domingo, 12 de agosto de 2018

Despertar: ¡Ah, si en esa mañana hubiera olvido!


Esta semana, tenho despertado à beira-mar, mas face a nascente. Pela janela coa-se a luz da manhã. Sabe-me a férias, não sei porquê, não as tenho ou tenho-as em permanência.


Despertar lentamente, ainda a viver algum sonho estranho e sem saber bem onde estou. Os sons da rua dão essa informação melhor do que a vista: crianças, pássaros, portas a bater, a camioneta. As sombras que se projectam no tecto, percorrendo em diagonal e descendo a parede...

Veio-me esta ideia de poemas de despertar. Encontrei logo J. L. Borges, claro, primeiro entre os primeiros.

El despertar

Entra la luz y asciendo torpemente
de los sueños al sueño compartido
y las cosas recobran su debido
y esperado lugar y en el presente
converge abrumador y vasto el vago
ayer: las seculares migraciones
del pájaro y del hombre, las legiones
que el hierro destruyó: Roma y Cartago.
Vuelve también mi cotidiana historia:
mi voz, mi rostro, mi temor, mi suerte.
¡Ah, si aquel otro despertar la muerte
me deparara un tiempo sin memoria
de mi nombre y de todo lo que he sido!
¡Ah, si en esa mañana hubiera olvido!


"Vuelve también mi cotidiana historia: / mi voz, mi rostro, mi temor, mi suerte."  Antes despertar noutro eu, para outra vida...


Fernando Pessoa visita os mesmos sonhos, sofre os mesmos despertares de Borges.

Durmo. Se Sonho, ao Despertar não Sei
Que coisas eu sonhei.
Durmo. Se durmo sem sonhar, desperto
Para um espaço aberto
Que não conheço, pois que despertei
Para o que inda não sei.
Melhor é nem sonhar nem não sonhar
E nunca despertar.


Fernando Pessoa, "Cancioneiro"

Estou longe de ter tão desventurosos despertares, mas reconheço-os, fazem parte de uma humanidade tormentosa que teve o seu auge no séc. XX. A realidade para que acordo parece menos ensombrada, talvez por causa da luminosidade da praia, mas não esqueço que na maior parte desse mundo o despertar é sofrido, acorda-se para as trevas ou para o abismo.

Blaise Cendrars, poeta maldito, é espantosamente quem mais está perto de mim nesta travessia. Fugindo da pesada e depressiva Paris, iria viajar para o Novo Mundo no melhor momento do século, em 1924, e havia isso - esperança, expectativa.

Blaise Cendrars, Réveil

Je dors toujours les fenêtres ouvertes
J’ai dormi comme un homme seul
Les sirènes à vapeur et à air comprimé ne m’ont pas trop réveillé

Ce matin je me penche par la fenêtre
Je vois

Le ciel
La mer
La gare maritime par laquelle j'arrivais de New York en

 1911
La baraque de pilotage
Et
À gauche
Des fumées des cheminées des grues des lampes à arc à

contre-jour
Le premier tram grelotte dans l'aube glaciale
Moi j'ai trop chaud
Adieu Paris
Bonjour soleil


Como despertar bem disposto num mundo sem expectativas ?
- ah, se nessa manhã houvesse olvido !

2 comentários:

Gi disse...

Despertar com vista de mar é sempre - para mim - uma alegria.
Ser feliz momento a momento, coisa a coisa.

Mário R. Gonçalves disse...

Dentro da nossa cabeça é que vive quase em permanência um pesadelo, Gi. Acordar em esquecimento, como em Alzheimer total, noutra pele e noutro tempo, pode ser um desejo frente ao azul e às ondas que quebram.