quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Relembrando os cromos 'Maravilhas do Mundo', edição da Bruguera/Ibis


Eu diria que o sector de viagens e turismo se tornou o ramo económico de maior sucesso no século XXI. Não são as Startup nem os telemóveis. A mercantilização da aventura é o negócio do século. Sinal disso é o excesso de páginas publicadas, em papel e na Net: o Traveller, a National Geographic, a Geo, as ediçóes especiais do Figaro ou do Histoire, biliões de sites de viagens, a multilicação de companhias aéreas privadas e de cruzeiros, a invasão dos hotéis em territórios rurais e urbanos. 

Na minha infância (anos 60) a oferta a que tinha acesso era outra: as colecções de cromos, que se colavam numa "caderneta" provida de quadradinhos com legenda, e que eram publicados e vendidos em envelopes de quatro; saiam sempre muitos repetidos, as expressões "falta" e "já há" permitiam a troca entre amigos ou vizinhos coleccionadores. Nasciam assim "redes sociais", ah ah, no fim do século passado. Não eram virtuais - eram físicas: na escola, no elétrico, no quiosque, na rua ou no pátio das traseiras.

Tenho ainda duas dessas, Maravilhas do Mundo e Maravilhas da Natureza. Os antepassados dos actuais 'best of' 'travel destinations'. É curioso notar que 1º - já pecavam por muito maus textos, informações erradas ou deturpadas, como agora; e  2º - tinham contudo uma preocupação puramente cultural, não havia entre essas Maravilhas tascas, nem bares ou lojecas, nem sequer indicavam hotéis. E muito menos se eram gay-friendly. "Bons tempos".

A  Agência Portuguesa de Revistas (1948-1987) tinha mais de 50 publicações, desde boa Banda Desenhada a revistas fúteis; e publicava as colecções de cromos, muitas delas adaptadas de edições da espanhola Bruguera, que viria a associar-se à concorrente Editorial Ibis. A partir de 1957 é esta associação Bruguera /Ibis que publicará os cromos:
História Natural, Enciclopedia Cultura, Navios e Navegadores,  Bandeiras. Raças Humanas (ah, 'raças' !...), e sobretudo estas Maravilhas do Mundo, Álbum I e II. Actualmente só há cromos de futebol.


O Álbum I era o que mais me fascinava: mostrava lugares que eu nem em sonhos imaginava, em cromos (de colorido fantasista, sei agora) que fui fixando de cor, junto com os textos, e com a crescente ânsia de viajar, de sair daqui, da ´pocilga'. O estímulo para fazer as malas começou aqui.


Nomes como 'O Halemaumau de noite', 'O Túnel de Torghatten', 'O Vale de Tonquin (Tonquin Valley)', 'Cascata de Angel'... tinham uma magia exótica sedutora.



Intrigava-me esta Cabeça da Velha na Serra da Estrela; parecia demasiado figurativa, só a mão humana podia ter produzido uma escultura assim.


Até que descobri que o calhau, na verdade, não passava disto:
 

Foi um grande choque e desilusão para os meus treze ou catorze anos. Que vigarice! E se o resto fosse tudo mentira também ? O que aconteceu (sei hoje) é que o editor português, face à inexistência de qualquer maravilha portuguesa na edição espanhola, resolveu inchado de patriotismo substituir alguns cromos por imagens de Portugal. E assim foi o Ilha da Madeira, a Cabeça da Velha e o Vale das Furnas. Todos horrivelmente falseados em forma e em cores.

Afinal foram poucas as maravilhas do álbum que visitei. Fui, por exemplo, ao Eisriesenwelt na Áustria: nenhuma semelhança com isto:

Gelo verde ?!

Afinal, uma infindável escadaria permite a visita, e é antes assim:


Ah, sonhos de criança desfeitos.
Valeu pelo estímulo, enfim, e pelas horas a devanear. 

Fui aos fiordes noruegueses e ao Cabo Norte, ao Monte Cervino e a Montserrat, ao Lago Bled e às Sete Irmãs de Geiranger, à Costa Brava de Gerona e ao Lago Uri, parte do Lago dos Quatro Cantões. Estes destinos, foi o álbum que os sugeriu, e por isso o relembro.


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