Eu diria que o sector de viagens e turismo se tornou o ramo económico de maior sucesso no século XXI. Não são as Startup nem os telemóveis. A mercantilização da aventura é o negócio do século. Sinal disso é o excesso de páginas publicadas, em papel e na Net: o Traveller, a National Geographic, a Geo, as ediçóes especiais do Figaro ou do Histoire, biliões de sites de viagens, a multilicação de companhias aéreas privadas e de cruzeiros, a invasão dos hotéis em territórios rurais e urbanos.
Na minha infância (anos 60) a oferta a que tinha acesso era outra: as colecções de cromos, que se colavam numa "caderneta" provida de quadradinhos com legenda, e que eram publicados e vendidos em envelopes de quatro; saiam sempre muitos repetidos, as expressões "falta" e "já há" permitiam a troca entre amigos ou vizinhos coleccionadores. Nasciam assim "redes sociais", ah ah, no fim do século passado. Não eram virtuais - eram físicas: na escola, no elétrico, no quiosque, na rua ou no pátio das traseiras.
Tenho ainda duas dessas, Maravilhas do Mundo e Maravilhas da Natureza. Os antepassados dos actuais 'best of' 'travel destinations'. É curioso notar que 1º - já pecavam por muito maus textos, informações erradas ou deturpadas, como agora; e 2º - tinham contudo uma preocupação puramente cultural, não havia entre essas Maravilhas tascas, nem bares ou lojecas, nem sequer indicavam hotéis. E muito menos se eram gay-friendly. "Bons tempos".
A Agência Portuguesa de Revistas (1948-1987) tinha mais de 50 publicações, desde boa Banda Desenhada a revistas fúteis; e publicava as colecções de cromos, muitas delas adaptadas de edições da espanhola Bruguera, que viria a associar-se à concorrente Editorial Ibis. A partir de 1957 é esta associação Bruguera /Ibis que publicará os cromos:
História Natural, Enciclopedia Cultura, Navios e Navegadores, Bandeiras. Raças Humanas (ah, 'raças' !...), e sobretudo estas Maravilhas do Mundo, Álbum I e II. Actualmente só há cromos de futebol.
Intrigava-me esta Cabeça da Velha na Serra da Estrela; parecia demasiado figurativa, só a mão humana podia ter produzido uma escultura assim.
Até que descobri que o calhau, na verdade, não passava disto:
Foi um grande choque e desilusão para os meus treze ou catorze anos. Que vigarice! E se o resto fosse tudo mentira também ? O que aconteceu (sei hoje) é que o editor português, face à inexistência de qualquer maravilha portuguesa na edição espanhola, resolveu inchado de patriotismo substituir alguns cromos por imagens de Portugal. E assim foi o Ilha da Madeira, a Cabeça da Velha e o Vale das Furnas. Todos horrivelmente falseados em forma e em cores.
Afinal foram poucas as maravilhas do álbum que visitei. Fui, por exemplo, ao Eisriesenwelt na Áustria: nenhuma semelhança com isto:
Afinal, uma infindável escadaria permite a visita, e é antes assim:
Ah, sonhos de criança desfeitos.
Valeu pelo estímulo, enfim, e pelas horas a devanear.
Fui aos fiordes noruegueses e ao Cabo Norte, ao Monte Cervino e a Montserrat, ao Lago Bled e às Sete Irmãs de Geiranger, à Costa Brava de Gerona e ao Lago Uri, parte do Lago dos Quatro Cantões. Estes destinos, foi o álbum que os sugeriu, e por isso o relembro.
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