperance en occident ? Le Christianisme ? Vingt siècles. Le Scientisme ? Deux siècles. Le Socialisme ? Moisn d'un siècle. L 'européisme ? Un demi-siècle. Résultat, une pemière historique: la peur sans espoir. L'homme (...) a toujours eu peur, non sans raison: des rhinocéros, de l'enfer, de la peste, des barbares, des intrus, des kalachnikovs. La peur, c'est son destin qu'il a inventé pour tenir le coup - la ressurrection de morts, la societe sans classes, l'eternite pour l'art ou autres tranquilisants - a disparu. Pour la première fois, il n'y a plus d'apres. Ni au ciel ni sur terre."

Tive (tenho?) a minha dose de fé - na Ciência , na Arte, na Europa. Agora é "correcto" condenar os males da Revolução Industrial, que seria causadora não só de danos terríveis ao planeta como de danos terríveis ao tecido social. Tudo parece empenhado em destruir essa fé no Progresso, ideal romântico do humanismo que muitos dão como defunto: curiosamente, os mesmos que querem manter viva à força a luta de classes, e o "progresso" social. Pois eu só lamento a interrupção do élan que os séculos XVIII e XIX trouxeram às ciências, às técnicas, às artes e em geral à História da humanidade.

Parece que atingimos o melhor dos mundos possíveis (pelo menos a Ocidente ) na segunda metade do séc XX, uma década antes do 11 de Setembro, marco de todas as quebras de esperança. Mas já muito antes a Ciência desistira de sonhar, a Arte parecia apostar cada vez mais no efémero, seja elitista ou comercial - deixou de haver obras para a eternidade.

Ainda resisto em me conformar com o fim da Europa, mesmo que venham Merkels e Hollandes anunciar esse apocalipse. A invasão pelos imigrantes do Magreb e Médio Oriente é ao mesmo tempo sintoma de sucesso - não há melhor lugar para viver no mundo que a Europa, a mais a norte que a sul - e síndrome de perdição - eles vêm dar cabo do european way of life. Compreendo a duplicidade de reacções, dos muros e dos braços abertos; não é um problema, é um maremoto. Só digo que se a Europa sobreviver, está pronta para sobreviver a tudo o mais que vier.

Se todos os fins que Fukuyama prescreveu parecem consumados, o da Europa está em aberto, e mantenho firme a minha fé. Sem ela é que não há, mesmo, mais nada. Ou haverá outra aventura ainda ? Mesmo que "O fim da aventura" tenha sido, também, título de um livro (**)...



(*) O Fim da História e o Último Homem
(**) Graham Greene, "The End of the Affair"

1 comentário:

Gi disse...

Há neste seu post, Mário, vários pontos em que pensar quando a constipação passar e a minha cabeça ficar mais clara.
Para já, não creio que a Ciência tenha deixado de sonhar.
Quanto à Europa, acredito pouco na sua sobrevivência e, egoísta, só peço que se aguente mais umas décadas.
The End of the Affair também deu um filme perdidamente romântico.