Ah, fugir.
Há um lugar na Terra que é tão diferente de qualquer outro que até serve para testar equipamento e treinar equipas para Marte. A região dos Vales Secos (Dry Valleys) da Antártida é um dos desertos mais extremos do planeta, mas para além disso revela surpresas únicas.
Dry Valleys, Sul da Antártida
Coordenadas: 77° 28′ S, 162° 31′ E
Os Vales Secos são uma formação geológica das Montanhas Transantárticas; estas conduzem os fluxos atmosféricos para o alto, perdendo humidade, e deixando os vales na zona de "sombra de chuva" - onde não chove nem neva. Mas não chove mesmo - há 2000 milhões de anos ! A isso somam-se os fortíssimos ventos catabáticos - até 320 km/h - que sopram desde o interior e evaporam o gelo dos glaciares que descarregam para o vale.
Bull Pass, uma passagem a norte do Vale Wright que mostra bem o contraste entre a Antártica "normal", coberta de gelo, e os Vales Secos.
Daí resulta um clima extremo, um deserto gélido e seco ( o sítio mais seco do planeta) com temperatura média entre - 14 (Verão) e -30 º, recorde - 68º C. São cerca de 4800 km2, a menos de 100 km da estação MacMurdo. Curiosamente, há rios, sim, rios na Antártida ! À falta de verdura e peixe, não são nada paradisíacos, mas nem por isso deixem de ser belos. No mínimo, há a beleza da ausência de humanos, uma benesse. Na maioria dos casos, o que o Homem faz é estragar.
Wright Valley, o mais impressionante dos três vales; ao longe vê-se o lago Vanda.
São três os grandes Vales Secos: Taylor, Wright e Victoria. A grande Raínha está em todo o lado ! O vale Taylor foi o primeiro a ser descoberto, na primeira expedição de Scott entre 1901 e 1904; só em 1950 se descobriram os outros vales e a sua extensão.
Taylor Dry Valley. É bem visível que os glaciares não conseguem alimentar gelo no grande vale, pois é todo evaporado pelos ventos. O chão do vale é cascalho solto com alguns pontos de gelo. A humidade é zero.
Glaciar a escorrer para o Vale Taylor.
O rio Onyx e o lago Vanda.
Um dos vales mais espectaculares é o vale Wright, onde corre o rio Onyx, que desagua no lago Vanda. Os nomes parecem de ficção científica. É um rio salgado, salgadíssimo, mas lindo como só um rio na Antártida.
No Verão austral, o lago descongela parcialmente. Vê-se o rio Onyx, do lado esquerdo, a desaguar no lago.
As rochas são granitos e gneisse.
O Lago Vanda é o maior entre vários lagos dos Vales Secos. Tem 5,6 km x 1,5 km, e profundidade máxima de 68.8 m. Está permanentemente coberto por uma fina camada de gelo macio, cerca de 4 m de espessura. A água provém da fusão dos glaciares, até se estabelecer um equilíbrio entre a água que chega e a que se evapora.
É um lago hipersalino, com salinidade mais de dez vezes superior à do Mar Morto. Tem três camadas distintas de água, com temperaturas desde uns quentes 23 °C no fundo, a 7º a meio e 4–6 °C à superfície.
Como a precipitação é quase nula, o gelo que se forma fica exposto, endurece, racha, e oferece imagens fantásticas de um azul duro e transparente, com inclusão de rachas poligonais, bolhas e irradiações.
O lago está sempre coberto de uma camada de gelo transparente, entre 3 e 4 metros, excepto em Dezembro com a fusão parcial.
Alguma areia foi soprada e ficou presa sob a superficie do gelo.
Fendas, linhas de fusão, bolhas
O Rio Onyx é o mais longo da Antártida - 32 km ; de facto é uma corrente sasonal debitada pela fusão glaciar.
Rio Onyx, Terra de Victória, Antártida
Coordenadas: 77° 26′ S, 162° 45′ E
Nasce no Verão de gelo derretido do Wright Lower Glacier e flui para o interior ao longo do vale até desaguar no lago. Corre portanto no sentido contrário do mar - as suas águas nunca atingem o oceano. É um "rio" temporário e interior.
Tem caudal e duração variáveis - há anos em que nem chega a correr, noutros causa grandes inundações. É um caso raro, como corrente de fusão glaciar. Quanto a vida, nada excepto cianobactérias.
Houve uma Estação Vanda, neozelandesa, até 1995, quando foi encerrada dando lugar a um pequeno abrigo que só tem ocupação temporária de uma equipa científica (meteorologia, hidrologia, sismologia...)
A cabana neozelandesa nas margens do lago, em baixo ao centro.
Levar um banquinho, sentar num dia de sol sem vento a olhar as montanhas, os glaciares e as fissuras do gelo azul sobre o lago, respirar o ar cortante como lâmina a menos vinte e tal graus, deixar o gelo formar-se à volta da boca, despir a protecção térmica, sem medo, não há ursos, não há nada, relaxar, fechar os olhos e adormecer aos poucos, primeiro as mãos e os pés congelados, depois o frio a entrar pelo tronco, a cabeça a adormecer, adeus, suave eutanásia.
Não se deve morrer mal aqui. Com o frio letal, é quase instantâneo, não há dor sequer. Uma anestesia dada pela mãe Natureza.
" To die, to sleep - to sleep, perchance to dream, aye - "
Sem comentários:
Enviar um comentário