quarta-feira, 22 de agosto de 2018

O Eucalipto, segundo Julio Verne: nem para dar sombra serve.


Andam a lançar confusão sobre a floresta e os perigos de incêndio, como convém, quer aos poderes (que só assumem o que fazem  bem, nunca o que fazem mal que é quase tudo), quer à indústria do papel, que sendo extremamenre poluente é tratada como uma "jóia" a preservar - pelos mesmos que nos impingem a porcaria dos automóveis eléctricos e querem acabar com os eficientes motores a gasolina. Porque não carregam o papel de impostos como fazem nos combustíveis?

Irrita-me ter de alinhar com o discurso de esquerda radical nisto, mas bosque de eucalipto é CRIME. Claro que quem atiça o fogo são os humanos e as trovoadas, mas ele propaga-se muito mais facilmente em terrenos secos, madeira seca mas resinosa, cascas e folhagem seca no chão, que caracteriza os eucaliptais. Outra ajuda vem da falta de densidade do bosque, que facilita correntes de ar projectando as chamas, e pela altura, que leva mais longe essas projecções. Outras florestas mais fechadas restrinjem melhor o fogo a uma área delimitada.

Já em 1868 Jules Verne sabia muito bem dos problemas da floresta de eucalipto: descreve, em Os Filhos do Capitão Grant, o espanto dos europeus que atravessam pela primeira vez uma floresta de eucaliptos na Austrália. É sembre bom ler Verne, mas neste caso vale também pela descrição didáctica que faz sobre a orientação das folhas e como ela facilita a secagem do solo. Não sei nada disto, claro, mas sei distinguir quando os nossos "especialistas" - que os há para todos os gostos - inventam e aldrabam.

No livro, uma caravana de exploradores atravessa a floresta meridional da Austrália. Primeiro o original, depois traduzo.


« Ce fut un cri d’admiration à la vue des eucalyptus hauts de deux cents pieds, dont l’écorce fongueuse mesurait jusqu’à cinq pouces d’épaisseur. Les troncs, de vingt pieds de tour, sillonnés par les baves d’une résine odorante, s’élevaient à cent cinquante pieds au-dessus du sol. Pas une branche, pas un rameau, pas une pousse capricieuse, pas un nœud même n’altérait leur profil. Ils ne seraient pas sortis plus lisses de la main du tourneur. C’étaient autant de colonnes exactement calibrées qui se comptaient par centaines. Elles s’épanouissaient à une excessive hauteur en chapiteaux de branches contournées et alternes ; à l’aisselle de ces feuilles pendaient des fleurs solitaires dont le calice figurait une urne renversée.

Sous ce plafond toujours vert, l’air circulait librement ; une incessante ventilation buvait l’humidité du sol ; les chevaux, les troupeaux de bœufs, les chariots pouvaient passer à l’aise entre ces arbres largement espacés et aménagés comme les jalons d’un taillis en coupe. Ce n’était là ni le bois à bouquets pressés et obstrués de ronces, ni la forêt vierge barricadée de troncs abattus et tendue de lianes inextricables, où, seuls, le fer et le feu peuvent frayer la route aux pionniers. Un tapis d’herbe au pied des arbres, une nappe de verdure à leur sommet, de longues perspectives de piliers hardis, peu d’ombre, peu de fraîcheur en somme, une clarté spéciale et semblable aux lueurs qui filtrent à travers un mince tissu, des reflets réguliers, des miroitements nets sur le sol, tout cet ensemble constituait un spectacle bizarre et riche en effets neufs. La forêt du continent océanien ne rappelle en aucune façon les forêts du nouveau monde, et l’eucalyptus, le « Tara » des aborigènes, rangé dans cette famille des myrtes dont les différentes espèces peuvent à peine s’énumérer, est l’arbre par excellence de la flore australienne.

Si l’ombre n’est pas épaisse ni l’obscurité profonde sous ces dômes de verdure, cela tient à ce que les arbres présentent une anomalie curieuse dans la disposition de leurs feuilles. Aucune n’offre sa face au soleil, mais bien sa tranche acérée. L’œil n’aperçoit que des profils dans ce singulier feuillage. Aussi, les rayons du soleil glissent-ils jusqu’à terre, comme s’ils passaient entre les lames relevées d’une persienne.

Chacun fit cette remarque et parut surpris. Pourquoi cette disposition particulière ? Cette question s’adressait naturellement à Paganel. Il répondit en homme que rien n’embarrasse.

« Ce qui m’étonne ici, dit-il, ce n’est pas la bizarrerie de la nature ; la nature sait ce qu’elle fait, mais les botanistes ne savent pas toujours ce qu’ils disent. La nature ne s’est pas trompée en donnant à ces arbres ce feuillage spécial, mais les hommes se sont fourvoyés en les appelant des « eucalyptus ».

— Que veut dire ce mot ? demanda Mary Grant.

— Il vient de ευ καλύπτω, et signifie "je couvre bien" *. On a eu soin de commettre l’erreur en grec afin qu’elle fût moins sensible, mais il est évident que l’eucalyptus couvre mal.

— Accordé, mon cher Paganel, répondit Glenarvan, et maintenant, apprenez-nous pourquoi les feuilles poussent ainsi.

— Par une raison purement physique, mes amis, répondit Paganel, et que vous comprendrez sans peine. Dans cette contrée où l’air est sec, où les pluies sont rares, où le sol est desséché, les arbres n’ont besoin ni de vent ni de soleil. L’humidité manquant, la sève manque aussi. De là ces feuilles étroites qui cherchent à se défendre elles-mêmes contre le jour et à se préserver d’une trop grande évaporation. Voilà pourquoi elles se présentent de profil et non de face à l’action des rayons solaires. Il n’y a rien de plus intelligent qu’une feuille. »



Soou um grito de admiração à vista dos eucaliptos de duzentos pés de altura cuja casca fungosa chegava a medir cinco polegadas de espessura. Os troncos de vinte pés de circunferência, sulcados pelas secreções de uma resina odorífera, elevavam-se a cento e cinquenta pés acima do solo. Nem um ramo, pequeno ou grande, nem um rebento caprichoso, nem um nó sequer lhes alterava o perfil. Das mãos de um torneiro não sairiam mais lisos. Eram outras tantas colunas precisamente calibradas, que se contavam às centenas. A uma altura excessiva, expandiam-se em capitéis de ramos contornados e alternos, da axila dessas folhas pendiam flores solitárias cujo cálice figurava uma urna as avessas.

Sob este dossel sempre verde, o ar circulava livremente; uma ventilação incessante aspirava a humidade do solo; os cavalos, as manadas de bois, os carros, podiam passar à vontade entre estas árvores espaçadas e decoradas como marcos numa floresta em talhadia. Não era nem o bosque de arvoredo muito junto e obstruído de silvados, nem a floresta virgem atravessada de troncos caídos e tecida por inextricável rede de lianas, onde só o ferro e o fogo podem abrir caminho aos pioneiros. Um tapete de erva ao pé do tronco das árvores, um toldo de verdura no topo, longas perspectivas de pilares arrojados, pouca sombra, pouca frescura em suma, uma claridade especial e semelhante à luminosidade que se filtra através de um tecido ralo, reflexos regulares, espelhamentos nítidos sobre o solo, todo este conjunto constituía um espectáculo bizarro e rico em efeitos novos. A floresta do continente oceânico não se parecia de modo algum com as florestas do novo mundo, e o eucalipto, "Tara" para os aborígenes, classificada na família dos mirtos (Myrtaceae), cujas diferentes espécies são difíceis de enumerar, é a árvore por excelência da flora australiana.

Se a sombra não é densa nem a obscuridade profunda sob esses domos de verdura, isso resulta de as árvores apresentarem uma anomalia curiosa na disposição das suas folhas. Nenhuma oferece a face ao Sol, mas o seu perfil acerado. A vista não apercebe senão finos perfis nesta singular folhagem. E por isso os raios de Sol deslizam até ao solo como se passassem entre as lâminas abertas de uma persiana.

Todos fizeram esta observação e pareceram surpreendidos. Porquê esta disposição particular ? Esta questão dirigia-se naturalmente a Paganel, o geógrafo da expedição. Ele respondeu como homem a quem nada embaraça:

- O que me espanta aqui, não é o capricho da natureza; a natureza sabe o que faz, mas os botânicos nem sempre sabem o que dizem. A natureza não se enganou dando a estas árvores uma folhagem especial, os homens é que se enganaram ao chamar-lhes "eucalipto". 

- Que quer dizer essa palavra ? - perguntou Mary Grant.

- Vem do grego ευ καλύπτω, e significa (eu)"cubro bem". O erro é cometido em grego e passa despercebido, mas é evidente que o eucalipto cobre mal.

- Concordo, caro Paganel, respondeu Glenarvan, e agora explique-nos porque crescem assim as folhas. 

- Por uma razão puramente física, meus amigos - respondeu Paganel -, e fácil de perceber. Nesta região de ar seco, de chuvas raras, onde o solo está ressequido, as árvores não precisam de vento nem de sol. Faltando a humidade, falta também a seiva. Daí estas folhas estreitas, que procuram defender-se da luz solar e proteger-se da evaporação excessiva. Eis porque se apresentam de perfil e não de face à acção dos raios solares. Nada mais inteligente que uma folha.»

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E nada menos inteligente que a criatura humana que acha uma árvore como esta adaptada ou adequada ao nosso clima, aos nossos solos.


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