segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

I don't believe / Não acredito


John Lennon:

I don't believe in Bible
I don't believe in Tarot
I don't believe in Hitler
I don't believe in Jesus
I don't believe in Kennedy
I don't believe in Buddha
I don't believe in Mantra
I don't believe in Gita
I don't believe in Yoga
I don't believe in Kings
...

Sábio Lennon ! (esqueceu-se do Corão, contudo).
Mas a lista tem crescido muito.
Eu...

Não acredito no Facebook
Não acredito no Twitter
Nao acredito no Youtube
Não acredito em Hollywood
Não acredito na CNN
Não acredito no Guardian
Não acredito no Le Monde
Não acredito no Público
Não acredito em ONGs
Não acredito no Papa
Não acredito no FBI
Não acredito no Assange
Não acredito no Michael Moore
Não acredito em Putin
Não acredito em Trump
...


sábado, 28 de janeiro de 2017

Pós-verdade, multiculturalismo, Hollywood, o afro-xunga de Bonga e os B Fachada.



Público, 27/1/2017

Esta fez-me rir, durante o regresso de Lisboa no Alfa.

Fala-se bastante das pós-verdades e verdades alternativas, mas são sempre os "outros", políticos ou jornalistas/comentadores, que caem nesse crime de opinião, nunca somos nós. Ora as piores mentiras que se querem fazer passar por verdade estão acima desse patamar - são culturais, para não dizer civilizacionais. Quase se resumem nisto: 1. Passar por arte, ou "património cultural", o que é "lixo cultural", e 2. Negar ou desvalorizar a História como único critério de seriedade no discurso.  Esta maneira de pensar teve origem na antropologia, que introduziu os conceitos de "verdade relativa" - cada cultura tem as suas "verdades", nenhuma é superior, a História é escrita pelos mais fortes, etc. - e no famoso multiculturalismo que prega a igualdade de tratamento a todas as culturas, sem hierarquias.

Esses pressupostos ditos "pós-modernos" trouxeram a valorização de lixo como se cultura fosse, do vale-tudo histórico, e do discurso "povero", andropóide e cheio de ícones que prolifera nas redes sociais como se fosse opinião. E vai até ao ruído do hip-hop e do afro - que não passa de palavreado social sobre batucada em dois ou três acordes básicos - como forma de música de vanguarda e de consciência, poética até !

Neste caso "povero" não quer dizer pobre de recursos: a burguesia "artística" de Hollywood é um dos exemplos mais tipicos destas atitudes. Está na frente de combate contra a administração agora eleita, mas não há classe mais burguesa, mentes mais cretinas e nível artístico mais baixo que essa tropa de actores/realizadores/produtores riquíssimos que se fazem passar por intelectuais com "consciência social"; os modos de vida e a sociedade tribal de que fazem parte são do mais fútil e medíocre, e isso nota-se nas realizações cinematográficas perfeitamente indigentes - imbecis mesmo - que se apresentam nos écrans ano após ano. Não se faz por ali cinema como arte, de há muitos anos para cá, desde o inicio do século pelo menos. Só entretimento, cenas de terror apocalíptico e panfletos de pós-verdade. Que autoridade têm esses para criticar ou se distanciar do sistema ?

Mas também não existe Arte nem Cultura (com C) na música e na criação plástica que se vai produzindo. É tudo simultâneamente feio, kitsch e comercial. As grandes 'novidades' como o hip-hop já referido ou o novo-kitsch de Björk ou o gosto parolo de Jeff Koons e Joana Vasconcelos são coisas palavrosas, coloridas, vistosas, apelando ao imediato do cérebro reptiliano, mas sem matizes nem harmonias nem conteúdo. De Arte só resta, talvez, alguma arquitectura que ainda se norteia pela beleza e imaginação - elegância, harmonia, estrutura funcional integrada no espaço.

Vamos ao que me fez rir, a tal pós-verdade cultural : tem a ver com tudo isto do multiculturalismo e das verdades alternativas. Era no Público de sexta-feira, um artigo central de 2 (DUAS) páginas com foto gigante sobre a genialidade de Bonga e os B Fachada. Em várias colunas laudatórias atribuem-se adjectivos como "tesouro", e cito um dos melhores parágrafos:

         "Bonga e B Fachada [...] estarão juntos na Galeria Zé dos Bois, a associação cultural lisboeta que é desde há muitos anos pólo fundamental, dinamizador, da vida musical e artística da cidade (o concerto está marcado para as 22 h e a lotação está esgotada)."


A GZB, como Mário Lopes abrevia, deve então figurar em todos os roteiros de arte da humanidade culta ! Os grande da música e da arte já por lá passaram ? Por exemplo Arvo Pärt, Phillip Glass, Joyce Didonato, Anselm Kiefer, Hodgkin...

Ah não, não, não é "essa" cultura.

O senhor M. L. que escreveu o artigo não se deve dar conta do disparate, da falsidade alternativa, da perversão de critérios de cultura, e até de jornalismo, que se reflectem na sua prosa. Está integrado no sistema de mentira mediática. Toma lixo por arte. Está prisioneiro da pós-liberdade.


Desenho de Jean para o Le Point.


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P.S. Não vou falar em detalhe do concerto de András Schiff na Gulbenkian, que foi decepcionante. Não tanto pela orquestra Cappella Andrea Barca, que tocou lindamente, com o som bonito, fluente e coeso de grandes músicos, mas sim pelo próprio Schiff, que de tudo querer - solista no piano e director de orquestra - tudo perdeu. Uma permanente distracção e movimentação corporal entre as duas funções resultou em mediocridade, sobretudo ao piano, com interpretações dispersas, desinspiradas, vulgares, secas, quase robóticas. Deixo de ser "cliente" deste Schiff.




quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

András Schiff na Gulbenkian: um programa quase perfeito



Nesta quinta-feira peregrino a Lisboa, direitinho ao auditório da FCG, para um concerto clássico, mas mesmo muito clássico, com um pianista de excelência - András Schiff - e uma orquestra não permanente, de sua criação e direcção, que é uma incógnita. Já li coisas melhores e piores sobre o desempenho. Pelo menos é uma variante sobre as nacionais.

Cappella Andrea Barca
András SchiffPiano / Direcção

Joseph Haydn, Concerto para Piano, Hob.XVIII:11
W A Mozart, Sinf. nº 38, K. 504, Prague

Joseph Haydn, Sinf. nº.101, Hob.I.101, "O relógio"
W A Mozart, Concerto para Piano nº 23, K. 488


Na verdade tenho mais expectativas sobre a primeira parte - são duas obras pouco tocadas e de que gosto muito; mas exigem uma sensibilidade especial à técnica barroca, que não me parece o forte de András Schiff.

No nº 23 de Mozart, a terminar, espero contar com o seu virtuosimo ao piano. E quem sabe alguma Sonata em extra.

Porquê, Lisboa ? mais uma vez: porque a Casa da Música está um pavor de programação. Não irei lá tão cedo - ainda volto a Lisboa primeiro para a Ana Bolena no S. Carlos.

Schiff e a Cappella Andrea Barca em vídeo promocional:




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Se não chover muito, talvez vá dar uma vista de olhos ao MAAT. Os pastéis são ali ao lado...



sábado, 21 de janeiro de 2017

caffè mio, caffè miei


Il est une liqueur, au poète plus chère,
Qui manquait à Virgile, et qu'adorait Voltaire;
C'est toi, divin café, dont l'aimable liqueur
Sans altérer la tête épanouit le coeur.


                                                     Jacques Delille

Não tem nome, acho, eu chamo-lhe o café da Dona Rita, que é quem muitas manhãs me serve o croissant (ou pão com manteiga) e a meia de leite escura. Como já lá vão muitos anos, acho por bem mencioná-lo aqui como património meu.


O chamado "café de bairro", mas muito asseado, tranquilo e bem tratado.
É verdade que Sanzala não é café de primeira escolha; mas as meias de leite saem excelentes, com  preparos personalizados - o requinte das natinhas ao fim, a cobrir...


A esplanada é muito abrigada e soalheira, o que sabe bem no Inverno. No Verão às vezes o calor é impossível, tenho que acertar com a sombra de uma coluna, o que não é fácil, e só dá para uma pessoa.


Um só senão: os cães de outros clientes assíduos, à solta, a regatear o meu croissant com olhos suplicantes e gemidos de gula. Às vezes têm sorte, mas prefiro a visita dos pardais, a quem gosto de semear migalhas; são uns queridos a saltar e conflituar, palpitantes na gulodice.

Noutras alturas, pela beira mar, escolho o Tukano, onde o Musetti , cremoso e aromático, é o melhor café do mundo fora de Itália.

Tem mantas para os joelhos nos dias frios.

A três-quartos, ou 'compridito mas não cheio'.


Pleasures of life. Contento-me com pouco.


A peine j'ai senti ta vapeur odorante,
Soudain de ton climat la chaleur pénétrante
........................................
Et je crois, du génie éprouvant le réveil,
Boire dans chaque goutte un rayon du soleil.



Chez moi :
Vai um ?

       'Il caffè è un micromondo, una Divina Commedia da leggere in 30 
        secondi, un caleidoscopio sensoriale.'

Para acompanhar, da Kaffeekantaten BWV 211, o coro final:



E cito J. S. Bach:

Ei! wie schmeckt der Coffee süße,
Lieblicher als tausend Küsse,
Milder als Muskatenwein.

     Ah! How sweet coffee tastes,
     lovelier than a thousand kisses,
     milder than muscatel wine.
   


terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Utopia ártica:
Tiniteqilaaq, minúscula aldeia na costa leste da Gronelândia.


Nesta quadra fria e branca, costumo publicar aqui um ou outro post alusivo ao alto Ártico, alguma povoação perdida em beleza no meio do deserto gelado. Pois cá vai, como prenda de Inverno.

A quase 66º N, praticamente sobre o Círculo Polar, esta aldeiazita chamada Tiniteqilaaq sobrevive não se sabe como no ponto extremo de um fiorde interior, cercada de ilhas brancas e braços de mar gelado. Só se lá chega de helicóptero (excepto no  curto verão que permite navegação) ou muito raramente de trenó. Exemplos de resiliência destes há mais alguns, mas Tiniteqilaaq merece um prémio de isolamento, 'remotidade' (*) e adversidade climática.


A região de Ammassalik deve ter as mais espantosas paisagens de toda a costa leste da Gronelândia. Os fiordes de Ammassalik e Sermilik, e as pequenas 'cidades' coloridas como Tasiilaq(1), Kulusuk(2) e Kuummiut, compõem cenários espantosos e irreais. Estão no topo da lista da minha próxima reencarnação ,)


Tiniteqilaaq é a mais pequena e interior aldeia do fiorde de Sermilik, quase inacessível por terra e por mar. Só no Verão ártico fica aberto um canal de navegação para a costa.

A rota marítima pelos fiordes para Kulusuk só é navegável na estação quente.

Tiniteqilaaq - ou só 'Tinit' - fica 40 km a Norte de Tasiilaq (a principal cidade da região, com pouco mais de 2000 hab.). Situada num plano elevado em suave encosta  para as águas do fiorde, disfruta de vistas únicas nesta latitude - 65º N fica praticamente sobre o Círculo Polar.



Uma mão cheia das pequenas moradias em madeira, vindas da Dinamarca, de cores variadas e empoleiradas no declive branco, parecem dispostas ao acaso.

As mais modernas são construídas com parede dupla e um eficaz isolamento térmico.

Tiniteqilaaq (=Tiilerilaaq)
Coordenadas: 65 ° 53' N, 37 ° 46' W.
População : 150 - 200


A luz e a neve, o sol e a superfície tranquila das águas pejadas de icebergs, tudo parece jogar constantes partidas como se um pintor estivesse a ensaiar aguarelas. As cabanas são apenas mais um elemento estético.

Por estranho que pareça, há gente de outras paragens que escolhe viver aqui. Franceses, por exemplo.


Com a neve e as ventanias, as cores da tinta vão-se. Não é difícil imaginar como deve ser caro comprar tinta nova, que tem de ser de qualidade especial.


Os habitantes - de maioria Inuit - vivem ainda da caça e pesca tradicional. Os jovens actualmente abandonam a aldeia por paragens mais animadas.


Uma melhoria recente e bem recebida foi uma loja da cadeia Pilersuisoq, que oferece alguma variedade de roupas, equipamento de caça e pesca e alimentação.

No gelo duro os esquis dos trenós facilitam o transporte.


O Kalaaleq, sede da administração local.
O Kalaaleq é o principal edifício da aldeia e serve também como jardim infantil para 12 crianças; de tarde tem passatempos e actividades, como as danças tradicionais ou contadores de histórias. Tiniteqilaaq dispõe ainda de uma pequena escola e de uma cabana para alojamento temporário.



O assustador isolamento é minorado pelo serviço regular de helicóptero a partir de Tasiilaq, que só fica em terra com tempestade ou vento catabático. No Verão o abastecimento é mais fácil pelo MS Johanna Kristina, uma vez por semana.


Outra possibilidade ainda é o aeroporto de Kulusuk, a 42 km, que se podem percorrer de trenó ou snowmobile durante o inverno, quando as águas dos fiordes congelam. São uns dois dias de viagem.

Quando o sol aquece um poucochinho.



O fiorde Sermilik


O Sermilik, com 85 km de fundo e largura máxima de 14 km, é alimentado pelo sul da compacta capa de gelo da Gronelândia, de onde escorrem dezenas de glaciares, sendo o principal o grande glaciar Helheim.

A vasta bacia glaciar do Helheim


Degelo no fiorde.

A imensa massa de gelo que os glaciares despejam continuamente no Sermilik torna complicada a navegação, mesmo para os kayakes de pesca.


No Verão, chegam visitantes de toda a parte para ver as baleias e os narvais nas águas calmas do fiorde. O turismo tem vindo a crescer e é a única nova fonte de rendimentos.



Nesses meses, também a natureza fica mais colorida com pequena plantas de flor e frutos de baga.


Camarinha azul, uma importante fonte de vitaminas.

Uma gulodice de Ammassalik: creme de baunilha com macarons e bagas azuis. Não é só foca hoje, foca amanhã.

Onde isolamento se faz sentir com violência é nas altas taxas de suicídio entre os jovens inuit. É um fenómenos estranho, ainda mal explicado, que costuma ser mais frequente na Primavera com o regresso do Sol. Talvez porque vêem na TV a vida social mais a Sul (praias, turismo, noites divertidas, telemóveis), talvez porque ficam desorientados entre a tradição de caçadores dos antepassados e o modo de vida de hoje. Mas porquê só os rapazes ?


E porquê, com toda esta sublime beleza ? Pelo menos vista daqui, à distância...

A ver o Helheim das alturas.

"Midnatssol"

A loja Pilersuisoq à esquerda, também sob o sol da meia noite.



O mais intrigante, ou estranho, é que, em termos geopolíticos, Tiniteqilaaq está na Europa.
Ich bin ein...


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Consulta principal:
Adventures of a Polarphile
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(1)(2) Mais sobre Tasiilaq e Kulusuk aqui
(*) não é neologismo, a palavra existe em bom português.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Que as imposturas de 2016 morram em 2017


Este título é copiado do editorial de Franz-Olivier Giesbert no Le Point de 29 de Dezembro.

Em vários pontos, Giesbert elenca exemplos de manipulação da opinião pública, cada vez mais assustadora. Ao contrário de muitos, eu não receio o que se veicula nas redes sociais, as patranhas que seja quem for aí pode colocar. Quem tiver dois dedos de testa não frequenta esses sítios, ou então percebe ou desconfia logo da vigarice, e se esta se propaga é desmentida a curto prazo.

O que me assusta mesmo são os media de grande alcance público, mesmo os prestigiados, em que se acredita porque quem escreve são jornalistas e jornalista é uma profissão digna de crédito. Ora bem: não é. É preciso, é urgente, desconfiar dos jornais e ainda mais da TV, seja pública ou privada, tablóide ou "séria". Sem precisar de muita perspicácia, dou conta com frequência de pequenas aldrabices ou trapalhadas - números que não dão certo com o que se diz, adjectivos que distorcem a verdade num sentido ou noutro, destaques disparatados, ênfase no acessório, e tanta coisa importante que não é noticiada. Os debates que costumam seguir-se são uma perfeita anedota. Nos três canais nacionais, há ainda outra pecha (menor) - o atropelo constante da gramática - ortografia e sintaxe - quer pelos pivots, quer pelos inúmeros e impreparados repórteres in loco.


O mais grave é o enviesamento, ou seja, a forma tendenciosa como a notícia é dada. Giesbert identifica sete, mas não sei se serão sequer as piores imposturas. Por exemplo, o conflito sírio completamente distorcido (nunca ouvi os pershmerga !); Obama, que não foi de todo o grande presidente que se propagandeia - vaidoso, passivo, inábil e contemporizador, um inútil bem-falante; Erdogan, que foi desde sempre (e não de agora) inimigo da Europa e carrasco da oposição; e em geral o Mundo, que não está nada a bater no fundo, como reza a imprensa miserabilista criadora de falsas aparências, mas pelo contrário - o "progresso" continua a fazer o seu caminho, por mais que o tentem desacreditar. A pobreza recua (em 1990 uma pessoa em cada duas vivia abaixo do limite de pobreza extrema; agora são 14%); o analfabetismo está em vias de extinção, a tirania já é um fenómeno local de pequenos países, a abundância de alimentos e água contraria as previsões de fome e penúria ... e a qualidade de vida urbana tem melhorado significativamente, basta lembrar como eram as grandes e médias cidades há um século, sujas, poluídas, escuras, perigosas (à noite sobretudo), cercadas de bairros miseráveis. Claro que há um século não havia cobertura diária e ao vivo dos assaltos e crimes.

Outra enorme impostura são as "médias" e projecções de base estatística. As "médias" são quase sempre mal noticiadas como se fossem fiéis evidências, outras vezes de forma disparatadas - "uma média entre 3 e 5 óbitos por semana"- ou grotescamente errada - "a maioria dos rendimentos estão abaixo da média". Por exemplo, dizer-se de uma país maior que Andorra que o crescimento é X e subiu 0,1 é uma inutilidade enganosa. Espanha ou França, para não ir mais longe, podem ter variações regionais de crescimento de -1 a 6%, por exemplo. Na Rússia, na China, as diferenças são ainda mais extremas. E que é 0,1 senão zero, para mais com o erro intrínseco da medida ? As sondagens, já se sabe, são encomendadas para dar o que o encomendante quer, dentro de um erro à volta de 5% pelo menos. Porque é que "órgãos de informação" alinham nessa fantochada ? As sondagens reflectem a opinião dos-que-respondem-a-sondagens, ou nem isso - muitos divertem-se a mentir.

Giesbert termina com uma adequada citação de Shakespeare, comparando o noticiário actual a uma "tale told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing."

Não sou tolo ao ponto de achar que tudo vai bem no melhor dos mundos. Há as incómodas assimetrias, que outra mentira (a multinacional Oxfam é uma fábrica de intrujice) nos faz acreditar estarem a aumentar - não estão; mas no mundo dos homens, esses que já se combatem e matam sem parar há mais de 1 milhão de anos, desde que se puseram a andar de pé, esse ser fracote e quase irrelevante, capaz de bondade e maldade mas sempre à procura de melhor, não se pode ter expectativas demasiado optimistas; há que reconhecer, isso sim, um lento, muito lento, progresso.


Seria uma ajuda se a impostura mediática recuasse em 2017.


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P.S. Não tenho ilusões: o 'Le Point' também faz parte dessa máquina de mentira mediática.



segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A Mário Soares, sem muito rancor nem excessiva gratidão


Que devemos nós a Mário Soares ?

Começa o problema logo com o "nós". Não há "nós" nenhum, é uma ficção hipócrita. O país onde vivo não é uma nação, e que fosse, não é uma sociedade colectivista. É difícil encontrar duas pessoas concordantes sobre o caminho que "nós" devemos seguir.

Então, na primeira pessoa: que devo eu a Mário Soares ?

Dizem alguns: a liberdade. Bom, o 25 de Abril não é certamente a ele que o devo. A queda da ditadura não teve mãozinha de Soares, acontecia com ou sem ele. Já o que veio a seguir, sim: quem é que segurou isto com empenho, garra, toda a energia, para evitar que descambasse em nova ditadura ou em guerra civil ? Não me ocorre mais ninguém senão Mário Soares. Por todas as forças que em sua volta reuniu para assegurar um regime de democracia moderna, europeia, posso estar muitíssimo grato a Mário Soares.

Fez uma má descolonização, sim. Na verdade acho que se esteve nas tintas para as colónias e quem lá vivia. Ele só pensava "Europa". Queria despachar "aquilo" como ganga do Estado Novo, e tinha até vergonha desse passado (eu também tenho). Mas bem podia ter nomeado alguém mais competente, consensual, habilidoso, que evitasse deixar tudo na mão de mercenários contratados pela Rússia de então e ao serviço dos seus paus mandados. Um desastre, cujo preço mais elevado não fomos "nós" a pagar.

Meteu o socialismo na gaveta. Sim, teve consciência de que o país não possuía riqueza nem económica nem financeira para sustentar um bom estado social, modelo francês que era o seu - e veja-se como evolui o modelo francês agora. Soares teve de optar pelo compromisso com os credores, como mais tarde outros repetiram. Mentiu - foi um hábil mentiroso, dentro de uma linhagem que vinha da 1ª República e teve excelentes continuadores. Nunca conseguiu uma orientação económica de progresso para o país, não sabia nem queria saber de finanças, ao contrário do "outro".
Balanço: no governo do país falhou clamorosamente.

Parece-me que o que orientava a acção política de Soares era acima de tudo a Europa. Queria Portugal na Europa, na sua Europa, a de Mitterand e Kohl, para usar na lapela, fazendo parte desse clube de élite socio-cultural onde a guerra e a pobreza extrema parecem banidas. Fez tudo para que o país entrasse na comunidade, nunca o vi tão feliz como nesse dia do brilharete nos Jerónimos. Mesmo que as razões dele não sejam exactamente as minhas, posso de novo estar muitíssimo grato a Mário Soares, a Europa é o espaço onde quero viver, e em grande parte ele contribuiu, fosse por bem ou por mal. Nesta matéria teve a visão do 'Príncipe'...

Nunca era totalmente inocente e desinteressado, claro. Ia-se percebendo que cultivava amizades pouco morais, pouco saudáveis, e que o famoso "clã" orientava cada vez mais a sua acção. O poder que ele adquiriu usou-o em grande parte para benefício dessa reprovável entourage. Começou a proferir disparates e a fazer opções incongruentes. E acabou mal.

É triste, mas mesmo o melhor (talvez) que Portugal teve nas últimas décadas, era um oportunista amigo de corruptos e até de patifes, mas que muitas vezes esteve no combate do lado certo, e à hora certa - certa para nós ? ... enfim, certa para mim.

Hoje, nem muito grato nem muito rancoroso, retribuo, à sua maneira deselegante:
- Ó Doutor, vá-se embora, vá-se embora !


sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Programações: Casa da Música vs. Auditório Príncipe Filipe de Oviedo


É "bater no ceguinho", eu sei, mas só mais uma vez. Um pouco de azedume para temperar a quadra da boa vontade.
Oviedo não é o Porto, e o Auditório Príncipe Filipe (muito muito feio, por acaso, alguém ouviu falar dele ?) não é a Casa da Música.

Feio por fora...

...mais bonito por dentro. Veio substituir o Teatro Campoamor, de fraca acústica para concertos.

Mas o que é que o APF oferece aos asturianos - e já agora, a mim que moro a 4 horas de viagem ?

Vejamos: ao melhor que a Casa da Música terá (Sokolov), adiciona-se muito mais que a CdM não tem ! No ano supostamente Inglês, Oviedo recebe a orquestra Hallé de Manchester - nós não ...

Começo por um cheirinho de 2016: houve
- Mitsuko Uchida, com a Mahler Chamber Orchestra
- Wayne Marshall com a Orquesta Sinfónica da Radio de Colónia
- Fazil Say com a Camerata Salzburg
- Martin Fröst com a Orquesta de Cámara Sueca, dir. Thomas 
  Dausgaard

Só até aqui já vão 4 boas orquestras de fora. Na CdM nem uma só.

- Magdalena Kožená, ena!, com a La Cetra Barockorchester Basel,
  dir. Andrea Marcon (obras de Monteverdi).
- Filarmónica della Scala de Milán, dir. Myung-whun Chung
   (Mahler, Mozart)
- o excelente Dunedín Consort de Edimburgo: Mozart: Vesperae   
  Solennes de Confessore, Requiem.
- Récita com Bryan Terfel

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E então agora para 2017 ?
Depois de Sokolov (Fevereiro) vem Argerich (Março) com a orquestra Kremerata Baltica de Gidon Kremer, e segue-se (!!) Cecilia Bartoli (ac. piano); e depois

Abril
- Coro de Windsbach, Akademie für Alte Musik de Berlín 
   Nuria Rial
   Bach, missa em si menor BWV232
- Orquesta Hallé de Manchester, dir. Mark Elder
   Elgar, Wagner

Maio
BBC Philharmonic Orchestra

Junho,  'Clausura de temporada''
Joyce DiDonato, Il Pomo D'Oro, dir. Maxim Emelyanychev.
'Em guerra e paz': selecção de árias barrocas de Monteverdi, Purcell, Händel, Jommelli, entre outros. Lá estarei (?).

Até a Joyce !! Nem à Gulbenkian ela vai ! Em Junho, espero conseguir viajar para as Astúrias ...

Em resumo: numa pequena cidade regional como Oviedo, a programação inclui orquestras europeias e grandes solistas, ao nível da programação de Lisboa, nossa capital. No Porto, com a 'grandiosa', 'mundialmente famosa', 'icónica' Casa da Música, (quase) só temos direito à orquestra e prata da casa, e uma programação débil. Apetece-me dizer, por uma vez, perdoem o desabafo: grande merda.

A casa só tem fachada.
Porque não aproveita ao menos as tournées que passam por perto ?

E acresce que o Teatro Campoamor, onde se entregam os prémios Príncipe das Astúrias, mantém uma regular temporada de Ópera !! Tivesse Oviedo um bom aeroporto internacional...


segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Fim de Ano com Amadeo, Pousão, Porto e votos finais.


Perdi o gosto a celebrações de passagem de ano já há bastante tempo, com sucessivas experiências desastrosas. É uma altura onde a turba urbana solta tudo o que tem de cérebro lagartóide e hábitos tribais do paleozóico.

Este ano, para não fica no sofá a rever séries da TV ou algum DVD, decidi que ia aproveitar o último dia do ano para no Museu Soares dos Reis ver a exposição dedicada a Amadeo Souza-Cardoso, no seu último dia antes de emigrar para Lisboa. O espaço do Soares dos Reis é mil vezes mais bonito que o do Chiado, e a colecção permanente também.


Algumas obras de Amadeo vi-as agora pela primeira vez. Por exemplo, estas três pequenas maravilhas do ano de 1914:

A travers les fenêtres (dédoublements/intersections), c.1914

Pharol Breton, c. 1914

O busto e a regoa, c. 1914

Das tintas da china, saliento La Tourmente, de 1912:


Balanço: algo desolado com a pequenez da exposição.


Para compensar, demos a volta à casa com paragem obrigatória nos Henrique Pousão (quem diz "os Mirós" deve dizer "os Pousões", não é ?), e Silva Porto, sobretudo os rostos mágicos de mulheres.




Encerramos 2016 em beleza. A seguir fomos para a baixa jantar e ver as luzes. Depois da sobremesa, a árvore dos Aliados



as luzes dos Clérigos.

e nas Almas.


Ó 2017, boas vindas e não tragas muita porcaria, vê lá se te controlas. Evita tempestades e terramotos, rejeita tanto quanto possas a bruteza dos homens e recupera boa dose daquilo a que vulgarmente se chama "as luzes", ou "o progresso", que andam tão arredios. Pelo caminho manda 2016 à barda.....


P.S. Acabo de passar as 250 000 visitas. De milhão é só um quarto, modesta performance, mas sempre começo o ano em alta.