quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Dois quadros que nunca vi porque nunca entrei nas Uffizi.


Estive por duas vezes em Florença, mas nunca tive paciência para as filas das Galerias Uffizi. Florença tem muitíssima mais arte, em cada esquina e praça, palácio e jardim, e se há coisa que me falta é paciência para esperar de pé. Mas tenho pena, e como lá não volto, vou visitar aqui e agora os dois quadros que mais lamento não ter visto.


A Primavera de Botticelli

Estar sentado em frente longos minutos, várias vezes ... era esta a obra que mais me faria demorar. Muito mais que o outro em que Vénus nasce da concha.


Uma das coisas curiosas é que Botticelli se  esteve 'nas tintas' para a perspectiva. Ele sabia muito bem aplicar as regras - mas não quis; quis sim exaltar o detalhe, deve ser uma das obras de pintura mais minuciosamente detalhadas da arte clássica. Não era destinada a ser apreciada à distância, mas para olhar de perto.


Mesmo assim o conjunto é luxuriante de cor e movimento. Percorre-se, como na leitura, da esquerda para a direita ( ou vice versa) e não da frente para o fundo (como o de Michelangelo), como um pergaminho ilustrado que se desenrole na horizontal. Vénus, vestida a maneira Florentina, está num arco entre o filho Cupido, de arco e flecha prontos, e as Três Graças .

Certamente toda a gente já reparou nas mãos cruzadas. Três pares de mãos entrelaçadas, genial composição.

Também nas Uffizi está a lindíssima  Madonna de Pomegranate, um medalhão redondo como o de Michelangelo; mas mais imperdível é este:



Il Tondo de Michelangelo.


Il Tondo Doni (1503-1504) é uma sagrada família, encomenda de um tal Agnolo Doni na forma de medalhão - (ro)tondo.

O famoso chiaro-escuro a criar três dimensões na tela.

Pensado para uma colocação elevada que nos obrigue a observar em contre-plongée, o quadro deveria ter obrigado a um estudo e trabalho nas formas e sombreados nunca visto; mas a obra é posterior à decoração da Capela Sistina, portanto Michelangelo já dominava a técnica com desinvoltura.


Vários golpes de génio fazem deste redondo uma obra prima. Em vez do habitual triângulo, o que temos são dois triângulos, um deles invertido, unidos num ponto fulcral que é o incrível olhar da mãe; que, coisa rara, não olha de frente nem de lado - olha para trás, enlevada, numa atitude algo sensual como quem se relaxa no leito de manhã. Uma diferença radical: em Boticelli interessa a cena, o decorativo, o detalhe; em Michelangelo, tudo está ao serviço de afectos, de sentimentos humanos.

Também é curioso como Michelangelo representa duas perspectivas diferentes da vida: na paisagem de fundo, corpos nus ao estilo greco-romano contrastam coma simbologia cristã, como se fossem o fundo mitológico sobre o qual se fundou a narrativa bíblica.

Como é possível ?

Muitos outros haveria, como a Madonna de Pomegranate, ou a Anunciação de DaVinci incontornável, ou todas as salas de esculturas. Mas são estes dois que não me perdoo.



1 comentário:

Belinha Fernandes disse...

Maravilhosos! Eu não me importaria de estar la´de é 24 horas! Até levaria tenda para acampar! O que eu me recrimino por ter estado no aeroporto de Florença e nunca ter visitado a cidade. Tudo por ingénua falta de planeamento! Com a vida que levo dificilmente lá poderei voltar. Resta apreciar as reproduções e ler as suas postagens, obrigada por isso! Hoje até vim aqui para pedir a sua visita. Solicitava que lesse a minha postagem de hoje, que corrigisse se encontrar erros, faça sugestões. É assunto que não domino e que sei que entende bem! Passe por lá e bom fim de semana: está por aqui muito frio, convida à blogagem!